

Vivian Nogueira
- 6 min
Homeostase não é sinônimo de equilíbrio
O que separa um organismo vivo de um organismo morto? Termodinamicamente: o equilíbrio. Mas não da forma que você está pensando. Sob um...
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É muito provavel que em alguma bad existencial você tenha se perguntado coisas como: "o que é a vida?", "Qual o propósito dela?" e "como ela surgiu?", "estamos vivendo em uma simulação". Bem, tenho uma notícia boa: com exceção da última pergunta, os filósofos, naturalistas, biólogos e biólogas também compartilham desta curiosidade e perseguem evidências científicas e fazendo reflexões filosóficas para aproximarem-se de possíveis respostas. Nessa página, me dedico a trazer uma trajetória historicamente posicionada sobre as tensões que já envolveram esse tema, bem como alguns nomes importantes no avanço desse conhecimento, terminando com evidências recentes e a compreensão mais moderna sobre a Origem da Vida.
Sem dúvidas é um tema bem complexo, principalmente por envolver um objeto de estudo pretérito, que não temos acesso. Nós não estávamos lá. Por isso, a tecnologia aliada a um pensamento filosófico sofisticado através de séculos têm nos aproximado de respostas muito interessantes.
Alô terraplanistas: essa é pra vocês!
Usei como fontes de pesquisa para esse conteúdo, os incríveis artigos do André Luis Correa e tese do Francisco Angelo Coutinho
O século 19 foi crucial para a Biologia: existiam várias correntes debatiam para definir o fenômeno vital, ou seja, um turbilhão de ideias e debates sobre o que é a vida e como ela começou. Nessa época, estávamos em meio a avanços nas tecnologias dos microscópios, iriam publicar teorias evolutivas de Lamarck e Darwin, dentre outros debates filosóficos e científicos permeavam a área recém delimitada da Biologia, como os vitalistas, mecanicistas e organicistas.
Os vitalistas defendiam a ideia de que apenas os seres vivos eram capazes de produzir compostos orgânicos, ou seja, tais substâncias não poderiam, de nenhuma maneira, ser produzidas artificialmente. Isso significa dizer que a diferença entre os vivos a matéria inanimada era o élan vital (força vital, em françês), que não era uma propriedade física nem química. Os religiosos adeptos do vitalismo faziam, inclusive, uma associação do élan vital com a alma. A reprodução, por exemplo, seria o fluxo de élan vital entre corpos, que seria capaz de produzir mais vida. O vitalismo tenta, de alguma forma, afastar o fenômeno da vida das leis químicas e físicas, argumentando ser algo singular, com suas próprias leis.
Os organicistas, por sua vez, entendiam que 1+1=3. Calma, vou explicar. Eles entendiam que um determinado organismo não tem uma complexidade somente originada pela soma do que compõe ele, ou seja, de suas partes. A sua complexidade é construída pelas suas partes + a interação entre elas. Aristóteles, Galeno e Ptolomeu foram filósofos base dessa corrente, forte na época do renascentismo, onde papel do cientista era colocar-se em contato com a mensagem do universo e ser uma espécie de mago. A relação entre ciência, arte e magia era por muitas vezes confundida como um quebra-cabeça deixado por Deus para que os cientistas revelassem. Por ter esse vínculo com o divino, os organicistas acreditavam que todo desenvolvimento era dotado de intencionalidade, que tudo tinha uma ordem e razão para acontecer.
"O mecanicismo foi uma reação tanto à corrente mágica quanto ao organicismo. Era impossível considerar o universo como uma máquina e deixar intactas as suposições aristotélicas acerca da natureza de Deus, a revelação cristã, os milagres e o lugar reservado à finalidade no mundo. O pressuposto mecanicista é o de que o universo é governado por forças mecânicas, completamente cega". Os mecanicistas compreendiam que o atributo do mundo era a regularidade dos fenômenos naturais. Sem abrir tanto mão do papel de Deus como projetista do Universo, o mecanicismo em outros pontos é bem o oposto do organicismo, pois via a natureza como um mecanismo cujo funcionamento se regia por leis precisas e rigorosas. Algo bem 'mecânico'. A ideia que vemos até hoje, de comparar o corpo humano com uma máquina com 'diferentes engrenagens' (em metáfora aos sistemas), é ume herança do mecanisismo. Para os mecanisistas, "A tarefa do cientista era a de estudar as relações de reciprocidade que existem entre as distintas partes do universo, sob a suspeita de que essas partes deveriam estar ajustadas umas às outras de modo parecido às peças de uma máquina". (Coutinho, 2005, p. 58).
"Devo inferir por analogia que, provavelmente, todos os seres orgânicos que já viveram nesta Terra descenderam de uma única forma primordial, na qual a vida foi soprada pela primeira vez", escreveu Darwin (foto), no capítulo final de A Origem das Espécies.
"Na década de 1850 os pesquisadores franceses acreditavam que a origem da vida e das espécies animais e vegetais não era um assunto a ser discutido pela ciência, já que a explicação seria teológica: Deus criou a vida, os animais, as plantas e os seres humanos. No entanto, havia pensadores alemães que defendiam a ideia de que a vida era um fenômeno totalmente natural; e o surgimento da teoria evolucionista de Charles Darwin trouxe de novo uma forte discussão sobre o assunto, a partir de 1859"
No seu mais célebre livro, Darwin não escreve grandes cosias sobre a origem da vida na Terra, ele apenas sugere a ideia de que todos os seres vivos devem ter tido um ancestral em comum. Se ocupou prioritariamente em falar sobre a transformação das espécies, mas isso não impediu que os leitores pensassem que a teoria darwiniana incluía também a ideia de que a vida se originou sem nenhuma intervenção divina – como nas teorias anteriores de Lamarck e de Robert Chambers.
