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Agrotóxicos: ontem, hoje e amanhã

Atualizado: 25 de mai. de 2020


Este não é o primeiro assunto no qual a biologia encontra a política e economia, mas é um dos mais importantes pois interfere diretamente na nossa vida e na sanidade dos animais não-humanos e dos biomas brasileiros. Os agrotóxicos foram definidos e regulamentados no Brasil através da Lei nº 7.802, de 11 de julho 1989 (no ano seguinte do marco da redemocratização do país). Em palavras simples, são substâncias químicas utilizadas na agricultura para matar seletivamente espécies que não são do interesse do cultivo, daí temos moluscidas, inseticidas, bactericidas, fungicidas, e muitos outros. Elas podem ser aplicadas em qualquer momento da produção: plantio, armazenamento, transporte, distribuição ou beneficiamento.

A primeira problemática nasce na origem da "necessidade" da utilização destas substâncias. Como já comentei em outra postagem, as guerras existem para mantimento de hegemonia política através do terror e, nesses contextos, determinadas indústrias se desenvolvem mais que outras: bélica, de insumos alimentares básicos e o alvo da nossa questão: a química. Como sabemos, até a metade do conflito, os Estados Unidos da America participaram da 2ª Guerra Mundial apenas como financiador de armas, materiais e suprimentos, entrando oficialmente somente após o ataque às bases de Pearl Harbor. Portanto, se tem um país que lucrou (e lucra) com as Guerras ao redor do mundo é o EUA e suas indústrias químicas deram um salto no período. No períodos pós-guerra dois problemas pareciam se 'complementar': o excedente das indústrias químicas americanas e a fome mundial. Foi então que utilizando toda a sua influência política e econômica sobre os países da Europa e Américas, na década de 50 e 60, os EUA se empenharam em vender um modelo de agricultura baseado em extensas monoculturas oriundas de sementes híbridas que eram vendidas em conjunto com os agrotóxicos e adubos sintéticos (pacotes agroquímicos), que prometia acabar com a fome no mundo através do aumento da produção de alimentos. O investidor rural só conseguia obter crédito para compra de sementes se adquirisse também o pacote agroquímico.

No Brasil a Revolução Verde promoveu um imenso desenvolvimento do setor agropecuário do país, que passou a ser um exportador de alimentos, sendo uma das principais economias da década de 70, período conhecido na história brasileira como "Milagre Econômico", durante a Ditadura Militar. Hoje, olhando para trás, vemos que além de não resolver o problema da fome, esse conjunto de ações agravou o problema da concentração fundiária [pelo modelo de monocultura] e a dependência de sementes modificadas [já que elas não se reproduzem sozinhas, tendo o agricultor que comprar novas sementes a todo novo cultivo], sem contar os prejuízos ambientais do modelo. A monocultura é um modelo agrícola onde é cultivada apenas uma espécie em um largo espaço e o principal conceito biológico deturpado durante debates no tema é o de "praga". Entende-se por praga uma espécie animal ou vegetal que, em um surto populacional, promove desequilíbrios ambientais e danos ao ecossistema. Se olharmos bem atentamente a foto acima quem você caracterizaria como praga: o predador da soja combatido pelo agrotóxico ou a própria soja?

As monoculturas de larga escala só conseguem ser mantidas através de adubo químico e agrotóxicos pois não são ecologicamente estáveis. Plantas iguais demandam o mesmo conjunto de nutrientes do solo. Quando temos, em um ecossistema natural, uma variedade de espécies, temos diferentes nichos de nutrientes sendo extraídos por espécies que demandam profundidades e propriedades diferentes do solo. Por isso, a monocultura gera erosão laminar e um esgotamento físico e químico do solo: existe uma ''espiral química": quanto mais agrotóxico se usa, mais agrotóxico é necessário usar. Segundo a EMBRAPA, "a monocultura, seja de milho, arroz, feijão, soja ou qualquer outra espécie, é incompatível com a manutenção da qualidade de solo". (1)

Para implementar as lavouras monoculturais é necessário que se desmate uma grande quantidade de mata nativa, promovendo perda de biodiversidade por desmatamento. O Cerrado brasileiro, conhecido como a savana mais biodiversa do planeta, tem como uma das suas principais ameaças atualmente, a pecuária e expansão agrícola (já se estimam que 54 milhões de hectares de cerrado deram lugar a pastagens e 22 milhões estão ocupados por plantações de grãos). As terras que não são mais utilizadas para plantio são deixadas para trás sem nenhum compromisso com restauração ambiental de espécies nativas. Outra questão forte das monoculturas no Brasil é a desapropriação de terras indígenas e quilombolas , mudança no regime de chuvas e deslocamento dos reservatórios de água (veja o vídeo abaixo).

