Temperatura e os organismos vivos
Como sabemos, o planeta Terra possui, na sua extensão, diversos climas, padrões de pluviosidade e temperatura. Mas meu intuito aqui não será de explorar essa parte mais geoclimática da Terra, mas sim de expor como esses fatores, especialmente a temperatura, interage com fauna e flora que habita cada um destes locais. Mesmo em ambientes quentes, há microrregiões que podem destoar, formando microhabitats. Por exemplo: em uma floresta, a umidade no topo de uma árvore é discretamente diferente da umidade na altura da base do caule. A incidência solar também. Para um primata isso pode não acarretar em tanta diferença, mas para um musgo (briófita), certamente faz toda diferença. Então para encarar as informações que esse texto traz temos que ter em mente duas coisas: A primeira é que os seres vivos são diferentes, em suas demandas, fisiologias, interações ecológicas, anatomias e histórias evolutivas. A segunda é que cada organismo funciona melhor sob um restrito intervalo de temperaturas. Para alguns, esse intervalo é maior e, para outros, menor. Isso não quer dizer que qualquer 1°C fora deste intervalo significa a morte, não é isso, mas que o indivíduo tem o seu melhor funcionamento metabólico dentro deste intervalo. Entretanto, se levarmos isso para um extremo, como por exemplo: colocando um peixe tropical para nadar nas águas gélidas da antártica, ele morrerá em minutos. Da mesma forma, se você colocar um urso polar na Amazônia, ele provavelmente virá a superaquecer e morrer rapidamente.
Porque isso acontece? Existe relação entre o tamanho dos animais e o seu controle térmico? Porque a temperatura influencia tanto um organismo vivo? Como ocorre a dinâmica térmica de um animal ou de uma planta? Nesse texto vamos tentar introduzir as respostas para algumas destas complexas perguntas. Mas como aqui nenhum assunto é direto, vamos dar um passeio antes. Bom, baseado no primeiro fator que chamei atenção ali em cima e no que conhecemos sobre evolução biológica, entendemos que cada espécie possui características que a permite sobreviver no ambiente que está. Desta forma, os peixes que vivem em oceanos gelados conseguem realizar todas as suas atividades metabólicas, com estratégias e adaptações próprias. Essas atividades demandam energia e atividades de enzimas. Quem já leu a parte de enzimas viu que elas possuem uma faixa ideal de pH e temperatura, mas um primeiro erro seria achar que todas as enzimas existentes na natureza funcionam dentro de uma mesma faixa de pH e temperatura. Cada tipo de enzima tem uma própria faixa de pH e temperatura ideais, isto é, esse parâmetro de “ideal” pode mudar conforme muda o tipo de enzima ou local de atuação. Um exemplo clássico nos humanos são nossas enzimas estomacais, que tem pH ideal ácido (~2,5), enquanto nossas enzimas intestinais têm pH ideal básico (~8,0). São outras enzimas, com outras funções, mas dentro de um mesmo animal. Outro bom exemplo é da truta-arco-íris (foto): seu organismo acomoda mudanças grandes de temperatura, uma vez que durante o inverno as temperaturas caem praticamente até o ponto de congelamento da água (2°C) e no verão chegam a 17°C. Essa proeza é garantida pelo seu organismo, que tem a capacidade de produzir duas formas da mesma enzima, uma forma tem a sua atividade ótima a 2°C (forma de inverno) e a outra, a 17°C (forma de verão) ¹. Estou falando isso para vermos como cada espécie tem um conjunto de estratégias particular, que condiz com a sua história evolutiva. Entendido?

PORQUE SE PRODUZ CALOR? Bom, aqui está uma boa pergunta. Os seres vivos produzem “calor” como resultado das reações químicas de seu metabolismo. Esse é o motivo pelo qual um indivíduo morto fica frio: ele não está realizando mais nenhuma atividade metabólica (respiração, síntese proteica, etc).