Muita gente acredita que um dos principais responsáveis pela superação da abiogênese tenha sido Louis Pasteur (foto), com seus experimentos. Entretanto, a Lilian Martins desconstrói esse equívoco histórico nesse artigo de 2009 que também utilizei como base para esse quadro.
Os heterogenistas, como eram conhecidos aqueles que acreditavam na geração espontânea de vida, pensavam que sempre surgiriam microorganismos em recipientes nos quais houvesse água, ar e material orgânico. Esses seriam os ingredientes básicos para a vida simples, bacteriana. A oposição à essa ideia era muito forte também. A questão é que estava em jogo muito mais do que uma crença científica: havia muitos fatores extra-científicos crenças políticas, religiosas e filosóficas das pessoas envolvidas.
Desde toda essa questão narrada no fim do século 19 até hoje, e lá se vão mais de 120 anos, tivemos acesso a outras técnicas e ideias que nos permitiram uma compreensão mais precisa do que compõe os seres vivos e a matéria não-viva.
Somos compostos basicamente da mesma receita. Não há nenhum átomo que só seja encontrado em organismos vivos, muito menos dotados de qualquer princípio ativo que nos dê vida 'magicamente'. Isso ficou muito claro em meados do século 20: não existe nenhum elemento que seja particular dos seres vivos. Ou seja, hoje sabemos com muita segurança que uma matéria não-viva não se torna uma matéria viva de forma espontânea e rápida como pregava a teoria da abiogênese. A vida é uma mera questão de organização da matéria.
A concepção mecanicista da natureza se espalhou rapidamente pela Europa dos séculos XVII e XVIII, porém não sem oposição. Uma parte da rejeição vinha da química, que estava nascendo. Um dos precursores dessa nova ciência, Georg Ernst Stahl (1659-1731), lançou um aberto desafio ao mecanicismo. Segundo ele, organismos não podem ser máquinas porque eles possuem uma vis vitalis, uma força vital, que não existe no mundo mineral.
Stahl foi o primeiro a fazer uma distinção clara entre química inorgânica e química orgânica. Segundo ele, as substâncias orgânicas não podiam ser produzidas de qualquer material oriundo da matéria não-viva. Um exemplo clássico era a uréia. Dessa forma, havia uma nítida separação entre os seres vivos e os seres inanimados.
Stahl lançou, então, o seguinte desafio ao mecanicismo:
(1) nunca será possível obter a síntese de compostos orgânicos em laboratório, porque o material inorgânico é desprovido de vis vitalis;
(2) o que ocorre dentro do organismo vivo são transformações reais de substâncias, não movimentos de roldanas, correias e polias; e,
(3) Seres vivos não podem ser máquinas porque máquinas não sofrem.
A primeira objeção encorajou uma longa série de experimentos buscando a síntese in vitro de compostos orgânicos e foi falseada quando, em 1828, um químico alemão chamado Friedrich Wöhler (1800-1882) sintetizou em laboratório uma substância “viva”, a uréia.
O químico Friedrich Wöhler, ainda em 1828, demonstrou que compostos orgânicos podem formar-se a partir de substâncias inorgânicas em laboratório. Mais tarde, os químicos descobriram que os principais "tijolos" da vida, aminoácidos, nucleotídeos e lipídios, podem todos se formar, bastando existirem fontes de carbono, nitrogênio, e energia. Ou seja, o que compõe os seres vivos, na sua forma mais básica, existe fora deles também. Entretanto, formar um organismo vivo demanda que esses compostos se organizem de forma específica de modo a gerar processos autônomos e homeostáticos para continuarem vivos.
"Até hoje não temos uma resposta definitiva para a questão da origem da vida na Terra. Por um lado, não temos a possibilidade de viajar no tempo e ver como surgiram os primeiros seres vivos existentes no nosso planeta; nem temos esperanças de que tenham restado vestígios fósseis deles, pois deveriam ser muito pequenos e frágeis. Assim, não podemos confirmar diretamente (por observações) como se deu o surgimento dos primeiros animais e plantas. No entanto, se fosse possível produzir alguns seres vivos em laboratório, de forma artificial (sem partir de outros seres vivos já existentes), seria estabelecida a possibilidade de que a vida pudesse ter se originado espontaneamente na Terra, no passado." (Martins, 2009)
Algo que diferencia bastante o conhecimento científico de outras formas de entender o mundo é a maneira metódica que buscamos as informações que embasam as nossa ideias. Um conjunto de evidências, obtidas de forma cuidadosa e metodológica, tendem a induzir conclusões mais ou menos corretas sobre o mundo e como ele funciona. Claro, a ciência está sempre andando nessa corda bamba que é tentar equilibrar os fatos naturais por si sós e a nossa interpretação deles.
Quando estudamos o passado, não é diferente. A paleontologia e suas sub áreas, como a paleoclimatologia e paleobiologia foram desenvolvendo técnicas cada vez mais sofisticadas para obter, com exatidão, dados sobre a idade de rochas e fósseis, processos químicos e físicos que ocorreram com o planeta, entre outras informações relevantes para compreender o passado. Uma das formas de saber a idade relativa de uma rocha é ver o quão profunda ela está: quando mais 'rasa', mais nova. Outras técnicas, como datar a partir de fósseis que estejam incrustados na rocha, são interessantes também, mas têm muitas limitações.
