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Podemos entender a evolução biológica como o resultado das constantes mudanças nas populações de seres vivos, que podem ser em características físicas, comportamentais ou fisiológicas. Se as características dos seres vivos têm relação direta com o seu material genético, aí existe uma ligação muito profunda entre evolução e genética! As mudanças no genoma (que podem ser, por exemplo, mutações) acontecem a todo tempo de forma aleatória, gerando modificações nos indivíduos e nas populações, que são positiva ou negativamente selecionadas pelo ambiente em que esses indivíduos estão, afinando a relação daquele ser vivo com o ambiente. Essa é a lógica mais pura e simples da evolução biológica.
Outra fonte de modificação da composição genética de uma população é a reprodução sexuada, onde por via de regra, se combinam metade dos cromossomos de cada um dos genitores e geram um indivíduo único. Se formos pensar em indivíduos humanos, por exemplo: você é o resultado da combinação de um determinado conteúdo genético da sua mãe e do seu pai. Não existe absolutamente ninguém geneticamente idêntico a você.
Como a genética se relaciona com a Evolução?
A nossa primeira impressão é achar que, como os gêmeos univitelinos são oriundos de um mesmo zigoto, eles são perfeitamente idênticos. Sobre isso, já adianto a informação: não necessariamente. Claro que eles possuem o maior grau de semelhança genética que dois seres humanos podem ter, mas olhando no micro, no detalhe, temos detalhes a atentar:
Sobre o genótipo, “Acredito que o genoma com o qual você nasce não o mesmo com o qual você more – pelo menos não para todas as células no organismo”. Carl Bruder especula isso com base no fato de que o nosso genoma sofre modificações naturais durante a nossa vida, sejam elas causadas por substâncias mutagênicas (tipo radiação, toxinas, etc) ou mutações espontâneas, como explico ali embaixo. Portanto, a ideia é que gêmeos idênticos se distanciem geneticamente durante a vida já que essas mudanças vão se acumulando, além do fato do estudo apontar que os eles podem já nascer com algumas diferenças nos seus alelos. Veja o artigo resumido na Scientific American.
Sobre o fenótipo, a gente entende que a expressão do nosso genoma é uma equação que envolve também estímulos do ambiente (a famosa equação "Fenótipo = Genótipo + Ambiente). Podemos dar como exemplos de estímulos ambientais a incidência solar, pressão, duração do dia/noite, temperatura, estímulos à fala, a cognição, interação social, etc. Ou seja, o que a gente vê como fenótipo (seja aparência física, fisiológica ou comportamental) é, na verdade, uma equalização do genótipo com influências ambientais. Por isso, às vezes, apesar de existir uma pré-disposição genética a determinada condição ou doença a pessoa pode nunca manifestá-la e vice versa. A essas diferentes formas que um mesmo genótipo pode gerar de acordo com a variação ambiental damos o nome de plasticidade fenotípica. Com isso, acentuam-se diversas diferenças na aparência física dos gêmeos idênticos, pois eles recebem, ao longo de suas vidas, estímulos diferentes.
A diferença de ambiente já começa na placenta da mãe, já que ambos os fetos ocupam posições diferentes. Pode parecer pouco, mas as impressões digitais, que se formam no sexto mês de gestação, são determinadas não só pelo genoma, mas pelo contato dos dedos dos fetos com o ambiente intra-uterino. Como estão em posições ligeiramente diferentes na barriga da mãe, eles travam contato com microambientes distintos. Por isso, nem mesmo gêmeos univitelinos têm impressões digitais iguais, sendo esse ainda um excelente método de identificação pessoal (excetuando-se, claro, as pessoas que portam a "Síndrome de Nagali"). As impressões digitais (ID), aliás, são assunto interessante, objeto de estudo de uma especialidade chamada papiloscopia, que coleta e também investiga IDs em cenas de crimes (Ciência Forense). Conheça mais sobre o assunto no artigo de Chemello, E. (2006)
Mas os gêmeos univitelinos não são idênticos?
GENÓTIPO
s.m composição genética de um indivíduo
FENÓTIPO
s.m manifestação visível ou detectável de um genótipo

Nuvem de gafanhotos e a plasticidade fenotípica
A espécie de inseto conhecida como Gafanhoto-do-deserto (Schistocerca gregaria) foi descrita nos tempos bíblicos como uma das pragas do Egito. No melhor estilo "o médico e o monstro", esse animal, inofensivo sob certas condições, se torna uma praga devastadora de plantações sob condições opostas, principalmente em regiões da África, Ásia e Oceania.
