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Danos ambientais das Guerras. Alguém vê?

Atualizado: 25 de mai. de 2020


A nossa humanidade experimenta disputas e guerras desde os tempos mais antigos até os atuais. Mas é evidente que as motivações e estratégias foram mudando com o decorrer do desenvolvimento tecnológico. Por isso, a natureza experimenta diversas formas de degradação por atividades humanas, mas ao que parece, as guerras se destacam pela sua agressividade plena, auto justificada e indiscriminada que vem tomando proporções cada vez maiores e ambientalmente graves. Nesse texto venho levantar uma discussão não somente sobre dano direto das guerras à natureza, mas também o aproveitamento da natureza como um recurso de guerra.

Pensando em disputas nas sociedades mais antigas, pré-descoberta da pólvora e chegada das armas de fogo no ocidente (Séc. XV), o ferro fundido já abria possibilidade para construção de lanças, flechas, escudos e armaduras. Então, se um dos principais precedentes para o início do extrativismo mineral (principalmente do ferro) foi a elaboração de ferramentas e adereços de guerra, a relação entre o uso predatório da natureza e o conflito humano é muito mais profunda e enraizada que comumente imaginamos.

Não obstante, é comum observar nas obras de arte e registros históricos que retratam conflitos antigos, a larga utilização do fogo. Queimar castelos, vilarejos e tropas inimigas constituía estratégia importante naquele contexto de desenvolvimento. Hoje, depois de densos estudos sobre a ação do fogo sobre o meio ambiente, sabe-se que, dependendo da sua duração e abrangência pode gerar danos como degradação do solo (e banco de sementes), aumento da taxa de mortalidade de espécies vegetais e redução da biomassa vegetal -o que altera fluxo de nutrientes e água- e até extinção local de espécies (1) - o que no caso de uma espécie com distribuição restrita, significaria extinção definitiva. No caso da região do Iraque e Kuwait, alterações no regime hídrico são o fator mais provável que evaram à extinção definitiva uma lontra (Lutra perspeicillata maxwelli), um ratão do banhado (Erthyronesokia bunnii) e um peixe (Barbus sharpeyi). Outras quatro têm distribuição local e a população teria sido extinta no Iraque e Kuwait, sobrevivendo apenas em outros países do Oriente Médio: um tipo de biguatinga (Anhinga rusa chantrel), a ibis sagrada (Threskiornis aethiopicus), o cormorão pigmeu (Phalacrocorax pygmaeus) e a garça golias (Ardea goliath)(7).

Depois do século XV, com as grandes conquistas além-mar, novas formas de fazer guerra foram sendo organizadas (2). Começa uma corrida armamentista que jamais parou, afim de ameaçar e fazer frente à ameaças constantes. Pela profunda relação entre poder econômico, poder científico-tecnológico e poder militar, cria-se uma nova esfera de luta, que faz campo, por exemplo, à guerras biológicas, químicas e nucleares. Quem domina esses poderes tem vantagem e privilégio de deflagrar guerra e proclamar paz, usando as guerras para fins políticos, de conquista e mantimento de hegemonia. Por isso, a necessidade dos Estados de permanecer a frente desta corrida (3). Quem sai perdendo é a natureza.

El triunfo de la Muerte, de Peter Brueghel (1562)

A natureza começa a ser largamente utilizada como instrumento e estratégia de guerra a partir de criações biotecnológicas para suprir demandas militares. Em meados de 1970, quando a Tecnologia do DNA recombinante foi desenvolvida, a Biologia, enquanto campo científico, começou a construir uma relação mais estreita com estratégias de poder através da guerra. Isso demonstra, a princípio, um paradigma profundo em relação à uma ciência que se destina a estudar a vida (3); esta tecnologia é o que nos permite tanto fabricar insulina para tratar pessoas diabéticas quanto fabricar transgênicos, quiméricos e armas biológicas. A Big Science, como é denominada a dimensão político-militar da ciência, já elaborou projetos como o Projeto Manhattan, em 1941 (da construção da bomba atômica) e do Genoma Humano, com início em 1985. Os efeitos, todos conhecem: início da corrida armamentista atômica (que acompanhamos até então) e o início da escavação do código genético humano, que já abre precedentes milagrosos e assustadores para a Biologia no futuro.

É claro, que em relação às armas biológicas, ocorre um medo compreensível: microrganismos patogênicos comumente tem dispersão pelo ar ou sangue, isto é, contágio fácil e impossível de anular em uma situação de guerra. Sua utilização é muito antiga, como Bizerril e Santos (2002) destacam: "No século XVII, durante a guerra franco-indígena (1754-1767), Sir Jeffrey Amherst, comandante das forças britânicas na América do Norte, sugeriu o uso deliberado da varíola para reduzir as tribos americanas hostis aos britânicos. Em 24 de junho de 1763, o capitão Ecuyer, um dos subordinados de Amherst, deu fômites provenientes do hospital de varíola aos nativos americanos". Os impactos à vida foram dilacerantes: "tal ação foi seguida por uma epidemia de varíola entre as tribos indígenas do Vale do rio Ohio (...)" (4).

Outros impactos notáveis de armas biológicas sobre o meio ambiente foram: a poluição de um grande reservatório no nordeste da Boêmia com detritos em maio de 1945 e, ainda entre 1939 e 1945, nas ilhas escocesas de Gruinard, local de teste com bombas de esporos de Carbúnculo, que mantiveram-se inabitáveis até ser totalmente lavada com formaldeído e água do mar em 1986. Os recursos naturais configuram não só como instrumento e estratégia de guerra, mas também como objetivo de conquista de povos que guerreiam. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente(PNUMA), Nos últimos 60 anos, ao menos 40% dos conflitos internos têm ligação direta com a exploração dos recursos naturais. Temos guerras históricas e perenes por petróleo, água e terra, por exemplo.