Marrie e Pierre Curie
De uns 100 anos para cá, um casal de cientistas muito famosos, Pierre e Marie Curie, conduziram estudos pioneiros sobre Radioatividade. Esses estudos tiveram muitos desdobramentos positivos, como o desenvolvimento de tratamentos contra o câncer e neoplasias e exames de imagem (o famoso Raio-X). A radioatividade passava a ser também alvo de novas técnicas científicas, dentre elas, a de datação de rochas.
Se você não lembra, toda matéria é formada por átomos, que por sua vez são compostos por um núcleo, com prótons e neutrons, e de uma eletrofera, onde orbitam os elétrons. A radiação nada mais é do que uma desintegração espontânea de átomos de alguns elementos químicos específicos, como Polônio, Urânio e o Rádio. Você já ouviu falar em radiação alfa, beta e gama? O que acontece com a radiação é a tendência que alguns átomos com núcleos instáveis têm de emitir partículas eletromagnéticas afim de se tornarem mais estáveis.
Então, se são emitidos dois prótons e dois nêutrons (também conhecido como partícula alfa), estamos falando de radiação alfa; se são emitidos elétrons, se trata de radiação beta. Nesses dois casos, a emissão da radiação transformam o átomo original em outro elemento, estável, não-radioativo. A grande questão é que a gente sabe a velocidade que esses eventos ocorrem e, com isso, sabemos quanto deve ter de isótopos não-radioativos de acordo com determinado tempo. Assim, conseguimos saber há quanto tempo o processo de decaimento está ocorrendo e, portanto, a idade que aquela rocha foi formada. Esse processo que chamamos de datação radiométrica. Vamos pensar no Carbono. Ele tem número atômico 6 (isso nunca muda, tá? É, inclusive o que determina a posição dele na tabela periódica). A massa que tá lá escrita na tabela é 12, mas ele nem sempre é 12. Ela pode ser 12, 13 ou 14. O chamado Carbono 14 (14C), por exemplo, têm um núcleo altamente instável, logo, radioativo. Quando o 14C emite radiação, se transforma em 14N (Nitrogênio).
Esse processo chama-se decaimento radioativo. Sabendo a velocidade na qual esse fenômeno ocorre, conseguimos calcular o tempo necessário para que metade dos isótopos instáveis se transformem nos correspondentes isótopos estáveis. A título de exemplo: em uma rocha são necessários, por exemplo, 106 bilhões de anos para que metade do samário original (147Sm) se transforme em neodímio. Portanto, a meia-vida do samário é de 106 bilhões de anos (106 Ga ou 106.000 milhões de anos). A meia-vida do 14C é tão curta (5.730 anos) que não pode ser usado para determinar a idade de rochas. Mas é útil na arqueologia, por exemplo, para calcular a idade de materiais com até 70.000 anos, como madeira, carvão, cerâmica, ossos, roupas etc. Um equipamento chamado espectrômetro de massa é fundamental para isso tudo, porque mede as razões isotópicas, isso é, a quantidade relativa dos diferentes isótopos existente na rocha.
Todos trazemos um conceito intuitivo do que é vivo ou não-vivo. Quando pensamos em um ser vivo, pensamos no seres humanos, cães, bactérias, plantas; seres não-vivos, pensamos em pedras, porta, celular, etc. Então, apesar da definição de vida não ser um consenso para os especialistas, podemos ter uma ideia bem direcionada se pensarmos no que todos os seres vivos que conhecemos têm em comum. Por isso, não podemos pensar em características como "possuir coração", já que conhecemos seres vivos que não tem coração nem órgãos semelhantes, como plantas, bactérias e protozoários.
Temos formas de vida muito diferentes no nosso planeta, mas todos possuem alguns fatores em comum em alguma fase de sua vida ou em algum nível organizacional. São eles:
i) Desenvolvimento, isto é, passar por momentos sequenciais, desde o nascimento até a morte;
ii) Crescimento: todos os indivíduos vivos acumulam matéria orgânica proveniente do meio, excretando substâncias excedentes, tóxicas e/ou indesejáveis. Perceba que dentro da definição colocada, não necessariamente um indivíduo cresce indefinidamente e/ou durante toda a vida, mas sempre possui algum grau de crescimento em algum momento de sua vida.
iii) Movimento: todos os seres vivos se movimentam. Você poderia discordar com o argumento de que a planta não se movimenta, mas calma, não estamos falando só sobre ter pernas, patas ou asas. Uma planta, assim como os microrganismos, se movimentam de diversas formas (o que muitas vezes está relacionado com a resposta à estímulos do ambiente). Mas a questão é que para além da movimentação do organismo, todos os seres vivos, invariavelmente, possuem movimentos intracelulares, isto é, transporte de partículas, movimentos do citoesqueleto, etc).
iv) Reprodução: seja de forma sexuada ou assexuada, todos os seres vivos se reproduzem. Isto quer dizer que todos tem capacidade ou são potencialmente capazes de gerar indivíduos semelhantes a si próprios. Aqui entra a importante participação do DNA (ou RNA, em alguns indivíduos), moléculas responsáveis pela herdabilidade de características às gerações futuras.
v) Respostas à estímulos: todos os seres vivos tem a capacidade de perceber aspectos ambientais e reagir a eles em algum nível. Isto tem como consequência a afirmação de que todos os seres vivos evoluem, isto é, sofrem modificações através do tempo e são selecionados pelo meio depois de sucessivas gerações, predominando aqueles indivíduos mais adaptados as condições e ambientes.
A Terra é um planeta rochoso do Sistema Solar, que se localiza na Via Lactea, Laniakea. Anotou o endereço? Assim como outros planetas rochosos, teve seu início a partir de um disco protoplanetário, isto é, nuvens de gás e poeira cósmica que orbitavam no sol. A Terra, em si, tem aproximadamente 4,6 bilhões de anos e através da fusão de diversas rochas menores, formou este que é o 3º planeta mais próximo do sol.