Na América do Sul, a espécie é diferente, mas o comportamento é bem parecido: a Schistocerca cancellata (conhecida como gafanhoto migratório sul-americano) devasta plantações na Argentina, Uruguai e na região Sul do Brasil desde as décadas de 1930 e 1940. Mas o que acontece e porquê estamos falando disso aqui, na seção de genética? O gregarismo, característica dessas espécies, é uma resposta à sua plasticidade fenotípica, ou seja, as características físicas do animal mudando de acordo com mudanças no ambiente, sem que isso signifique uma mudança no material genético. Conforme explicamos ali em cima, a plasticidade fenotípica é a capacidade de mudanças no fenótipo (expressão de características visualmente perceptíveis) sem que o genótipo seja alterado. A capacidade da sua pele ficar naturalmente em tons mais escuros, mesmo que você seja caucasiano, caso more perto da praia é uma demonstração da sua plasticidade fenotípica, por exemplo.Mas qual condição ambiental estimula uma mudança fenotípica nesses gafanhotos? Na sua fase solitária, o gafanhoto-do-deserto é verde e não possui comportamento migratório. Quando vêm as épocas de maior abundância, algo muito previsível ocorre: sua população começa aumentar exponencialmente. Com isso, mudanças físicas começam a ocorrer de modo que ele adquire um comportamento migratório (modo gregário) para buscar mais alimentos.
O que muda no organismo deles para realizar essa mudança fenotípica? Algumas pesquisas já tinham mostrado que estímulos físicos causam a mudança - empurrando, vendo e cheirando outros gafanhotos nas proximidades, mas mais recentemente um novo estudo aprofundou nossa compreensão sobre esse fenômeno, atribuindo essa mudança à um hormônio: serotonina. Esse hormônio é encontrado em todo o reino animal e age principalmente sobre a comunicação nervosa. Nesse estudo, perceberam que os gafanhotos operando no "modo gregário" tinham cerca de três vezes mais serotonina no sistema nervoso do que aqueles em "modo solitário". Esse hormônio-neurotransmissor tem, no gafanhoto, um efeito de transformar um animal pacato em um voraz comedor de lavouras. Antigamente acreditava-se que o gafanhoto verde-solitário e o amarelo-gregário eram de espécies diferentes, o que foi definitivamente contrariado em 1921. Em "modo de nuvem", o gafanhoto pode comer o equivalente ao seu peso em um dia. A nuvem pode voar 100 km entre cinco e oito horas, devastando o que encontra pelo caminho.
O que a serotonina faz com o organismo desses animais?
Stephen Rogers, um dos autores do estudo que ligou a serotonina a esse comportamento nos gafanhotos diz que 'muitas vezes, ela atua no contexto de alterar o modo como os animais respondem a estímulos vindos de outros animais. Em várias espécies, ela regula a agressividade. Em humanos, a sensação de bem-estar ou depressão. Nos gafanhotos, foi cooptada para produzir a mudança de comportamento que precede a formação da nuvem'. O que ocorre, portanto, é que os gafanhotos jovens (ninfas) que ocorrem em baixas densidades populacionais (fase solitária) tendem a evitar uma à outra, enquanto as que ocorrem em altas densidades populacionais (fase gregária) são atraídas uma pela outra. Essa mudança de comportamento, regulada pela quantidade de serotonina no sistema nervoso desses animais exemplifica brilhantemente como a plasticidade fenotípica ocorre para lidar com mudanças na disponibilidade de recursos no ambiente.



A história da genética e da descoberta do material genético é relativamente recente uma vez que dependeu diretamente de microscópios e técnicas que permitissem a visualização de moléculas, ou pelo menos a suposição de sua existência. Além disso, dependia também de um contexto histórico-científico que reconhecesse a célula como menor unidade funcional de vida.
