top of page
Buscar

Vida, morte e termodinâmica


Todos os seres vivos que conhecemos obedecem o mesmo conjunto de leis: as leis físicas, que regem o mundo macro e microscópico. Todas as atividades realizadas pelos seres vivos dependem de energia que, segundo a física, é " capacidade de realizar trabalho". Aqui, meu compromisso é colocar algumas questões sobre a energia e o mundo vivo, nas óticas de sistemas vivos.

Um sistema pode ser classificado, quanto à sua capacidade de trocas, de três formas: aberto, fechado e isolado. O último se refere a um sistema que não realiza trocas nem de matéria nem de energia, como o Universo na concepção atual. O fechado é aquele que troca apenas energia (p. ex. uma garrafa de água, uma pilha); o aberto, troca matéria e energia, como uma célula viva ou um corpo humano.

A primeira lei da termodinâmica, também conhecido como "princípio da conservação de energia", diz que "um sistema não pode criar ou consumir energia, mas apenas armazená-la ou transferi-la ao meio onde se encontra". É o famoso "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Aqui nos vem uma ideia interessante: se a energia não pode ser produzida, o que a mitocôndria faz em uma célula, afinal? A energia, de fato, só é transformada, transferida e redirecionada pelos processos de respiração celular. Você deve estar se perguntando "de onde a energia vem, então?". Bem, no nosso caso (heterotróficos) ela vem da oxidação dos açúcares que ingerimos na alimentação. O que acontece com esses carboidratos (p. ex. glicose) depois que entram nas célula é uma sequência de oxidações para liberar energia armazenada em suas ligações que vão, no fim de tudo, ser utilizada para ligar uma molécula de adenosina-difosfato (ADP) com mais um fosfato livre, para formar uma adenosina-trifosfato (ATP). Vale ressaltar que outras moléculas, como os ácidos graxos (lipídios), também podem sofrer oxidação para gerar energia no nosso metabolismo, mas vamos voltar à principal: a glicose.

data:image/gif;base64,R0lGODlhAQABAPABAP///wAAACH5BAEKAAAALAAAAAABAAEAAAICRAEAOw==

Se repararmos na glicólise (primeira fase da respiração celular), ela consiste na quebra de uma molécula de glicose (reagente) em duas de piruvato (produtos). Ou seja, transformar uma molécula de alto estado energético em uma de menor estado. Grande parte dessa energia química é mobilizada para outras ligações e alguma parte é perdida na forma de calor, o que mostra que altas taxas de respiração celular são essenciais para a endotermia, no sentido de uma temperatura interna ideal. Isso é assunto de um outro post, que eu recomendo que você leia a seguir. Entalpia (H) é como denominamos a energia que fica armazenada nas substâncias. Se é uma reação exotérmica, como a glicólise, a entalpia dos reagentes será maior que a dos produtos; se for endotérmica, como a fotossíntese, a entalpia dos produtos será maior que a dos reagentes. Os processos catabólicos, em linhas gerais, são exotérmicos e os anabólicos, endotérmicos.

A segunda lei da termodinâmica, conhecida como Entropia (S), diz que "a quantidade de entropia de qualquer sistema isolado termodinamicamente tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor máximo". Isto é, a energia, espontaneamente sempre se desloca de níveis mais altos para níveis mais baixos. Entretanto, o caminho inverso é possível, comportamento que chamamos de anti-entrópico. A entropia também pode ser entendida como "o número mínimo de formas que um sistema pode ser arranjado" ou "grau de desordem de um sistema". Quanto mais desordenado ou mais livre as formas que compõe o sistema, maior a entropia.

Consideramos, portanto, a entropia positiva (+ΔS) quanto ela aumenta, ou seja, quando o grau de desordem do sistema ao tempo final é maior do que ao tempo inicial, como quando você espirra um spray aerossol. Nesse caso, você está aumentando as possibilidades de movimentação das moléculas em relação ao estado anterior, então é possível afirmar que se aumentou o estado de desordem, logo, aumentou a entropia. Outro exemplo clássico é o derretimento de gelo para o estado líquido. Na primeira situação, as moléculas estão agrupadas e bem organizadas, como é característico do estado sólido. Quando ocorre o derretimento, as moléculas ficam mais espaçadas e desorganizadas em relação ao sistema anterior, e por isso podemos afirmar que a entropia aumentou. Sempre que temos um aumento da entropia podemos dizer que se trata de um evento espontâneo, pois entende-se que naturalmente a entropia sempre tende a aumentar, tendendo ao máximo. Quando ocorre uma diminuição da entropia (caráter anti-entrópico, ou -ΔS), é por que houve alguma aplicação de energia exógena.