Em 1915, já na Primeira Guerra Mundial (1ª GM), começaram a ser utilizados gases químicos em combate. Eram os principais: Gás Cloro (Cl2), Gás cianídrico (HCN) e Gás mostarda. Esses e/ou outros gases tóxicos, como o Zyklon B, Cianeto de Hidrogênio e Napalm foram utilizadas em outras guerras e situações, como o Holocausto, Segunda Guerra Mundial e Guerra do Vietnã. Além do dano óbvio à fisiologia do ser humano, que causou cerca de 90 mil mortes por armas químicas só na 1ª GM, os danos à vida dos animais não-humanos e meio ambiente não foram mensurados. Os gases podem causar desde irritações cutâneas até asfixia e danos neurológicos, além de serem mutagênicos se submetidos à exposição constante.

Esforços mundiais como o Protocolo de Genebra, iniciaram o cerco ao uso de armas químicas. A larga utilização e as posteriores proibições ou momentos pós-guerra levaram os países a criarem uma "bomba-relógio" ambiental na tentativa furtiva de dar vazão às quantidades já fabricadas. A Alemanha pós-holocausto, por exemplo, lançou ao mar tonéis carregados com gases e substâncias tóxicas que antes compunham suas armas químicas. Hoje em dia, altíssimas taxas de tumores cancerígenos em peixes do Mar Báltico nos levaram à uma investigação científica que já trás fortes suspeitas que já existem vazamentos dessas substâncias para o mar e ela poderá ser maior se os tonéis metálicos corroerem completamente (5).

Além disso, químicos são utilizados em guerras não só com a intenção de matar os oponentes. No caso da Segunda Gerra Mundial, a marinha alemã utilizou de uma tática para esconder o maior navio de sua fragata, que ficava em uma área rodeada por montanhas: ele ficava "envolto em uma neblina produzida artificialmente com compostos químicos. Essa "fumaça" causou enormes danos ambientais, atingindo as árvores da região - principalmente os anéis de crescimento" das árvores. Uma das plantas ficou nove anos sem crescer depois de 1945, demorando, inclusive, "30 anos para seu crescimento voltar ao normal (6). A poluição do solo e águas por químicos de guerra é um fato, mas os danos ambientais ainda são desconhecidos na sua plenitude.

As bombas, que geram incêndios e destruição de alto impacto, ainda que muito graves, têm companhia de algo pior. No caso das históricas disputas por petróleo, temos no campo de batalha um grande poluidor de águas e ares. Na Guerra do Golfo, onde as tropas Iraquianas atearam fogo em diversos poços de petróleo por divergências político-econômicas, as estimativas totais de emissões de carbono relacionadas a estes incêndios chegaram a meio bilhão de toneladas de carbono, correspondente ao total emitido, em 1991, pelo conjunto de todos os países do mundo, exceto os 8 maiores emissores, de acordo com o World Resources Institute (WRI) (7). Claro que, por ser um conflito recente, as tecnologias de mensuração de impactos nos permitiu conhecer esses dados, mas quantos outros impactos gravíssimos nunca conhecemos?

Os programas de recuperação e sanções ambientais aos países envolvidos nessas questões existem em alguns casos, mas pouca coisa pode ser feita em locais que ainda são terreno de conflitos. A significação da terra simplesmente como um espaço (e muitas vezes um campo de batalha) dificulta que vejamos o que ela realmente é: um pedaço de mundo onde a vida ocorre e, mais importante, deve ser respeitada e priorizada. A guerra é feita em nome da hegemonia e, para assegurá-la ou conquistá-la, eles necessitam do desenvolvimento tecnológico. Então, é possível que a ciência seja ilibada enquanto houverem poderes, interesses e usos tão polêmicos na mesa? Nas regiões de conflitos perenes, o conhecimento biológico sobre a fauna e flora é totalmente dificultado. Então, nesses locais podem estar sendo perdidas espécies endêmicas sem que tenhamos nunca as conhecido. Degradações irreparáveis podem estar se acumulando sem que estejamos prestando sequer atenção. Alguém vê? Ou talvez a pergunta correta fosse: alguém quer ver?

REFERÊNCIAS:

1 MEDEIROS, MB de; MIRANDA, Heloísa Sinátora. Mortalidade pós-fogo em espécies lenhosas de campo sujo submetido a três queimadas prescritas anuais. Acta Botanica Brasilica, v. 19, n. 3, p. 493-500, 2005.

2 Kennedy P. Ascensão e Queda das Grandes Potências:transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus; 1989.

3 ALMEIDA, Maria Eneida de. A permanente relação entre biologia, poder e guerra: o uso dual do desenvolvimento biotecnológico. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 7, p. 2255-2266, 2015.

4 SANTOS, Cristina Pinto et al. Armas biológicas: o uso da biotecnologia para fins ilícitos. 2002. Disponível em: http://hdl.handle.net/123456789/2436

5 Uma herança indesejada dos nazistas no Mar Báltico - http://www.dw.com/pt-br/uma-heran%C3%A7a-indesejada-dos-nazistas-no-mar-b%C3%A1ltico/a-38894128

6 As marcas ocultas da guerra deixadas por um navio nazista em árvores da Noruega - http://www.bbc.com/portuguese/geral-43761801

7 Impactos ambientais da guerra se multiplicam - http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,impactos-ambientais-da-guerra-se-multiplicam,20030405p72940

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