Até o resfriamento, nosso planeta era predominantemente uma imensa rocha cuja superfície beirava os 12 mil ºC de temperatura. A imagem mitológica de "inferno" que construímos cabe perfeitamente nessa Terra Primitiva, não é? Por isso, o primeiro éon geológico chama-se Hadeano, nome que vem do grego "Hades", que significa inferno.
Depois da formação da Lua a partir de um possível choque com um outro corpo celeste chamado Theia, a Terra passa por um período de bombardeamento tardio por meteoros. Poxa, parece que nada está dando certo para nossa Terrinha, né? Pelo contrário. As evidências mais atuais sugerem que esses meteoros provavelmente trouxeram, pelo menos, a maior parte da água que temos na Terra atualmente, conforme vamos ver mais a frente. Além disso, possivelmente também trouxeram moléculas orgânicas, como aminoácidos, os 'blocos de construção' das proteínas. Ou seja, já parou pra pensar que a água é extraterrestre? (Eu falo da "panspermia" em uma postagem lá do blog!). Essa chegada de água foi o fator preponderante para processos cruciais na formação do planeta como conhecemos hoje: o resfriamento e a formação dos primeiros oceanos.
A terra tinha um cenário bem diferente do atual, com alguns oceanos tóxicos, gêiseres, chuvas de meteoros constantes, alguns desertos, lagos, altas radiações e uma intensa atividade vulcânica. E esse lugar pareceu o berço perfeito para a vida surgir.
Na década de 1920, a Rússia ainda fazia parte de um território conhecido como União Soviética. Com uma ciência de ponta e uma forte influência política do comunismo, muitos tratados foram publicados para fortalecer os ideais marxistas. O Darwinismo, por exemplo, era muito difundido, e a teoria da geração espontânea estava em derrocada (isto é, xoxando). Assim, parecia não existir uma maneira filosoficamente aceitável de explicar como a vida foi originada e como se desenvolveu. Nesse contexto, o químico russo Aleksandr Oparin aproveita o intenso debate político e científico e publica seu livro Vozniknovenie zhizhni na zemle, ou "A origem da vida na Terra";
Segundo Gizele Gasparri (2015), a teoria proposta por Oparin foi influenciada por outros filósofos marxistas, como Engels, que recusava a ideia de uma origem da vida independente das condições de desenvolvimento da natureza. Além disso, Ernest Haeckel (1834 - 1919) apresentou a ideia de que a vida teria se originado devido a uma auto-organização da matéria bruta motivada por ciclos bioquímicos, gerando substâncias orgânicas presentes no lodo do oceano primitivo. Segundo Haeckel, o oceano primitivo teria servido como um ambiente favorável à evolução química da matéria não-viva e essa primeira forma de vida teria sido autotrófica, detalhe este que Oparin não concordava.
Um cientista britânico chamado J. B. S. Haldane levantou, ao mesmo tempo que Oparin, a hipótese de que a atmosfera primitiva da Terra era um ambiente redutor (doador de elétrons), em que os compostos orgânicos poderiam ter se formado a partir de moléculas simples. A energia para essa síntese orgânica poderia ter vindo de raios e da intensa radiação ultravioleta (UV). Haldane sugeriu que os oceanos primitivos eram uma solução de moléculas orgânicas, uma “sopa primitiva” da qual a vida surgiu. Esta hipótese ficou conhecida como conhecida como a Hipótese Oparin-Haldane.
Entretanto, um dos fatores que dão mais força a uma hipótese é a experimentação. Embora não exista uma máquina do tempo para nos fazer voltar a 3,5 bilhões de anos atrás e muito menos evidencias fossilizadas de tal evento, Stanley Miller e seu professor Harold Urey tentaram reproduzir as condições da Terra primitiva em laboratório! O experimento consistiu em tentar adicionar elementos conhecidos da Terra primitiva em um único sistema afim de gerar a condição necessária para a primeira etapa colocada por Oparin.
Pense na matéria que compõem os seres vivos. Do que ela é feita? Suas proteínas, carboidratos, lipídios, água, vitaminas, sais minerais e tudo mais que constrói seu corpo é feito por átomos, que estão combinados de maneiras específicas para formar essas moléculas. Átomos, por exemplo, como o carbono, hidrogênio, nitrogênio, enxofre, oxigênio, fósforo, e daí por diante.
A Terra não reuniu ou reúne condições para forjar átomos. Isso é feito em estrelas, que são corpos celestes que produzem energia por fusão nuclear, que basicamente consiste na união de dois elementos simples para produzir um elemento mais pesado. Esse processo de fusão libera muita energia, que normalmente vemos através de seu brilho e/ou de seu calor (ô, sol, vê se não me esquece, e me ilumina!). Isso só é possível de acontecer em ambientes com uma energia altíssima, coisa que a gente não tem por aqui. Essa energia te que ser alta suficiente para ultrapassar a barreira de Coulomb, aquela que usualmente impede que dois núcleos se fundam, e se baseia na interação eletrostática que os afasta.
Aqui estaremos pensando em átomos que já estão formados, universo afora. Estamos um passo na frente, na verdade: estamos pensando na agregação desses átomos em moléculas. Mais especificamente em moléculas orgânicas. Basicamente, para entender que lugares da Terra poderiam ser propícios para essa combinação e recombinação de átomos, afim de gerar moléculas diferentes e diferentes, temos que pensar um pouco na constituição dessa Terra primitiva já resfriada, nosso cenário.
