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A origem da vida é uma área de estudo dotada de muitas dúvidas e becos sem-saída. Mas, uma coisa que temos razões lógicas suficientes para crer é na origem múltipla da vida. Isso é, não faz muito sentido acreditar que toda a vida se iniciou através de uma única tentativa bem-sucedida. O mais provável é que a vida tenha começado várias vezes, em vários locais e épocas, falhado na maioria e prosperado algumas poucas. Algumas, não uma. É razoável crer nisso pois, se há as mesmas condições em vários locais para que a vida surja, o que separa a possibilidade do fato de realmente surgir é o mero acaso. A casualidade. Estou dizendo tudo isso, para fazer uma linha de raciocínio: se a vida surgiu mais de uma vez e em algumas ela prospera enquanto em outras a tentativa é falha, alguma coisa diferencia esses eventos. Talvez, somente talvez, um dos fatores determinante para algumas dessas tentativas terem falhado tenha sido a incapacidade de se reproduzir. Pense: os fósseis e os organismos ainda vivos são, na verdade, mensagens do passado de organismos que surgiram e conseguiram prosperar. E aqui, o ponto que quero chegar: prosperar está diretamente ligado à capacidade de se reproduzir. Afinal, o que é um indivíduo que não se reproduz? Se um organismo surge, mas não gera outros como ele, não conseguirá informar ao futuro que esteve vivo. A reprodução é a principal característica que une absolutamente todos os seres vivos justamente por ser um processo importantíssimo à própria vida. Ou será que não? Vamos conhecê-la um pouco melhor nessa seção e desafiar nossa própria concepção de vida!

Determinação do sexo em animais
Razão sexual e princípio de Fisher
Complexidade dos Gametas
Mudança de sexo em animais
Rep. Assexuada em Animais e Plantas
Fundamentos da Reprodução Sexuada
Autofecundação, 'sexo' sem variabilidade
Ciclos Reprodutivos
Monogamia
Homossexualidade

O que é reprodução e qual o seu sentido?

assexuada

A reprodução assexuada é definida como o processo de geração de descendentes a partir de um único progenitor, a qual se dá sem a fusão de gametas. Nesses casos, os descendentes são geneticamente idênticos ao progenitor. Pense numa bactéria que está se reproduzindo por cissiparidade (ou fissão binária), que é a forma mais simples de reprodução da Terra. Ela é uma bactéria, um organismo unicelular, então fazendo uma mitose: pronto, reproduziu. Em dois segundos você já tem duas bactérias em vez de uma.

Em dez minutos, você tem milhões delas. Essa ideia pode te apavorar, caso essas bactérias sejam Mycobacterium tuberculosis, por exemplo, a  causadora da tuberculose. Entretanto, essa velocidade tem um preço. O sacrifício da simplicidade e rapidez vem no âmbito genético. Toda a população tem exatamente o mesmo conjunto genético e isso é um fator que ajuda o antibiótico a ser tão efetivo. Pense no coquetel de medicações diferentes que teríamos que tomar se houvessem várias fontes de resistência e uma alta diversidade genética na população de bactérias causadoras de uma certa doença?

Você vai ouvir falar bastante de variabilidade genética nessa seção, começando agora: a única chance de organismos gerados por reprodução assexuada acumularem diferenças genéticas entre si é quando ocasionalmente ocorrem mutações ou erros genéticos em ou ou outro indivíduo. Por consequência, todas as células divididas a partir da mutante também carregam a exata mesma mutação e é gerada toda uma linhagem diferente, também idêntica entre si. Portanto, as únicas fontes de variabilidade genética na reprodução assexuada são mutações, erros na replicação e transferência horizontal de genes, que vamos falar mais a seguir. A reprodução assexuada seguramente foi a primeira forma de reprodução a existir na Terra e persiste até hoje como a única forma na qual milhares de espécies se reproduzem. Vamos conhecer mais alguns aspectos sobre ela?