As membranas biológicas são estruturas dinâmicas e desempenham suas funções fisiológicas vitais, permitindo que as células interajam umas com as outras e com as moléculas de seu ambiente. Como já visto, sistema é definido como sendo uma porção limitada do todo. A célula então, é um sistema aberto e descontínuo, isto é, delimitado por uma membrana que trabalha para que a entropia seja baixa, logo, tem também caráter anti-entrópico. Como vimos anteriormente, a entropia se trata de um conceito cuja tendência natural das moléculas seria migrar para um estado mais desorganizado, isto é, com maior disponibilidade de movimentação possível (fluxo natural do meio hipertônico para o hipotônico, por exemplo), mas nem sempre isto ocorre. As membranas regulam quais moléculas e íons podem entrar ou sair de uma célula, caracterizando, assim, uma das suas mais importantes propriedades que é a permeabilidade seletiva. Deste modo, muitas vezes mantém gradientes de concentração diferentes no meio intra e extracelular via transporte ativo, o que garante o bom funcionamento de muitas funções importantes, como transmissão de impulsos nervosos e contração muscular, por exemplo.

O transporte passivo ocorre quando uma substância se locomove através da membrana plasmática em favor do gradiente de concentração, ou seja, do local mais concentrado para o menos concentrado, afim de "equilibrar". Isso é um evento espontâneo, mas não podemos dizer que nenhuma energia é transformada, pois a molécula se locomove de um lugar para outro. Vamos pegar um exemplo para ilustrar: Se um objeto está no chão e você quer levantá-lo, tem que aplicar uma força para suspendê-lo, né? Mas se você está segurando uma bolinha a um metro do chão e simplesmente solta, sem aplicar nenhuma força, ela cai. Isso acontece por que quando ela estava alta, possuía uma energia potencial proporcional à gravidade, na medida que você solta, essa energia potencial vai sendo gradativamente transformada em energia cinética (de movimento) até que atinge o chão e essa energia cinética se transforma em energia sonora e as vezes luminosa. Ou seja, mesmo que você não tenha aplicado nenhuma força e ela vai se movimentar de forma espontânea realizando uma transformação de energia. Se no parágrafo anterior ficou evidente que a lógica do transporte ativo é o consumo de energia química da célula para sustentar um caráter anti-entrópico para algumas substâncias, como sódio e potássio, podemos dizer que a energia que dirige o transporte passivo é o aumento da entropia. Isso significa dizer que a célula não precisa usar a sua energia química (ATP) para realizar tal movimento, pois de acordo com a segunda lei da termodinâmica, a entropia sempre tende ao infinito. Ou seja, eventos que gerem uma desordem crescente são espontâneos.

O fato de existir entropia negativa e certa tendência de formação de sistemas biológicos complexos, como reza a Evolução, uma vez que "a segunda lei da termodinâmica afirma que no sistema total, que neste caso é o sistema aberto [organismo, ecossistema] somado ao ambiente [mundo físico que o contorna], a entropia aumenta. A lei não impede a possibilidade de que em uma parte do grande sistema haja diminuição da entropia. Os seres vivos podem diminuir ou manter constante sua entropia por exportar entropia para o ambiente. Um refrigerador, para dar um exemplo de um sistema não-vivo, é um sistema que também diminui localmente a entropia e não viola a SLT. Desta forma a SLT não invalida o darwinismo". Ou seja, a Segunda Lei da Termodinâmica NÃO proibe que um particular subsistema diminua sua entropia; ela proibe que o sistema total, constituído pelos subsistemas interagentes, tenha a entropia total diminuída. "Quando seres biológicos realizam síntese de moléculas e macromoléculas gerando uma ordenação interna, ou fisicamente se organizando, o valor total da entropia decresce, porém, de acorco com a segunda lei, a entropia do universo tende a aumentar sempre. Então, seres biológicos se organizam ao desorganizar o universo e como fazem isso constantemente, segundo-a-segundo, então são grandes geradores de entropia no universo. A vida se organiza e sustenta sobre um alto custo energético, mesmo assim, ainda sempre tende à morte (entropia máxima).