A foto ao lado mostra uma fonte hidrotermal, que são basicamente gêiseres subaquáticos, que expelem água rica em minerais oriundos do manto e das camadas mais profundas da crosta terrestre e muito quente (em algumas, como as fumarolas negras, essa temperatura pode ser entre 300 e 400ºC). Outras fendas oceânicas, denominadas fendas alcalinas, liberam água com alto pH (9-11, isto é, bem básica) e morna (40-90°C) ambiente bem mais adequado para a essa síntese abiótica de moléculas.
Quando pensamos em tecnologias genéticas atuais, como o PCR, estamos falando de um processo replicativo que usa de variações de temperatura para multiplicar moléculas sem intermédio de nenhum ser vivo. Se pensarmos que essas fendas de fato produzem um gradiente de pH e temperatura no fundo dos oceanos, entendemos como, de fato, esses ambientes já forneciam condições químicas que incentivaram essas moléculas a se recombinar em moléculas geralmente associadas a organismos vivos. Como um 'balão de ensaio'. Em relação ao pH, a mesma lógica se aplica. Os oceanos primitivos eram acídicos e, assim, um gradiente de pH pode ter se formado entre o interior das fendas e as águas oceânicas circundantes. A energia para a síntese de compostos orgânicos pode ter sido aproveitada desse gradiente de pH. Devemos pensar que nessas águas havia muito CO2 dissolvido na água, o que provavelmente forneceu o carbono em que a química dos organismos vivos se baseia. O que estou dizendo aqui, basicamente, é que com determinadas condições químicas e possuindo os ingredientes corretos, é possível que átomos se combinem, descombinem e recombinem de formas variadas, formando moléculas presentes em seres vivos, mesmo que eles não existam ainda nesse ponto da história. Sim, moléculas que formam seres vivos existiram antes dos seres vivos, em si.
Além desse processo de síntese abiótica de moléculas (ou seja, criação de moléculas usadas em seres vivo, mas sem a participação dos seres vivos nessa criação), como os aminoácidos, que já foi simulada em diversos experimentos nos últimos 20 anos, temos também relatos de moléculas orgânicas extraterrestres, como nos mostraram fragmentos do meteorito Murchison. Do alto dos seus 4,5 bilhões de anos, tendo caído na Austrália em 1969, Murchison contém mais de 80 aminoácidos, alguns em grandes quantidades. Esses aminoácidos não poderiam ser contaminantes da Terra, porque são formados por quantidades iguais de isômeros D e L e os organismos produzem e usam apenas os isômeros L, com raras exceções. Estudos recentes mostraram que o meteorito Murchison também continha outras moléculas orgânicas fundamentais, incluindo lipídeos, açúcares simples e bases nitrogenadas como a uracila.
Um outro fator super interessante é em pensarmos que algumas dessas moléculas novas que surgiam dado todo este cenário, tinham características particulares e agregavam novas funções também. Por exemplo, o cianeto de hidrogênio (HCN) é abundante em alguns tipos de meteoritos; o Sulfeto de hidrogênio (H2S) também era abundante na atmosfera primitiva. Pois então, em 2015, uma equipe de cientistas da Universidade de Cambridge relatou que criou precursores de ácidos nucleicos começando apenas com esses 'ingredientes', adicionados de energia ultravioleta. Se quiser acessar o artigo na íntegra, só clicar aqui. Ou seja, os caras conseguiram recombinar essas moléculas para formar nucleotídeos tendo como fonte de energia para isso, apenas ultravioleta, que é uma fonte de energia abundante em nosso planeta desde os tempos mais primórdios.
Fonte Hidrotermal
O meteorito Murchison recebe o seu nome pela localidade onde aterrisou na Terra, que foi em Murchison, Victoria, na Austrália. Pesava aproximadamente 100kg.
O fato de ser uma fita simples de nucleotídeos torna o RNA mais instável, mas também mais maleável, capaz, por exemplo, de formar estruturas como o RNA Transportador (tRNA) ou as Ribozimas.
tRNA
Aqui, começa tudo a ficar mais interessante ainda. Isso pois eu já comecei a falar ali em cima da origem de ácidos nucleicos a partir de cianeto de hidrogênio e sulfeto de hidrogênio, né? Pois bem, pensar que moléculas de RNA surgiram antes das de DNA é algo relativamente fácil e é, ainda, uma conclusão bem coerente, uma vez que o RNA tem estrutura bem mais simples que o DNA.
Essa ideia, sobretudo, trás algumas implicações interessantes. Como você provavelmente sabe, os RNA são ácidos nucleicos de cadeia simples. Se não sabe, tem um conteúdo de genética maravilhoso nesse belo site, só ir lá. Voltando: isso faz com que eles sejam mais instáveis, mas também faz com que tenham mais possibilidades funcionais. Além de armazenar informação (coisa que o DNA faz melhor que ele), também é capaz de catalisar reações (coisa que enzimas fazem melhor que ele). Ele não é a melhor molécula para nenhuma das duas atividades, mas ele é o único tipo de molécula capaz de fazer as duas coisas: armazenas informações e catalisar reações. Na verdade, ele é capaz de fazer mais que essas duas coisas: pode atuar como RNA mensageiro, RNA transportador, RNA ribossomal e uma série de outras funções. Ou seja, os biólogos têm motivos para crer que um sistema biológico consiga se autossustentar somente com moléculas de RNA. É o que chamamos da Teoria do Mundo do RNA.
