A tecnologia de imersão de submarinos foi 'inventada' por peixes
Atualizado: 25 de mai. de 2020
Nessa postagem vamos falar sobre um exemplo de tecnologias que “inventamos”, mas que na verdade, já existem há muito entre os animais e plantas. Falaremos mais especificamente sobre os submarinos. A tecnologia de imersão e emersão desse barco é baseada na mesma lógica da bexiga natatória, órgão derivado de pulmões primitivos, encontrado na maioria dos peixes ósseos.
Eu já tive a oportunidade de entrar num submarino, no Porto do Rio de Janeiro. É realmente claustrofóbico (foram ótimo os trinta minutos de pânico). Todo aquele tamanho que vemos por fora, equivalente à uma baleia das maiores, engana: por dentro não é o lugar mais espaçoso do mundo. O lugar mais respirável é a cabine central, onde fica o periscópio. De resto é bem espremido pra se locomover e duas pessoas que estejam indo pra direções opostas têm dificuldade de passar pelos corredores ao mesmo tempo.


Um dos motivos pra essa diferença entre o tamanho externo e o espaço interno do barco é devido aos tanques de lastro, peça fundamental para essa dinâmica de imergir e emergir. Os tanques ocupam um grande espaço na embarcação, sobrando pouco para o conforto de um cruzeiro (se é que alguém espera encontrar isso). Para entender direitinho essa dinâmica, vamos ter que lembrar rapidamente alguns conceitos da física:
O empuxo é a força que um líquido faz contra um corpo que está imerso ou parcialmente imerso nele. É uma força vertical para cima, que é sempre proporcional ao volume de líquido deslocado por esse corpo. Então, quanto maior o volume do corpo que vai imergindo, maior o volume de líquido que vai sendo deslocado por ele (claro, dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, no mesmo instante). Isso pode ser facilmente observado quando você vai colocando lentamente a mão dentro de um balde com água: quando você vai afundando mais e mais "volume" de mão, mais o nível da água vai subindo. Consequentemente, mais empuxo a sua mão vai sofrer. Por isso, quando o submarino está com uma parte para cima da água, está sofrendo menos empuxo do que quando está totalmente imerso. Então, como ele consegue afundar ou flutuar?
Para vencer o empuxo e afundar, o corpo necessita de uma força vertical para baixo que supere a força para cima do empuxo. Essa vertical para baixo é o peso. (Não se esqueça que: Peso = massa x gravidade; e Massa = densidade x volume). Para o submarino flutuar embaixo da água, portanto, é necessário que essa força ascendente (empuxo) seja igual ao peso do barco para que se igualem ou anulem. O que ocorre é que a força gravitacional e o volume do barco são invariáveis, não interferindo na dinâmica relatada aqui.
Se a densidade de um objeto é maior do que a de outro, isto quer dizer que este tem mais massa por unidade de volume do que o outro. Logo, para alterar sua densidade sem alterar o volume, o barco incrementa massa e, consequentemente, o seu peso (vetor para baixo). É dessa forma que um submarino altera a densidade do barco: se tornando mais denso por ter sua massa aumentada sem alterar o volume. Em outras palavras: se sua massa aumenta, seu peso aumenta. Se seu peso aumenta, a força para baixo consegue superar o empuxo e o barco afunda. Regulando a densidade do barco e equilibrando as forças, o barco também pode flutuar, como já disse acima.
Essa alteração na densidade se dá pelo esvaziamento ou preenchimento de água ou ar nos tanques de lastro. 1 metro cúbico de água pesa 840 vezes mais do que 1 metro cúbico de ar. Então, se o tanque está completamente cheio de ar, o barco fica menos denso. Se é completamente preenchido com água, ele fica mais denso. Esse controle é feito através de válvulas que permitem a entrada de água ou a expulsam, preenchendo novamente com ar oriundo dos tanques de gás comprimido. Essa flutuabilidade é continuamente controlada pela tripulação, que monitora a profundidade e o funcionamento das válvulas e compressores dos tanques de lastro. Mas.. onde os peixes entram nessa história?
Todo esforço para explicar a lógica de densidade e flutuabilidade não foi só pra falar dos barcos. Essa tecnologia nem de longe é exclusiva de uso "humano" e é vista em centenas de espécies aquáticas, com centenas de milhões de anos de existência.