O que conhecemos hoje como DNA começou a ser estudado em 1869. Ao analisar uma amostra de pus, o bioquímico alemão Johann Friedrich Miescher (1844-1895) identificou uma nova substância ácida e denominou-a nucleína. É o rapaz da foto ao lado. A substância foi assim denominada porque era proveniente dos núcleos das células de glóbulos brancos presentes em amostras de pus. Os núcleos de leucócitos são particularmente fáceis de manipular por serem muito grandes e bem, pus nem se fala, tem muito por aí. Como vimos na história da teoria celular, na própria Alemanha, anos antes, Schleiden e Schwan já haviam percebido que as células não eram apenas um elemento estrutural dos tecidos, mas continha em seu interior uma atividade própria, possivelmente o princípio da vida. Em 1839, Schwann conseguiu reduzir os organismos para um única célula que continha toda a informação vital daquele ser vivo. Já se entendia que a célula é a origem necessária de todo corpo organizado e ambos tinham a ideia de uma grande importância do núcleo para a formação dessas células. Então, Miescher estava realizando justamente novos estudos para desvendar os componentes do núcleo celular já que o papel das células para a vida já estava muito melhor compreendido. Em 1889, vinte anos depois da descoberta da 'nucleína' por Miescher, Richard Altmann (1852- 1900) confirmou a natureza ácida do material e o denominou de ácido nucléico.
Embora o papel dessa molécula ainda tenha demorado mais tempo para ser desvendado, a sua composição bioquímica continuou a ser mais detalhada nos anos seguintes: em 1909, Phoebis Levine (1869-1940) e Walter Jacobs (1883-1967) determinaram a organização das moléculas de fosfato, do açúcar e das bases nitrogenadas (adenina, guanina, citosina e timina) como sendo a unidade fundamental do ácido: o nucleotídeo. Vamos ver essa estrutura de forma detalhada daqui a pouco, mas veja como é recente nosso conhecimento sobre a constituição química da molécula mais importante para a vida. Já estamos no século 20 e ninguém nunca viu um ácido nucleico e nem sabe exatamente sua função nas células.
O trabalho de Gregor Mendel, no século anterior, havia descrito alguns padrões de hereditariedade que ele sintetizou nas suas duas leis. Mas na época, chamava os genes de fatores, para explicar como são transmitidos dos pais para os filhos. O trabalho de outros cientistas por volta do século 20, incluindo Theodor Boveri, Walter Sutton e Thomas Hunt Morgan, estabeleceram que os fatores hereditários de Mendel eram, provavelmente, transmitidos por cromossomos. Ou seja, eles demonstraram que os 'fatores' descritos por Mendel, são genes que estão localizados ao longo dos cromossomos.
Ao perceber que os cromossomos eram compostos por ácidos nucleicos (DNA) e proteínas, os dois componentes químicos se tornaram candidatos ao papel de material genético. Entre os bioquímicos da época, a principal candidata era as proteínas, já que elas eram bem mais conhecidas, estavam presentes nas mais variadas atividades e possuíam uma alta especificidade nas suas ações. Tinha que ser elas. Mais especificamente as histonas, proteínas que ajudam o DNA a se enrolar. Proteínas eram conhecidas por suas sequências diversas de aminoácidos, que podem ser de 20 tipos distintos, enquanto se pensava que o DNA era um polímero entediante e repetitivo de nucleotídeos, que podiam ser de 4 tipos distintos. O que se estabeleceu como um modelo dessa estrutura ainda não estava acurada e ia se mostrar, na verdade, equivocada. Pouco se sabia acerca dos ácidos nucleicos, cujas propriedades físicas e químicas pareciam muito uniformes para serem responsáveis por resultar em características tão numerosas e variadas.

Como descobrimos que o material genético era o DNA?
Em 1928, o bacteriologista britânico Frederick Griffith (1871-1922), na foto ao lado, na tentativa de encontrar uma vacina para a pneumonia, conduziu com o seu irmão uma série de experimentos usando a bactéria Streptococcus pneumoniae em roedores.
Griffith utilizou duas cepas relacionadas de bactéria, conhecidas como R e S.
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Cepa R. Quando cultivadas em placa de Petri, a bactéria R forma colônias ou aglomerados de bactérias relacionadas, que têm bordas bem definidas e aparência rugosa (daí a sigla "R", de rough). As bactérias R são avirulentas, significando que não causam doenças quando injetadas em ratos.
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Cepa S A bactéria S formou colônias arredondadas e suaves (daí a sigla "S", de smooth). A aparência suave se dá por conta de um polissacarídeo ou uma capa a base de açúcar produzida pela bactéria. Essa capa protegeu a bactéria S do sistema imune do rato, fazendo-as virulentas (capazes de causar doenças). Ratos em que foram injetadas bactérias S vivas desenvolveram pneumonia e morreram.