Entretanto, essas não são as únicas evidências que embasam essa teoria. Além do que eu já citei, vemos o RNA envolvido nos processos celulares mais básicos e antigos, o que indica uma antiga relação com o metabolismo vivo. Também vemos o RNA possuir um tipo de açúcar (ribose) que pode ser formado espontaneamente pela polimerização de formaldeído. O açúcar presente no DNA não tem a mesma capacidade, dependendo de processos mediados por outras moléculas. Alguns modelos experimentais deram conta de demonstrar que essas moléculas de RNA primitivas, quando no mesmo ambiente que nucleotídeos livres, provavelmente eram capazes de gerar cópias de si mesmo, através de um pareamento de nucleotídeos, formação de uma dupla-fita temporária que depois se separava em fitas simples novamente, como o RNA é, em sua natureza. Pensar em um processo como esse é super interessante e é um dos grandes passos em direção ao início da vida, uma vez que uma das características fundamentais da vida é a capacidade de se reproduzir. E, se pensarmos bem, a reprodução é, em última instância, uma replicação do nosso conteúdo genético.
Detalhe importante é que, até agora, na nossa narrativa, seres vivos não existem. Portanto, podemos perceber que processos abióticos (ou seja, que ocorrem sem intermédio de seres vivos) funcionam na mesma lógica dos processos bióticos que iriam surgir posteriormente, mudando apenas o agente que executa esses processos. Ou seja, as reações químicas hoje mediadas por biomoléculas como enzimas, por exemplo, provavelmente encontravam em condições ambientais específicas, como as altas temperaturas, os substitutos ideais, antes da vida sonhar em existir na Terra. Interessante também perceber que os ácidos nucleicos, entendidos como as moléculas mais básicas de qualquer organismo vivo, já existiam muito antes da vida, em si, surgir no planeta.
A ideia central que estou empreendendo aqui é a de que, na disputa por 'quem surgiu primeiro: proteínas ou DNA?' a resposta provavelmente é nenhum dos dois. Na verdade, é mais provável que o RNA tenha surgido primeiro e sido a molécula central no metabolismo dos primeiros sistemas vivos.
Ribozima
No mundo do RNA apenas o RNA é necessário, ele era o material hereditário, auto replicante e suscetível às mutações que estávamos procurando. O RNA têm, sozinho, três características cruciais para a vida: reprodutibilidade, herdabilidade e mutabilidade.
A introdução das proteínas vai gerar uma nova e importante propriedade do nosso sistema, que é a cooperação entre moléculas. Ou seja, mais de uma molécula trabalhando em conjunto para garantir a sobrevivência das duas, no caso os ácidos nucléicos e as proteínas. Esse tipo de cooperação só funciona se o sistema assegurar a perpetuação dos dois tipos de moléculas, e não apenas daquela que carrega o material genético. Nesse sentido, a síntese de proteínas provê a “cola” necessária para juntar ácidos nucléicos e proteínas num sistema que garante a replicação das duas moléculas.
Duas controvérsias se destacam na atual discussão sobre a origem da vida:
O primeiro organismo foi autotrófico ou heterotrófico?
Você lembra o que são esses termos, né? Autotrófico é aquele que tem meios próprios de produzir moléculas usadas para produzir energia para si mesmo; o heterotrófico tem de obtê-las do ambiente. No caso da origem heterotrófica estamos supondo um acúmulo de moléculas e polímeros complexos que possibilitaram a formação de estruturas complexas dentro de um esquema semelhante ao proposto por Oparin (1924) e Haldane (1929). Isso é necessário por que o organismo heterotrófico tem que dispor de moléculas complexas e com alta entalpia (energia nas ligações), para que possa oxidar e gerar energia para si. Quanto à origem autotrófica, como proposto por Günter Wächtershäuser (1985), estamos supondo um ambiente pobre em biomoléculas, mas com um metabolismo complexo que possibilita compensar a falta de moléculas complexas, de modo a construir essas moléculas por si só.
O que surge primeiro: o metabolismo ou o RNA?
É claro que todo ser vivo tem as duas coisas, mas saber o que surgiu primeiro define uma pá de coisas sobre o que aconteceu depois e, por isso, a disputa é bem intensa. A ideia de que o RNA antes ganha forma em na década de 1980, quando o químico Leslie Orgel sugere que a primeira forma de vida era composta praticamente só de RNA, que era capaz de se autorreplicar através de ribozimas (RNA com atividade catalítica). Assim, a habilidade de se reproduzir surge antes que qualquer outro aspecto da vida, até mesmo das células, que seriam apenas compartimentos que permitiriam aprimorar quimicamente esses sistemas autorreplicantes. Entretanto, temos que fazer sempre um exercício de viagem no tempo e pensar como a Terra era para pensar o que pode ter acontecido. O fosfato tem uma baixa acessibilidade geoquímica. Em outras palavras, não é um componente tão fácil de achar disponível na natureza.
Recentemente, os pesquisadores do MIT encontraram evidências de reações bioquímicas (ou seja, metabolismo) ocorrendo na ausência de fosfato – que é uma das peças essenciais da construção do RNA. Ou seja, se reações metabólicas podem acontecer independente da existência de fosfato, não era necessário existir RNA para o metabolismo existir. Pode ter existido um conjunto grande de reações metabólicas independentes de fosfato, antes do RNA surgir. No lugar desse composto, as reações da época poderiam usar enxofre ou pirita, muito comum nos oceanos da Terra primitiva.