Reprodução assexuada: simples e rápida

Como temos um modelo de reprodução onde uma bactéria se torna duas, essas duas se tornam quatro, oito e assim por diante, temos, na verdade, uma sequência numérica de potências de base 2. Ou seja, 2 elevado a n, sendo n o número de ciclos reprodutivos. Acompanhe a leitura com da imagem: começando com apenas uma bactéria, sem ter feito nenhum ciclo reprodutivo. Aí, n = 0. Assim, o número de bactérias é igual ao número inicial, de um indivíduo. Aí ela faz a primeira fissão binária. Agora n=1. Se 2¹ = 2, esse é o número de bactérias que teremos agora, que é justamente o número de bactérias resultantes de uma fissão binária: duas. Então, você é capaz de prever a quantidade de bactérias sabendo apenas a quantidade de ciclos reprodutivos. Por exemplo: começando com apenas uma, quantas bactérias teremos após 20 ciclos reprodutivos? 2 elevado a 20 = 1.048.576 bactérias.

crescimento bacteriano2.jpg

Também existe a possibilidade do cálculo começar com você tendo inoculado não apenas uma bactéria, mas uma quantidade maior, que é o mais usual. Nesse caso, como calcular a quantidade de gerações (n) e o Tempo de Geração (g)? O Tempo de geração é o intervalo de tempo necessário que uma célula precisa para se duplicar, ou seja, é a duração de um ciclo de fissão binária. É variável conforme cada espécie, indo desde 10 a 15 minutos até 3 horas. Ainda está sujeito a alterações devido a variações ambientais e genéticas. A fórmula para o cálculo do número de gerações (n) está ali, grifada em azul, mas para chegar naquela fórmula tem um sentido: você concorda que número final de bactérias vai ser igual ao número inicial multiplicado por aquela potência de base 2 que falamos logo acima (2^n)? Pois bem, como as bactérias tem uma lógica de crescimento exponencial, podemos colocar essa expressão toda em logaritmo. Aí fica: o número de gerações (n) é igual ao log da quantidade final de bactérias subtraído do log da quantidade inicial de bactérias. Tudo isso dividido por 0,301 (que é log de 2). Vamos supor que a contagem inicial de bactérias inoculadas revelou o valor de 10³ e a contagem após 13,3 horas (t) foi de 10^9. Assim, o número de gerações (n) fica aproximadamente 20 e o tempo de geração (g) é aproximadamente 40 minutos, como a imagem ao lado mostra.

Você pode estar se perguntando pra que serve uma conta como essa. Pois bem, essa conta tem muitas utilidades, como na indústria de alimentos e farmacêutica. Ver a taxa de crescimento bacteriano ajuda a prever a validade de produtos alimentares ou eficiência de antibióticos, por exemplo. Além do mais, ajuda biólogos a conhecerem as necessidades metabólicas de vários tipos de bactérias, já que o crescimento da população indica também a qualidade do meio ao qual elas estão expostas.

Modelo matemático da reprodução assexuada de bactérias por fissão binária

dv assex

Variabilidade genética em organismos exclusivamente assexuados

Essa é uma máxima. Espécies exclusivamente assexuadas perdem muito em variabilidade genética. Isso está certo dizer. O que não estaria certo dizer é que não existe nenhum mecanismo que possa inserir variabilidade nessas populações. Conhecemos quatro mecanismos que podem gerá-la: mutação gênica e três de transferência horizontal de genes. Sobre a mutação, já falamos bastante na seção de genética. O que quero explicar mais é sobre a transferência horizontal de genes, que talvez seja até uma novidade pra você. Bem, nós sabemos que os pais transferem material genético aos seus filhos, certo? Isso seria uma transferência vertical de genes. Vertical por que é do progenitor pro descendente, que acontece a todo momento. Entretanto, existem alguns mecanismos onde organismos sem relação parental podem transferir material genético um para o outro, por isso, horizontal. São eles: conjugação, transdução e transformação. Esses chamamos de eventos de transferência horizontal de genes.

Conjugação

No Japão, em 1959, foi divulgado um estudo que demonstrou que espécies diferentes de bactérias transferiram resistência a antibióticos entre si. O artigo já propunha a explicação de que as bactérias Escherichia coli e algumas do gênero Shigella, poderiam estar transferindo a resistência ao antibiótico umas para as outras através de um "mecanismo ainda não conhecido". Pois bem, após investigações sobre esse fenômeno descobriu-se que muitas bactérias possuem, além do seu material genético principal, alguns DNA circulares bem pequenos chamados plasmídeos. Ele não contém genes de ordem vital para a bactéria e, por conta disso, pode acumular muito mais mutações do que o DNA principal. Então, se surgir uma mutação que confira a ela resistência a um certo antibiótico ou condição adversa, é muito mais provável que seja no DNA plasmidial do que no DNA cromossomal. Sendo o plasmídio um grande acumulador desse e de outros tipos de mutações, uma vez que as bactérias possam compartilhar esses plasmídeos umas com as outras, podem acabar espalhando essa resistência para bactérias já vivas. Esse compartilhamento realmente existe e se chama conjugação. Elas transferem os plasmídeos através de um canal proteico chamado pili sexual. Apesar do nome, a conjugação não se trata de um evento de reprodução sexuada, mas de transferência horizontal de genes.