Como parte de seus experimentos, Griffith injetou bactérias S mortas por calor (isso é, bactérias que haviam sido aquecidas a altas temperaturas, causando a morte das células) em alguns ratos. Sem surpresas, a bactéria S morta pelo calor não causou a doença nos ratos. Os experimentos tiveram um resultado inesperado, contudo, quando bactérias R, inofensivas, foram combinadas com bactérias S mortas por calor e injetadas em um rato. Não só o rato contraiu pneumonia e morreu, mas quando Griffith retirou uma amostra de sangue do rato morto, ele encontrou bactérias S vivas! Como isso é possível? Griffith concluiu que as bactérias da cepa R teriam adquirido o que ele chamou de "princípio transformante" da bactéria S morta por calor, permitindo que elas se "transformassem" em bactérias S, tornando-se virulentas. Hoje, Frederick Griffith é conhecido como o primeiro engenheiro genético da medicina.
Em trabalhos posteriores, Oswald Avery, Maclyn McCarty e Colin MacLeod indicariam o DNA como a substância responsável pela transformação, mas o meio científico, no entanto, ainda estaria cético e muitos especialistas ainda consideravam as proteínas como as melhores candidatas para o papel de material genético. Além disso, muitos biólogos não estavam convencidos de que os genes de bactérias teriam composição e função semelhantes aos de organismos mais complexos. Essa mania de superioridade humana ainda persistia de forma muito forte no conhecimento Biológico. Todavia, a principal razão para o ceticismo era a falta de conhecimento acerca do DNA. Se em uns esses experimentos resultaram em ceticismo, em outros despertou curiosidade.
Esse texto contém recortes do artigo de Andrade e Caldeira (2009)
Em 1900, William Bateson, um proeminente biólogo britânico, escreveu de modo profético que a “determinação exata das leis da hereditariedade provavelmente causará mais alterações na percepção do ser humano sobre o mundo e em seu poder sobre a natureza do que qualquer outro avanço no conhecimento natural que possa ser previsto”
As proteínas histonas são as responsáveis pelo enovelamento das fitas de DNA. Portanto, era possível perceber a presença de proteínas e ácidos nucleicos no núcleo das células. A dúvida era 'qual o responsável pela hereditariedade?'



Em 1952, Alfred Hershey e Martha Chase obtiveram evidências mais conclusivas de que o DNA é o material genético dos organismos vivos e de vírus. Isso foi feito através de experimentos com vírus bacteriófagos chamado T2 e bactérias Escherichia coli. Bacteriófagos são vírus que infectam bactérias e, como todos os outros vírus, são estruturas biológicas bem simples, consistindo basicamente em um material genético encapsulado por um envoltório proteico. Isso já era conhecido nessa época. Eles também já sabiam que o fago T2 podia transformar rapidamente uma célula de E. coli em uma máquina de produção de fagos T2, liberando muitas cópias quando a célula era rompida. De alguma forma, o T2 conseguia reprogramar a célula hospedeira para produzir vírus. Mas qual dos componentes virais – proteína ou DNA – era o responsável?
Então, aqui estava a chave para descobrir se no momento de infectar uma célula hospedeira, o vírus liberava a parte proteica ou a parte do ácido nucleico (RNA ou DNA). O que quer que ele inserisse na célula hospedeira, seria o seu material genético, visto que ele era necessário para dar curso ao seu ciclo reprodutivo. Pra isso, os cientistas marcaram radioativamente as moléculas proteicas e de ácidos nucleicos dos vírus e viram que o DNA era o material transportado pelo vírus para dentro da célula hospedeira. Depois, com mais técnicas de genética molecular desenvolvidas, conseguimos inclusive saber que dentre os genes do material genético viral, estão aqueles que descrevem a construção da sua capsula proteica.

Johann Miescher
Evidências adicionais de que o DNA é o material genético foram obtidas no laboratório do bioquímico austríaco Erwin Chargaff (1905-1992). Como já citamos, era sabido que o DNA é um polímero de nucleotídeos, cada um formado por três componentes: uma base nitrogenada (contendo nitrogênio), um açúcar pentose chamado de desoxirribose e um grupo fosfato. A base nitrogenada pode ser de quatro tipos diferentes: adenina (A), timina (T), guanina (G) ou citosina (C). Chargaff analisou a composição das bases do DNA de diversos organismos distintos. Em 1950, ele relatou que a composição das bases do DNA varia de um organismo para o outro. Por exemplo, ele observou que 32,8% do DNA do ouriço-do-mar corresponde à base A; enquanto apenas 30,3% dos nucleotídeos do DNA humano apresentam a base A, e apenas 24,7% do DNA da bactéria E. coli corresponde à base A. As evidências de Chargaff para a diversidade molecular entre as espécies, que muitos cientistas presumiam ausente no DNA, tornaram o DNA o candidato mais plaus