Há uma questão social iminente na questão dos agrotóxicos e monoculturas que é a ameaça à soberania alimentar, visto que a nossa alimentação é, hoje, dependente das empresas transnacionais que dominando o segmento. Eles escolhem como e o que você come. Por exemplo, quantas variedades de feijão você conhece? Quantas variedades de arroz? E de milho? Todas as variedades de milho tradicionais do brasil estão praticamente extintas e, "se um agricultor quer plantar uma delas não ganha o crédito do banco. Apenas as variedades "registradas" são aceitas" (2).

Então já foi possível perceber que existe uma questão política e econômica muito forte neste assunto, certo? Só em 2015, as empresas faturaram R$32 bilhões com a venda de agrotóxicos, enquanto o Brasil investiu apenas R$3,8 bilhões em alimentação escolar. Talvez por isso, mesmo depois de tantos fatos atestados sobre os danos à vida e ambiente temos políticas públicas que tentem ainda derrubar ou flexibilizar legislações que controlam o uso de agrotóxicos no Brasil. A população rural é a mais exposta, uma vez que tem contato maximizado à estas substâncias tóxicas. Segundo estatísticas, 26 mil brasileiros foram intoxicados por agrotóxicos nos últimos dez anos, segundo levantamento inédito feito pela Pública, e 1.824 morreram por este motivo (3). Segundo Organização das Nações Unidas, os agrotóxicos são responsáveis por 200 mil mortes por intoxicação aguda a cada ano, e aponta que mais de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento (4).

Existem mais de 400 agrotóxicos diferentes, sendo diversos relacionados em pesquisas como causa de problemas de saúde, e a exposição a longo prazo pode causar danos ao sistema nervoso, genital, cardíaco e doenças crônicas como o câncer, visto que muitos são substâncias bioacumuladoras, isto é, se acumulam temporalmente no organismo e não são eliminados. Abaixo, deixo um vídeo de 10 minutos intitulado "O Custo Humano dos Agrotóxicos" com fotos de Pablo Ernesto Piovano que, com muita sensibilidade, expõe fotos de famílias argentinas vítimas do Glifosato, um dos herbicidas mais utilizados globalmente.

No Projeto de Lei (PL) 6299/2002 que voltou a ser discutido recentemente muitas questões sobre o uso, nomenclatura e produção de agrotóxicos, flexibilizando o marco legal que nos referirmos no início do texto. Há um documento da iniciativa "Chega de Agrotóxicos" que expõe o contexto e as mudanças propostas pela PL em relação ao que muda. A leitura é altamente recomendada, só clicar aqui. Deixo também o primeiro capítulo do Livro "Agrotóxicos: Veneno ou Remédio" que fala sobre a questão da nomenclatura, produção e danos dos agrotóxicos à saúde. A informação ainda é a melhor forma de compreendermos o dilema do modelo agropecuário vigente. O respeito à vida e à saúde do meio ambiente devem ser nossos valores inegociáveis e através disso, devemos militar para que coloquem cada vez menos veneno nos nossos pratos, rios e solo. Não podemos aceitar discursos que suavizem ou relativizem uma questão tão importante e, definitivamente, não podemos acreditar que esta é a unica forma de produzir alimento para a crescente população mundial, visto que atualmente se produz muito mais que o suficiente para alimentar os 7,4 bilhões de seres humanos, mas 21 mil pessoas morrem todos os dias de fome no mundo (5).

Fontes:

(1) EMBRAPA. Perdas Repetidas. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/71325/1/ID-25583.pdf

(2) Lutzenberger, J. A. O ABSURDO DA AGRICULTURA MODERNA. Porto Alegre, Brasil, Setembro de 2001. http://www.unicamp.br/fea/ortega/plan-disc/lutzenberger.htm

(3) Fonseca, B. PUBLICA - 26 mil brasileiros foram intoxicados por agrotóxicos nos últimos dez anos. https://apublica.org/2018/08/26-mil-brasileiros-foram-intoxicados-agrotoxicos-ultimos-dez-anos/

(4) https://nacoesunidas.org/pesticidas-matam-200-mil-pessoas-por-intoxicacao-aguda-todo-ano-alertam-especialistas/

(5) https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/09/02/Mundo-produz-comida-suficiente-mas-fome-ainda-%C3%A9-uma-realidade

Leia também: https://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

#CiênciaePolítica #Agrotóxicos #Poluição #SaúdePública #RevoluçãoVerde

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