Parecido com o processo realizado por bactérias, alguns protozoários ciliados (segundo vídeo) realizam transferência de micronúcleo. Tem uma diferença importante aí, que é: ao passo que o plasmídeo é um DNA não cromossômico, o micronúcleo é o resultado de uma fragmentação do cromossomo, no qual gera a formação de um pequeno núcleo ao lado do núcleo original da célula (protozoários são eucariotos, tá?). Após sofrer uma mutação, no processo de mitose, o protozoário gera células filhas com dois núcleos, um normal e outro pequeno (micronúcleo) que porta os fragmentos dos cromossomos que sofreram a mutação.

Você talvez não conheça o grupo dos rotíferas. Se trata de animais (sim, animais) microscópicos aquáticos. No caso dos rotíferos bdeloideas (foto), esse grupo não se reproduz de forma sexuada há aproximadamente 100 milhões de anos, fazendo apenas partenogênese (vamos falar mais abaixo sobre isso). Isso é, além de tudo sobrevivem praticamente sem machos na espécie. Pensando nisso você poderia achar que a diversidade genética dentro dessa espécie é ridiculamente baixa, né? O que houve? Será que na contramão de todos os animais, esse grupo não vê a diversidade genética como vantajosa? Pelo contrário, o que acontece é que os rotíferos bdeloideas tem um mecanismo de geração de diversidade que não a reprodução sexuada, também um tipo de transferência horizontal de genes. Eles vivem em ambientes que podem secar por longos períodos de tempo, durante o qual podem entrar em estado de animação suspensa, tipo um adormecimento. Nesse estado, sua membrana celular pode quebrar em alguns locais permitindo a entrada de DNA de outros rotíferos, e mesmo de outras espécies. Evidências sugerem que esses DNAs absorvidos podes se incorporar no genoma do rotífero, aumentando a diversidade. Eles são um exemplo, portanto do evento de transformação, que consiste na capacidade de adquirir pedaços de DNA dispersos no meio e utiliza-los como se fossem seu DNA.

Transformação

Transdução

Quanto o processo de transdução é mediado pelo homem através da Engenharia Genética, chamamos de Transferência Horizontal Artificial (THA). Um exemplo famoso de THA é a Tecnologia do DNA Recombinante.

A transdução consiste na transferência horizontal de genes de um organismo para outro através da ação de vírus. Acontece que faz parte do próprio ciclo reprodutivo de alguns vírus, inserir o seu material genético no DNA da célula hospedeira. Com isso, ele têm aparatos especiais para realizá-lo, como enzimas de restrição, que cortam o DNA para que ele possa inserir o seu próprio. No momento que vai retirar o seu DNA, ou seja, fazer o processo inverso, pode ser que seja retirado um pedaço do DNA bacteriano junto e, quando esse vírus for infectar outra bactéria, transportar o DNA da anterior para uma nova.

Efeitos ecológicos da Transferência Horizontal de Genes e mais exemplos

Quero trazer mais exemplos já documentados pela literatura de Transferência Horizontal de Genes (THG), visto que é algo realmente fascinante como que espécies de parasita-hospedeiro, eucariotos-eucariotos, bactéria-eucarioto, bactéria-fungo e muitas outras combinações tão diferentes geneticamente podem não só trocar fragmentos de DNA como incorporá-los e utilizá-los na sua própria vida.

Se quiser ler o artigo original na qual eu tiro essas ideias e exemplos, só clicar aqui! Tá em inglês, mas a linguagem é bem fácil de entender. Esse artigo fui publicado em 2010 na Nature, uma das maiores revistas científicas do mundo.