A nível celular fica claro, portanto, a aplicabilidade destes conceitos termodinâmicos. Mas e a nível de organismo? Um organismo multicelular, complexo, como um cão, é um sistema aberto, que troca matéria e energia com o ambiente. Todos os seres vivos caminham para o máximo de entropia ou desordem total. O resultado biológico do aumento da entropia é o envelhecimento e, o máximo da entropia, termodinamicamente significa ausência de energia livre para realizar trabalho, ausência de troca com o meio ou, em outras palavras, morte. Para nos ajudar a entender melhor como a morte é o máximo de entropia, abro aspas: "Imagina uma caixa rígida, isolada termicamente e que não possa interargir com o entorno. No interior dessa caixa existe um bloco de metal aquecido a 200ºC e um outro bloco a 50ºC. Se esperarmos um tempo suficientemente grande, esse sistema atingirá o equilíbrio térmico pois os dois blocos trocarão energia na forma de calor, equilibrando suas temperaturas em algum valor entre 50 e 200ºC. Nota que o sistema como um todo, por estar isolado, conservou a sua energia total (Lei da Conservação da Energia), ou seja, do ponto de vista do conteúdo energético, não há diferença entre o sistema no início e no fim. Entretanto há uma diferença importante entre o estado inicial e o estado final deste sistema isolado. No início, poderíamos imaginar que é possível, por exemplo, colocar um disposivo entre a o bloco quente e o bloco frio, que aproveitasse parte do calor que sai da fonte quente para realizar um trabalho (produzindo energia mecânica). Esse dispositivo hipotético seria uma “máquina térmica”. Ora, nota então que apesar da energia total se conservar do início para o fim, existe uma diferença crucial entre o sistema no início e no fim, apesar de ele conservar a energia: no início ele tem capacidade para realizar um trabalho e no final não mais possui tal capacidade pois para realizar trabalho é necessário alguma diferença de temperatura entre os dois blocos. No final o sistema está “termicamente morto”, mas o seu conteúdo energético foi preservado. Pode-se, para fins de entendimento, associar essa perda de capacidade de realização de trabalho com um grandeza denominada entropia. A perda da capacidade de trabalho está associada ao aumento da entropia".

Se olharmos para o fluxo de energia nos ecossistemas, um esquema que ilustra bem é a pirâmide trófica (na imagem). Ela nos dá a noção que, quanto mais é passada a energia pelos níveis tróficos, menor a quantidade transmitida, uma vez que em todo nível há uma perda. Essa perda é devido á partes não ingeridas na presa, ao uso da energia para o metabolismo (respiração, digestão, produzir calor para o organismo, etc) e ao que é dispensado pelas fezes e urina. o primeiro e último são substrato de consumo para o sistema detritivo; a energia gasta é convertida em outras formas: energia química armazenada no ATP, energia térmica, etc. Então, novamente, apesar de uma aparente "perda" de energia no ecossistemas, temos constantes transformações, reforçando a primeira lei da termodinâmica. Seres vivos são constituídos, nas suas menores porções, de matéria inanimada, regida exclusivamente por leis químicas e físicas. Somos portanto, na visão macroscópica, escravos dessas leis. Entendê-las, de várias formas, nos ajuda a ver a beleza da vida.

Fontes:

Borja, Enrique F. Entropia: a rainha da desordem. Atlântico Press, cop. 2016. 139 p.

da Silveira, Fernando L. A teoria da evolução contradiz a Segunda Lei da Termodinâmica?. Disponível em: www.if.ufrgs.br/novocref/?contact-pergunta=a-teoria-da-evolucao-contradiz-a-segunda-lei-da-termodinamica

Delatorre, Plinio. Biofísica para Ciências Biológicas. João Pessoa: Editora da UFPB, 2015. 105p.

#Física #Entropia #Entalpia

6.470 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page