A maioria dos peixes existentes é da classe dos peixes ósseos. O outro grupo é dos peixes cartilaginosos, representados pelos temidos tubarões, quimeras (foto), cação e pelas subestimadas arraias (esse bicho voa, gente, como ninguém liga pra isso?). O esqueleto dos peixes cartilaginosos é, como nome diz, majoritariamente cartilaginoso. Isso faz com que esses animais sejam bem menos densos e isso, sem dúvidas, ajuda na sua mobilidade e flutuabilidade na água (a cartilagem é aproximadamente 50% menos densa que o osso). Além disso, eles têm diversas outras estratégias, como reservas de óleos no fígado ou de tecido adiposo, de uma forma geral. Entretanto, os peixes ósseos, que são a esmagadora maioria, possuem um esqueleto ósseo (óbvio) e são, portanto, mais densos. Por isso, praticamente todos os osteíctes possuem algum tipo de bexiga de gás ou pulmão. Quando preenchidos por gás, diminuem a sua densidade, melhorando a flutuabilidade do animal, o que o ajuda a resistir à tendência de afundar.
Talvez você esteja se perguntando como um animal que vive dentro da água tem uma bolsa de ar dentro do corpo que se enche e esvazia para ajudá-lo a controlar sua flutuabilidade. Como essa bolsa surge e como esse ar entra lá?
Sobre a primeira pergunta, eu respondo lá na parte de "Respiração", do conteúdo de Anatomia Comparada: "Durante muito tempo se acreditou que a bexiga natatória seria uma espécie de pulmão primitivo, mas hoje sabemos que os pulmões surgiram primeiro, sendo a bexiga natatória uma derivação dos primeiros pulmões. A bexiga natatória pode, e algumas espécies, servir como um órgão auxiliar de respiração, nesse caso recebendo o nome de bexigas respiratórias de gás. [...] As evidências mais atuais indicam a probabilidade de diversas reversões evolutivas terem ocorrido envolvendo bexigas natatórias e pulmões nos peixes ósseos (onde a característica surgiu), isto é, sobre a função de flutuação e respiração. Os pulmões evoluíram para bexigas natatórias não respiratórias que, em processos evolutivos subsequentes, se reverteram para bexigas respiratórias de gás".
Em relação à segunda pergunta, tenho que falar que existem dois tipos de bexigas natatórias não-respiratórias: a fisóstoma e a fisóclista. Calma, nem quem inventou esses nomes sabe esses nomes. Não precisa gravar. Só entende o seguinte: "stoma" significa boca; então, a bexiga fisóstoma é aquela que possui uma ligação com o tubo digestivo. Dessa forma, o animal "engole" ar e enche a bexiga natatória de gás. Isso serve aos animais que vêm à superfície e dão aquela ~abridinha de boca esquisita. A fisóclista é a bexiga que é preenchida por gases recolhidos pelas brânquias e difundidos para dentro dela. Nesse caso, o peixe não necessita vir à superfície, já que os gases que preenchem a bexiga natatória são oriundos do processo respiratório normal.
E claro, esses gases são incapazes de sair livremente da bexiga. Mesmo que tentem se difundir pela sua parede, ela é totalmente impermeável graças a um revestimento de cristais de guanina. A passagem de gases é restrita a algumas regiões especializadas do órgão. Assim, o animal consegue manter o gás em alta pressão lá dentro. Outro detalhe importante é que, se nos submarinos, a saída e entrada de água se dava por válvulas e compressores, nos peixes, se dá por musculatura. A bexiga natatória é circundada externamente por uma musculatura que ao contrair ou relaxar permite a expansão ou retração deste órgão, aumentando ou diminuindo a pressão interna (o que provoca saída e entrada de gases, respectivamente).
Agora, já que estamos falando de pressão e tal, vale a ressalva: nem tudo são flores. A existência dessa bexiga de ar faz com que os peixes que a possuem não possam fazer rápidas subidas à superfície. Isso pois variações muito grandes de pressão hidrostática (que varia com a profundidade) podem levar à um rompimento do órgão e a consequente morte do animal. é isso. Só pra terminar de forma trágica mesmo.