Isso, claro, só é possível graças ao fato do DNA de todos os seres vivos ser composto pelo mesmo conjunto de nucleotídeos (Adenina, Timina, Citosina e Guanina). Esse, aliás, é um dos argumentos que reforça a ideia Darwiniana de origem comum dos seres vivos (de que todos viemos do mesmo ancestral-comum). Se você parar pra pensar, o que é a Endossimbiose senão um evento de Transferência Horizontal de Genes na maior escala possível? Se não lembra, a endossimbiose é o englobamento e a subsequente integração genética de organismos inteiros que deram origem à mitocôndria e ao cloroplasto. Hoje, o que vemos em relação às mitocôndrias e cloroplastos é um nível muito alto de integração genética, de modo que todos os genomas mitocondriais e plastidiais examinados codificam apenas uma pequena fração das proteínas da organela. Isso significa, na prática, dizer que uma mitocôndria ou um cloroplasto, após milhões de anos de relação endossimbionte, não conseguem mais sobreviver por conta própria, fora de um célula. Vale lembrar que antes de chamarmos de mitocôndrias ou cloroplastos, essas organelas eram bactérias de vida livre, mais provavelmente proteobactéria e uma cianobactéria, respectivamente. Essa integração se deu, em grande medida, pela transferência maciça de genes desses endossimbiontes para a célula "hospedeira". Por ser um fator muito importante na ecologia de procariotos, como explicamos no quadro acima, por muito tempo o estudo de THG em eucariotos ficou de lado. Mas nos últimos anos muitas descobertas sobre como esse fenômeno impacta o grupo dos eucariotos vieram à tona, nos mostrando que o buraco é bem mais embaixo.

Você já ouviu falar na Wolbachia? É um gênero de bactérias que infectam mosquitos e outros artrópodes. A infecção bacteriana adquirida pelo mosquito faz com que ele reduza a transmissão de doenças como febre amarela, Zika Virus, Dengue e Chickungunya. A FIOCRUZ cultivou mosquitos infectados com Wolbachia e realizou a soltura de milhões de espécimes no Rio de Janeiro. Em alguns estudos no exterior foi encontrada uma cópia completa do genoma de Wolbachia no genoma de uma mosca da fruta, apesar de somente 2% dos genes transferidos terem sido transcritos. 

Por exemplo, alguns organismos que se tornaram ecologicamente especializados são ricos em genes transferidos horizontalmente, e os genes que permitem tais adaptações parecem estar entre os mais comumente adquiridos. Parasitas anaeróbicos que dependem da fermentação tendem a conter muitos genes procarióticos relacionados à fermentação ou a outros aspectos do metabolismo anaeróbico e, em alguns casos, o mesmo gene foi adquirido de diferentes bactérias em eucariotos anaeróbicos. Isso sugere que as diferentes linhagens se adaptaram ao ambiente anaeróbico emprestando genes de bactérias que tinham essa finalidade no metabolismo bacteriano.

A adaptação ao parasitismo também pode favorecer a aquisição de novos genes por THG. As vantagens ecológicas que o THG pode conferir durante um período de adaptação, como se tornar anaeróbico ou parasitário, são óbvias (e isso não se restringe aos genes bacterianos), mas isso não implica que o THG esteja associado apenas a adaptações extremas. Foi relatado que o genoma de Dictyostelium discoideum, por exemplo, possui 18 casos potenciais de genes bacterianos, muitos deles relacionados à vida no solo (por exemplo, enzimas para degradar as paredes celulares bacterianas e genes de resistência a toxinas).

Em um caso interessante, 11 genes de fungos filamentosos foram encontrados em oomicetos (algas), e como muitos deles têm funções importantes obtenção de nutrientes dissolvidos por osmose, isso levou à conclusão de que o THG participou da adaptação à patogênese das plantas nos dois grupos.

O padrão ouro para identificar THG com confiança é a incongruência filogenética - isso ocorre se houver um forte conflito entre as filogenias do gene e do organismo. Entretanto, o número de genes bacterianos em qualquer genoma nuclear provavelmente será o somatório complexa de múltiplos fatores que afetam a probabilidade de aquisição de genes bacterianos, sua fixação e persistência. 

Dictyostelium discoideum é um protozoário amebóide que vive no solo

Reprodução assexuada em animais e plantas

A bananeira é uma planta que se reproduz muito de forma assexuada. Cada bananeira que você está vendo na foto é na verdade somente a folha (mesmo o que você acha que é caule, na verdade é folha). Cada uma delas é exatamente idêntica à sua vizinha pois são, na verdade, todas folhas da mesma planta, que estão ligadas por um único caule subterrâneo chamado rizoma.

Como já citei, a reprodução assexuada foi a primeira a surgir na história da vida na Terra. Então, todos os primeiros organismos se multiplicavam gerando cópias idênticas de si próprios. A reprodução sexuada é algo que só surge em organismos pluricelulares, bem depois na história evolutiva. Por centenas de milhões de anos vivemos o reino da unicelularidade na Terra e, por consequência, da assexualidade.