Já entendemos, acima, um pouco da dinâmica de formação dessas moléculas de ácidos nucleicos, que depois viriam a sustentar uma herdabilidade dos seres vivos, pela sua capacidade de armazenar informações nas suas sequências de nucleotídeos. Entretanto, um passo importantíssimo para a vida começar é a necessidade de gerar uma unidade celular. Isso é, principalmente, gerado pela existência de uma membrana. Pier Luigi Luisi, da Universidade Roma Tre, em Roma, pensou: como você poderia criar um metabolismo que funciona ou um RNA auto-replicante sem ter um recipiente para manter todas as moléculas juntas? O professor sugeriu, em 1994 que as primeiras células teriam a capacidade de replicar o RNA dentro de um ambiente protegido e em 2001, com o apoio de Jack Szostak, da Universidade de Harvard, publicou um artigo na Revista Nature argumentando que é possível fazer células vivas do zero se a gente colocar RNA dentro de uma bolha oleosa.
A dúvida era se essas protocélulas também poderiam se reproduzir e, em 2009, Szostak e um aluno conseguiram criar uma protocélula longa o bastante que, sob pressão, se despedaçava em dezenas de pequenas protocélulas descendentes. Em 2013, Szostak e uma aluna conseguiram realizar o que Luisi propôs em 1994: fazer com que a replicação e a compartimentalização acontecessem quase que simultaneamente. Esse feito inspiraria uma nova abordagem unificada para encontrar a origem da vida, que tenta provar que todas as funções da vida foram criadas ao mesmo tempo.
As membranas são estruturas necessárias, nesse contexto, para começar a diferenciar o que é um ambiente interno de um ambiente externo. Para compreender a origem dessas estruturas, precisamos pensar em como foram gerados (de forma abiótica, obviamente) o seu componente mais básico: os lipídios. Basicamente, as teorias mais modernas acerca da formação de lipídios nos colocam em cenários oceânicos onde o terreno do assoalho é nada mais nada menos que argila. Muito comum na Terra primitiva, essa argila aumenta a probabilidade de que átomos de carbono se combinem e formem lipídios, visto que a composição desse solo promove uma alta concentração desses compostos. Pela sua característica apolar, os lipídios, uma vez formados, tendem a se agrupar e formar micelas de modo a afastar a sua porção apolar da água, que é polar. Quando isso acontece, as moléculas hidrofóbicas na mistura se organizam em uma parede dupla na superfície da gota, muito parecida com a camada dupla de lipídeos da membrana plasmática. As vesículas abioticamente produzidas podem se reproduzir por si só e aumentar de tamanho (“crescer”) sem diluir de seu conteúdo. As vesículas também podem absorver moléculas de RNA, já que ambientes quentes deixam membranas lipídicas mais permeáveis, permitindo que nucleotídeos e moléculas de RNA passem por ela.
Experimentos mostraram que algumas vesículas até formam uma bicamada com permeabilidade seletiva e podem realizar reações metabólicas usando uma fonte externa de reagentes, outro importante pré-requisito para a vida.
Bonito isso, né? O termo conatus vem do latim, que significa uma intenção inexorável por continuar a existir e se aprimorar. E, claro, aqui, não tenho o objetivo de usar a palavra intenção para denotar que moléculas ou células tem consciência e intencionalidade na suas ações que garantem sua sustentabilidade, mas de entender essa 'intenção' sob um ponto de vista natural, intrínseco à sua própria existência, mais no estilo 'só existe por que têm habilidade de existir'. O filósofo Espinosa, holandês vivido no século 17, usa esse termo para construir suas noções de ética, dizendo que: cada coisa, na medida do seu poder, esforça-se por perseverar no seu ser" e "o esforço através do qual cada coisa tende a perseverar no seu ser nada mais é do que a essência dessa coisa". No ponto de vista dos sistemas vivos, conatus pode se traduzir a partir de uma visão homeostática desses processos. Pra entender esse processo melhor, não vou me alongar nesse momento, mas deixar um post no Blog onde me dediquei a refletir esse ponto!
As primeiras evidências da vida na Terra vinham de fósseis descobertos na Austrália Ocidental, que datam de aproximadamente 3,5 bilhões de anos. Entretanto, em 2016, foram encontrados fósseis de 3,7 bilhões de anos em Isua, Groenlândia.
Esses fósseis são estruturas conhecidas como estromatólitos, que são, em muitos casos, formados pelo crescimento de camadas sobre camadas de micróbios unicelulares, como as cianobactérias (Estromatólitos são também feitos por micróbios atuais, não apenas pelos pré-históricos). Essa pequena rocha na mão do Allen Nutman e Vickie Bennett podem revelar uma das maiores perguntas sobre a Origem da Vida: qual a sua idade? Para ler o artigo completo publicado na Nature, clique aqui!
Já temos os ingredientes para o início da vida: membrana separando o ambiente externo do ambiente interno, uma molécula capaz de guardar e transmitir informações genéticas e já tem um metabolismo, regulado por ribozimas e enzimas, que ajudam as reações a acontecerem. Entretanto, ainda falta um detalhe: faltam os açúcares, né?
Em um organismo vivo, os açúcares são normalmente usados como fontes de energia. A energia é um fator muito importante para fazer com que moléculas simples e desorganizadas no meio possam se organizar e formar aquelas que vemos nos seres vivos. Se você leu o post Vida, morte e Termodinâmica, viu que a vida nada mais é do que a organização da desordem. Ela vai no sentido oposto da entropia. Pra organizar moléculas simples em outras mais complexas, é necessário energia.
Então, de tudo que a gente já falou, só faltou entender as diferentes formas que foram surgindo de obter energia. Nós tiramos energia, desde o início, das ligações químicas entre carbono e hidrogênio. Quando a gente quebra elas, liberamos energia. Sabe quem tem muitos carbonos e hidrogênios? Eles mesmos: os CARBO + HIDRATOS. Carboidratos, também conhecidos como açúcares. Entendeu?