COMO SE TROCA CALOR? Há muitas formas na qual um organismo troca calor com o seu ambiente. Aqui, vamos evocar alguns conhecimentos da física: lembram da radiação, condução e convecção? A radiação é a emissão de energia eletromagnética através de algum corpo/superfície quente. No caso do ambiente que conhecemos, as principais fontes de radiação são o sol e itens de paisagem que absorvem ou refletem a radiação solar. À noite, os objetos ou organismos que se aqueceram à luz do sol passam a irradiar calor para as partes mais frias do ambiente. Sabe quando você sente frio à noite? É você perdendo calor para o ambiente por radiação. A condução é a transferência de energia cinética de calor entre substâncias que estão em contato (fixe o nome: 'condução' dá a entender que algo é conduzido de A para B). Claro que a velocidade de condução vai depender das substâncias e das suas propriedades. A água, por exemplo, é mais densa que o ar, então conduz calor muito mais rápido que o ar (cerca de 20x). Como isso se aplica à seres vivos? Já viu lagartos tomando banho de sol? (foto), eles estão obtendo calor por irradiação na face dorsal e por condução na parte ventral, em contato com a pedra quente. A convecção também possui efeitos muito curiosos sobre a vida de organismos vivos. Ela se trata da transferência de calor pelo movimento dos líquidos e gases: as moléculas (de líquido ou gás) próximas à uma superfície quente ganham energia e se movem para longe da superfície. E como isso se aplica à organismos vivos? Pensa na sua pele, que é uma superfície aquecida. Pensando a nível microscópico, no limite entre a última camada de células da sua pele e o ar, existe ali uma irradiação da sua pele aquecendo uma fina camada de ar que está imediatamente em volta dela até alcançar a homeotermia. Esse é um efeito importantíssimo pois ao aquecer essa camada de ar, cria-se praticamente uma blindagem contra a perda de mais energia, visto que uma fina camada de ar que está envolvendo a sua pele está da mesma temperatura da sua pele, cessando (em teoria) mais trocas de calor. Entretanto, qualquer corrente de ar é capaz de romper esta camada-limite de ar, fazendo o calor ser transportado para longe por convecção. Esse é o motivo pelo qual a sensação térmica de frio depende muito de quanto está ventando, pois, o vento afasta a camada homeotérmica de ar que envolvia seu corpo, fazendo com que você continue perdendo calor para o meio, isto é, sinta mais frio.
A QUE CUSTO SE PRODUZ CALOR NUM CORPO VIVO? Como o mantimento da temperatura é um fator importante para a atividade do metabolismo nos animais, existem duas grandes formas de produção e regulação térmica do corpo: com ou sem gasto de energia. Respectivamente, endotérmicos (regulam a temperatura com calor produzido pelo próprio corpo) e ectotérmicos (que utilizam fontes externas para esse fim, como o sol). Manter a temperatura estável garante condições de temperatura constantes para as células manterem seus processos eficientes. Isso, tanto a forma ectotérmica quanto a endotérmica desejam obter, o que muda são as estratégias. Os ectotérmicos, representados pelos répteis, insetos e plantas, equilibram seu calor de forma comportamental, isto é, possuem comportamentos e movimentos específicos para obter ou liberar calor, dependendo da sua demanda. Quando uma planta muda sua orientação em direção ao sol ou quando um lagarto toma banho de sol, estão modulando sua temperatura. Os endotérmicos possuem processos metabólicos dedicados à homeostase (manutenção de temperatura interna em face de um ambiente externo variante). Muito atenção à essa informação que eu coloquei: os endotérmicos não buscam regular sua temperatura conforme a do ambiente, mas buscam manter a sua temperatura apesar da do ambiente. Pra isso existem sistemas que percebem a temperatura e a regulam (como um termostato em uma casa). Nos humanos esse sistema é coordenado pelo hipotálamo, que produz diversos sinais neurais ou hormonais que levam ao aumento ou diminuição do metabolismo, tremor, suor, dentre outros efeitos para gerar aumento ou diminuição de temperatura. Dá pra imaginar que manter a temperatura apesar das variações do ambiente deve ter um custo de energia muito alto, não é?
Aqui entra uma questão muito importante que é relacionada ao tamanho corporal que é o seguinte: todo esses processos para manter a temperatura demandam energia e o animal perde calor praticamente por toda a superfície corporal. Agora, se um animal é maior, tem mais superfície corporal que um animal menor, correto? pée! Errado. O motivo é que temos que reparar, na verdade, na relação volume:superfície. Acompanhe a explicação pela imagem.

Temos três cubos, com três tamanhos de lado (não vamos chamar de lado, sim de aresta, ok?) diferentes. Não vou me ater a explicar o fundamento dessas formulas, tá? Tem no Google! rs
- O volume (V) de um cubo a gente calcula da seguinte forma: V = (aresta)³.
- A área (A) do cubo calculamos da seguinte forma: A = 6 x (aresta)².
Peraí, porque temos que fazer essa relação volume:superfície para entender a perda de calor nos animais? Por que o volume (toda a parte interna) interpretamos como tecidos que produzem calor, e a superfície (toda a parte externa) interpretamos como os tecidos que dissipam calor. Então, relacionando esses valores conseguimos relacionar em que proporção os animais produzem:dissipam calor, pensando assim na eficiência desse sistema! Vamos lá.
No menor cubo temos V = 1x1x1 = 1 cm³ e A = 6x(1)² = 6 cm². Assim, temos uma relação superfície:volume de 6:1.
No cubo do meio temos V = 2x2x2 = 8 cm³ e A = 6x(2)² = 6x4 = 24 cm². Assim, temos uma relação superfície:volume de 24:8, que podemos simplificar para 3:1.
No terceiro cubo temos V = 4x4x4 = 64 cm³ e A = 6x(4)² = 6x16 = 96 cm². Assim, temos uma relação superfície:volume de 96:64, que podemos simplificar para 1,5:1.
Percebe que quanto mais vai aumentando o tamanho do animal, mais vai diminuindo a relação entre tecidos que produzem e dissipam calor? Agora pensa comigo: se, no primeiro caso, eu tenho 6 vezes mais tecidos que dissipam calor do que produz, eu tenho um animal que perde mais calor que produz. No último caso eu tenho um animal grande, mas que tem quase tanto tecido que produz quanto tecido que dissipa, sendo quaaase uma relação 1:1. Nesse caso, se trata de um animal mais eficiente em reter a energia térmica que produz! Então acaba que a relação é oposta ao que você tinha inicialmente pensado, não? Se um animal é maior ele tem mais superfície corporal? Evidente, mas a superfície relativa ao volume é menor do que a de um animal pequeno. Aqui, temos a Regra de Bergmann (proposta por Christian Bergmann, em 1847) que diz que dentro de uma mesma espécie ou entre espécies diferentes, indivíduos que vivem em latitudes boreais (isto é, regiões mais frias) tendem a ser maiores. Isso faria todo sentido dentro da relação que acabamos de ver, não é? Um dos exemplos é de mamutes e elefantes, onde o primeiro (típicos de regiões frias) são bem maiores que os segundos, típicos de regiões quentes.

Essa regra rende muita discussão no meio acadêmico, desde que foi divulgada no século 19. Entretanto, ela não explica toda a dinâmica de tamanho e termia dos animais. Temos que considerá-la diante de todo um contexto de outras estratégias e história evolutiva.