Ao contrário do que muita gente pensa, a evolução não trabalha substituindo estratégias e estruturas anteriores por novas, eliminando as antigas. Aliás, pra algo que surgiu, desaparecer, leva muito tempo e na maioria das vezes nunca desaparece. Ou seja, o fato de surgir a reprodução sexuada, com gametas, hormônios, gônadas e todas as estratégias comportamentais pra encontrar um parceiro, não elimina a possibilidade da reprodução assexuada continuar existindo não só nos organismos que já a faziam, mas de se manter em novos organismos que surgirem. 

Portanto, existe uma gama imensa de animais e plantas que, além de realizarem reprodução sexuada, que é a mais comum nesses grupos, têm na reprodução assexuada uma estratégia para continuar sobrevivendo em tempos onde achar um parceiro estiver muito difícil ou que seja necessário se multiplicar rapidamente para fugir de determinada condição adversa. Ter os dois tipos de reprodução é muito interessante pois o organismo pode ter as vantagens de ambas: rapidez e pouco uso de energia quando faz uma e variabilidade genética quando faz a outra. Vou falar agora sobre como e em que tipo de situações animais e plantas lançam mão de reprodução assexuada e qual vantagem isso possui para ele ou ela, segue aí:

Esporulação

Esta estratégia pode ser utilizada por fungos, algas e plantas. Esporos são células especializadas que carregam uma cópia do DNA do organismo. São muito competentes para resistir à condições adversas e/ou para se dispersar por longas distâncias, já que esporos são microscópicos, logo leves, podendo ser carregados pelos ventos. A produção de esporos, em briófitas (aquelas plantas que conhecemos como musgos) faz parte do seu ciclo de vida, que tem uma fase sexuada e uma fase assexuada. Como elas são poiquilohídricas, ou seja, não controlam a perda de água, ressecam com muita facilidade (mas não necessariamente morrem, tá?). Essa característica fisiológica da poiquilohidria faz com que ela lance mão de estratégias específicas, como: viver mais constantemente perto de lugares úmidos, ser tolerante à dessecação e também completar o ciclo de vida antes da estação seca, gerando esporos resistentes à essa condição.

Esporo de uma briófita (Fontinalis squamosa) germinando. Microscopia Eletrônica. Foto por Glime. Retirado de Bryophyte Ecology.

Esse fofíssimo aí é o Dragão-de-komodo.

Partenogênese

Partenogênese é um tipo de reprodução assexuada onde as fêmeas produzem filhotes a partir de óvulos não fertilizados. É observado em rotíferas (falamos deles lá em cima), pulgões, algumas abelhas, formigas, vespas e até mesmo em alguns vertebrados, como alguns lagartos e peixes. Já foi observado em dragão-de-komodo e em uma espécie de tubarão-martelo também, cujas fêmeas foram isoladas de machos e mesmo assim conseguiram produzir descendentes. Para explicar o mecanismo, vou utilizar o exemplo mais clássico, que são as abelhas. Isso não quer dizer que todos os mecanismos partenogênicos sejam idênticos, tá? Você vai precisar saber o que é diplóide e haplóide pra entender bem. Se não lembra, dá uma passada lá na seção de genética ou dá um google aí!

No caso das abelhas, todas as fêmeas são diploides, oriundas de reprodução sexuada. Você deve saber que as abelhas se organizam em sociedades e que isso implica em uma estratificação social. O interessante que talvez você não saiba é que todas as abelhas são fêmeas, exceto o zangão. Todas as operárias são fêmeas e a Rainha também é fêmea. O Zangão é o único macho da colmeia. Ele só cruza com a Rainha e o resultado desse cruzamento é 100% fêmeas. Isso ocorre pois o espermatozóide do zangão é haplóide e o óvulo da abelha rainha também é haplóide. Na fertilização se forma um zigoto diplóide, que será uma fêmea já que, repetindo, todas as fêmeas são diplóides (n + n = 2n). Aí você pode ter algumas perguntas em mente, que já vou adiantar. Como a abelha rainha, que é diplóide, gera óvulos haploides? Por meiose, meu caro. Como o zangão, que é haplóide, gera espermatozóides haplóides? Por mitose, meu caro. O que diferencia a rainha das operárias, se ambas são fêmeas? A alimentação. Enquanto as operárias são alimentadas com mel normal, a rainha é alimentada com geleia real, que tem uma dose de proteína e açúcares muito maior, por isso ela cresce mais e consegue desenvolver seu aparelho reprodutivo. As operárias são estéreis. A rainha, fértil. O que ocorre quando um zangão morre? Quando um zangão morre que entra a partenogênese. Se não tiver ninguém pra fecundar o óvulo da abelha rainha, ele vai se desenvolver mesmo assim, só com metade da quantidade de cromossomos (haplóide) e, assim, formar um novo macho. A grande questão para entender aqui é que, em abelhas, a determinação do sexo (se é macho ou fêmea) é a ploidia. Ou seja, se for hapóide, é macho; se for diplóide, é fêmea;