Existem carboidratos super complexos, como o amido e celulose. Esses provavelmente não existiam, a essa altura do campeonato. Estamos falando de monossacarídeos, açúcares simples, com três carbonos. Esses, chamamos de trioses. Pensamos que as primeiras formas de vida começaram a utilizar esses açúcares simples como fonte de energia. As enzimas primitivas, é claro, eram as estrelas do processo, responsáveis pelas reações de quebra (oxidação) desses carboidratos para liberar essa energia.
Mas, espera: eu não expliquei como que a célula vai obter esses carboidratos, né? É difícil precisar exatamente qual metabolismo surgiu primeiro. Seriam heterotróficos como a maioria das bactérias? Seriam autotróficos como as algas e plantas? Isso define se eles são capazes de gerar aqueles açúcares que eu mencionei sozinhos ou se eles captam isso do ambiente.
Vamos dar nome a esse primeiro organismo que perseverou? Pelos cientistas, ele é chamado de Luca, que nada mais é que uma 'sigla' de last universal common ancestor (que pode ser traduzido como primeiro ancestral comum). Luca não tinha compartimentos celulares, óbvio. Era uma célula primitiva. Pra definir qual o metabolismo de Luca, teríamos que nos aliar a alguma corrente: origem heterotrófica ou origem autotrófica. Caso Luca tenha sido autotrófico, ele construía carboidratos usando o gás carbônico, como vemos na fotossíntese hoje em dia. Caso Luca tenha sido heterotrófico, ele pega carboidratos do meio ambiente e quebra para obter energia. Mas gente, pensa bem, independente se um organismo é autotrófico ou heterotrófico ele precisa sempre aliar um processo de construção (anabolismo) a um processo de destruição (catabolismo). Veja bem: um heterotrófico destrói moléculas do ambiente para obter energia (catabolismo) e a utiliza para construir moléculas próprias (anabolismo). Um autotrófico constrói os as moléculas energéticas sozinho (anabolismo), usando energia do ambiente, para depois destruí-las e liberar a energia para si próprio (catabolismo), para finalmente usar essa energia para construir moléculas próprias (anabolismo).
Então, pessoal, o Metabolismo nada mais é do que construção e destruição, independente do processo. Logo, independente do metabolismo de Luca, sabemos que ele já era capaz de fazer processos de destruição e construção de moléculas.
Olhe bem o gráfico ao lado. Ele é uma aproximação de algo que é um fato. Nós conseguimos saber a concentração de oxigênio na atmosfera analisando rochas primitivas. Algo que chama muita atenção foi uma subida repentina das concentrações desse gás há mais ou menos 2,5 bilhões de anos atrás. Por esse motivo, esse evento ficou batizado de revolução do oxigênio.
As principais candidatas a 'culpadas' por esse evento são as cianobactérias, que existem até hoje. Ela é a espécie mais antiga que existe no planeta e que ainda está viva.Esse acontecimento tem muitas implicações. Primeiro, vamos entender a importância do que está acontecendo: surge a fotossíntese e a atmosfera da Terra começa a mudar por ação de um ser vivo. Com o aumento da quantidade de oxigênio na água, onde estas bactérias viviam, os primeiros depósitos de Ferro começaram a se formar através da reação do Fe com o O2. Além disso, houve a volatilização do gás para a atmosfera, preenchendo-a com Oxigênio. Isso foi o fator que originou a camada de ozônio, na estratosfera da Terra, capaz de 'filtrar' radiação UV-A e UV-B.
Além disso, a maior parte dos organismos que existia na Terra nesse momento, provavelmente não utilizavam oxigênio no seu metabolismo e mais que isso: tinham nesse gás um produto tóxico para si. Então, se a atmosfera se enche de oxigênio repentinamente, temos nada mais nada menos que o primeiro evento de extinção em massa da história da Terra. Depois, vemos evoluir organismos que realizam respiração celular, isto é, que oxidam moléculas orgânicas como meio de geração de energia. Só é possível oxidar com oxigênio, né? Portanto, neste contexto surgem procariotos capazes de realizar respiração celular, o que foi determinante para o próximo grande salto na História Natural da Terra: o surgimento dos eucariotos.
Olha quanta coisa aconteceu simplesmente pela presença de determinado gás na atmosfera. Hoje temos 21% do volume gasoso da atmosfera ocupado por oxigênio. Temos uma robusta camada de ozônio protegendo os materiais genéticos dos organismos que aqui vivem, da feroz influência da radiação ultravioleta do sol. E de pensar que quem lotou a atmosfera terrestre desse gás foi um ser vivo. Bacana, não?
O fóssil mais antigo de uma célula eucariota data de 1,8 bilhões de anos. A célula eucariota é caracterizada pela presença de organelas membranosas, como um núcleo, as mitocôndrias e cloroplastos (no caso de células vegetais). A origem destas diferenças é colocada por dois principais eventos: invaginações de membrana e a teoria da Endossimbiose. A primeira é colocada como a responsável pela formação dos retículos endoplasmáticos e núcleo, por exemplo. A segunda explica a existência de organelas como mitocôndrias e cloroplastos. O vídeo ao lado explica a teoria e coloca as três principais evidências que a embasam! É bem interessante pensar em uma relação de parasitismo a nível celular, não é? Hoje, os organismos mais complexos são eucariotos e multicelulares, como alguns fungos, algas e todas as plantas e animais do planeta. A multicelularidade pode ter surgido como uma estratégia adaptativa, visto que "uma orquestra toca mais músicas do que um solista de violino"!
Abaixo consta um resumo bem bacana dos principais eventos da história evolutiva da Terra de acordo com as eras Geológicas. Esta imagem foi retirada do livro "Biologia de Campbell", de 2015.