Brotamento

Também conhecida como gemulação, tem o exemplo mais famoso da Hidra, o animal que mais parece planta, na minha opinião! Mas essa nem é uma das coisas mais interessantes sobre ela, aqui em baixo tem um quadro azul que fala um pouco sobre e também fiz uma postagem no Blog sobre isso. Esse processo basicamente consiste na geração de um broto, que é uma massa de células localizada, que se divide por mitose e gera uma pequena hidra, que em dado momento se separa da mãe e cresce de forma independente. Ele começa com um aumento localizado de uma proteína conhecida como ativador da cabeça (sigla HA, em inglês, de Head Activator). Após a ligação a receptores encontrados na superfície de algumas células localizadas, que são pluripotentes, o HA induz uma série de mudanças químicas que ativa os genes responsáveis ​​pela diferenciação terminal das células nervosas, que por sua vez são responsáveis ​​pelo processo de brotamento na hidra.

Propagação Vegetativa

Cada árvore neste círculo de sequoias cresceu a partir de uma única árvore parental, cujo tronco se encontra no meio desse círculo. Isso por que as sequóias conseguem gerar novos indivíduos a partir de órgãos vegetativos que forem plantados. Já ouviu falar em "plantas que pegam de estaca"? Significa que você pode plantar um galho da planta que ali crescerá uma planta independente, mas geneticamente idêntica à mãe, de onde o galho foi retirado. É assim com a erva cidreira, muitas cítricas. Ocorre um processo de desdiferenciação das células do caule, que podem se rediferenciar em células de raíz para obter nutrientes e fixar a estaca ao solo. A planta nova tem a mesma idade da planta-mãe.

Fragmentação

A fragmentação é um tipo de reprodução sexuada comum em esponjas, hidras, planárias, anêmonas, minhocas e equinodermos (estrelas-do-mar). Consiste na regeneração de membros ou partes do corpo amputadas, gerando dois novos indivíduo, um a partir de cada um dos fragmentos separados. Fica evidente que um processo desses está em curso quando vemos uma cena como a capturada pela foto ao lado. Nela, um dos braços recém-separado de uma estrela-do-mar já adulta (braço maior) está dando origem aos outros braços (braços menores). O mesmo pode acontecer com planárias. Elas, tem uma capacidade regenerativa ainda mais surpreendente: conseguem gerar um organismo inteiro a partir de um fragmento equivalente a 1/220 do tamanho do seu corpo. Se você achou isso incrível, saiba que as esponjas conseguem que reconstruir um corpo funcional a partir de células dissociadas.

Gênero Aspidoscelis e as espécies onde não existem machos

Algumas espécies de lagartos do gênero Aspidoscelis são exclusivamente assexuadas e o mais impressionante: nelas não existem machos. Assim mesmo, esses lagartos apresentam comportamento de corte e acasalamento muito similar àqueles de espécie sexuadas de Aspidoscelis. Durante a estação de acasalamento, uma fêmea de cada par imita um macho. Os membros de um par alternam seus papéis duas ou três vezes durante a estação. Quando o nível de estradiol (estrogênio) está elevado, um indivíduo adota o comportamento de fêmea; quando o nível do hormônio progesterona está elevado, o mesmo indivíduo adota comportamento de macho. Uma fêmea ovulará mais provavelmente se for montada no momento crítico de seu ciclo hormonal; lagartos isolados colocam menos ovos do que os que passam pelos rituais sexuais. Essas descobertas corroboram a hipótese de que esses lagartos partenogênicos evoluíram de espécies tendo dois sexos e ainda requerem certo estímulo sexual para o máximo sucesso reprodutivo.

Pode haver relação evolutiva entre a reprodução assexuada e a Regeneração?

Claro, se você corta uma planária no meio, você vai gerar duas novas planárias inteiras assim que elas terminarem de se regenerar. Isso pode ser considerada uma forma de reprodução assexuada. Mas a pergunta tenta ir mais a fundo que isso. Se pararmos pra pensar, a única diferença entre reprodução assexuada e regeneração parece estar em seus estímulos. Por exemplo, o tipo de proteínas liberadas e o tipo de sinalização química podem ser os mesmos, diferenciando somente o agente que iniciou o processo. Isso indica que as cascatas moleculares que geralmente associamos à regeneração podem ter aparecido antes de tudo como uma maneira de propagar a espécie (reprodução assexuada), e que tais cascatas podem ter sido cooptadas por muitos organismos para lidar com lesões ou qualquer outro tipo de evento catastrófico. A capacidade de desencadear a reprodução assexuada após a amputação tem vantagens adaptativas óbvias e não é difícil entender como essa propriedade poderia ter sido selecionada. Além disso, não precisa viajar demais para pensar em uma explicação sobre como um recurso preexistente, como a reprodução assexuada, poderia ter sido cooptada para um novo recurso, como a regeneração. Então, qualquer que seja a ordem de aparecimento, é interessante de perceber que as vezes o estímulo necessário para a regeneração (lesão) ative as mesmas moléculas mensageiras usadas para mediar a reprodução assexuada. Na hidra, tanto os estágios iniciais da reprodução assexuada (brotação) quanto a regeneração são mediados pelas mesmas proteínas de sinalização. Durante a reprodução assexuada, ocorre um aumento localizado dessa proteína, conhecido como ativador da cabeça (sigla HA em inglês, de Head Activator). Após a ligação a receptores encontrados na superfície das células intersticiais pluripotenciais, o HA induz uma série de mudanças químicas que ativa os genes responsáveis ​​pela diferenciação terminal das células nervosas, que por sua vez são responsáveis ​​pelo processo de brotamento na hidra. Finalmente, o broto emergente acabará se diferenciando e produzindo um organismo novo e completo. Tranquilo de entender, né? A questão é que da mesma forma, sabe-se que a amputação da hidra resulta na liberação de altos níveis do peptídeo HA, que então desencadeia a formação de um broto. No caso, um broto de regeneração que se diferenciará nas partes do corpo ausentes. Em outras palavras, a lesão infligida (amputação) é capaz de ativar a mesma cascata genética normalmente usada para iniciar a reprodução assexuada. Interessante, né?

Se quiser ler o artigo original na qual eu tiro essas ideias, só clicar aqui! Tá em inglês!

Rep Sex

Reprodução sexuada

Como você já sabe ou deve imaginar, a reprodução sexuada é dependente de dois progenitores que, doando uma cópia do seu material genético, formam um indivíduo diferente de qualquer outro que existe, existirá ou já existiu. Charles Darwin já nos havia dado essa noção quando propôs a ideia da descendência com modificação. Para o autor, todos os descendentes, apesar de herdar características dos progenitores, possuiria algumas características novas, que surgem apenas na sua geração. Para a reprodução sexuada, portanto, devemos ter necessariamente dois sexos distintos que, dentro das suas fisiologias, sejam capazes de produzir gametas. Então aqui surgem duas novidades em relação aos indivíduos exclusivamente assexuados: gêneros (macho e fêmea) e gametas. E claro, pelos gametas serem células especializadas, originadas por meiose, a reprodução sexuada só é possível em organismos pluricelulares.

Quando olhamos por uma lupa, a reprodução sexuada pode parecer desvantajosa, já que:
(1) Demanda que o organismo tenha células, tecidos e órgãos especializados na função reprodutiva, o que necessita muita energia;
(2) Demanda busca ativa por parceiro do sexo oposto, já que só é possível na presença do outro (exceto em casos de hermafroditismo);

(3) Normalmente organismos sexuados não se reproduzem durante o ano todo e sim em ciclos, ou seja, não se pode produzir descendentes a qualquer momento;

(4) O tempo de geração de um descendente é maior e há um investimento de energia na gestação e/ou geração de ovos e/ou cuidado com a prole (cuidado parental);

(5) Numa população de 10 indivíduos, 5 machos e 5 fêmeas, para manter a densidade populacional estável, cada fêmea deve gerar dois filhos. Num mecanismo de reprodução assexuada como a fissão binária, por exemplo, se cada organismo gerar dois outros organismos, a população cresce em ritmo exponencial, como vimos lá em cima.

O sexo, portanto, gera uma deficiência reprodutiva em quesito de número e também é muito custoso no quesito energia e tempo. Por que então o sexo é mantido mesmo em espécies animais que podem reproduzir-se assexuadamente? Por que ele está presente nos organismos de maior sucesso evolutivo? A principal razão, sem dúvida, e talvez a mais importante seja a variabilidade genética, que é gerada por três mecanismos exclusivos da reprodução sexuada:

1) Variabilidade de gametas gerado na Meiose. Praticamente todo gameta é gerado por meiose. A meiose, diferentemente da mitose, é uma divisão celular que distribui conteúdos celulares diferentes para cada uma das 4 células-filhas. Com isso, ao formar 4 gametas numa meiose, formam-se 2 tipos de gametas diferentes entre si. Para mais detalhes, leia a seção de Divisão Celular. Quando, na reprodução assexuada são gerados novos indivíduos, o principal processo de divisão celular presente é o de mitose, que gera 2 células-filhas idênticas à célula-mãe. Ou seja, a variabilidade da reprodução sexuada começa no próprio mecanismo de divisão celular que gera os gametas.

2) Possibilidade de crossing over na Meiose. A Meiose ainda pode ser palco de um fenômeno chamado crossing-over ou recombinação, que consiste na troca de um ou mais fragmentos entre cromossomos homólogos. Para mais detalhes, leia a seção de Divisão Celular. Isso pode fazer com que, ao formar 4 gametas numa meiose, em vez de formarem-se dois 2 tipos de gametas (meiose comum) diferentes entre si, como relatei no primeiro item, formem-se quatro tipos de gametas diferentes entre si. Ou seja, quando ocorre crossing-over, um evento de meiose gera 4 células-filhas onde todas elas são geneticamente diferentes umas das outras. O crossing over não ocorre em todos os eventos de meiose, mas ele só ocorre na meiose, nunca na mitose.

Repare que, na meiose, há dois cromossomos que estão com asterisco. Esses são os que sofreram crossing over.

3) Recombinação Gênica no ato da fecundação. Agora pense em gametas maternos produzidos por meiose e gametas paternos paternos produzidos por meiose. Agora pense em quantas combinações diferentes podemos fazer para uni-los. A capacidade de produzir prole diferente entre si é tanta, pelo advento da recombinação, que podemos afirmar com bastante tranquilidade que o seu material genético, por exemplo, nunca ocorreu e nem nunca ocorrerá na história humana. Você é único e não existe absolutamente ninguém com a mesma composição genética que você. Nem seus irmãos. Nem se você tiver um irmão gêmeo.

Autofecundação e hermafroditismo: tem espermatozóide e óvulo, mas não tem variabilidade genética

A reprodução sexuada é muito ligada à variabilidade genética e a assexuada, o oposto. Entretanto, a biologia é rica em exceções e isso é um pouco cansativo, mas também é muito lindo.  Lá em cima falamos de mecanismos não-sexuais que geram variabilidade genética. Aqui, vamos falar de quando atividades sexuadas não geram tanta ou nenhuma variabilidade. O primeiro caso que vai nos ajudar a ilustrar isso é a autofecundação, que não é tão raro de ocorrer em plantas, por exemplo. Conceitualmente, autofecundação consiste no ato do espermatozóide de um espécime fecundar o óvulo do mesmo espécime. Tipo, é a planta se autofecundando. Quando estudamos o trabalho de Mendel, na seção de genética, vimos que a autofecundação foi uma técnica utilizada por ele para gerar estudar as expressões das características. Só que aqui vamos ver como isso ocorre de forma natural. Observe a flor ao lado. Ela possui, na mesma flor, aparelho sexual masculino (as seis estruturas coloridas num vermelho-escuro) e o feminino (estrutura central, de cor amarela). Chamamos essa flor de hermafrodita.

As flores hermafroditas possuem alguns mecanismos para evitar a autofecundação, que não é tão vantajosa por conta da variabilidade genética. Uma delas é a alternância de maturação, onde na época do ano que a parte masculina (androceu) estiver madura, a feminina (gineceu) está imatura e o oposto também ocorre. Outra estratégia é o posicionamento do androceu em relação ao gineceu. Nessa primeira flor, ao passar um polinizador como a abelha ou o vento, por exemplo, grãos de pólen liberados no androceu podem cair no gineceu e a flor se autofecundar de forma 'acidental'. Entretanto, nessa segunda flor isso é impossível, já que o gineceu está acima do androceu. Essa diferença de posicionamento, por mais simples que possa parecer, diminui em muito as taxas de autofecundação numa flor. 

Embora desvantajosa na maioria das vezes, a autofecundação tem a sua importância ecológica. Pense numa queimada que devastou uma parte importante de uma comunidade biológica. O número de espécimes de determinada espécie caiu vertiginosamente. A autofecundação pode ser uma saída para continuar gerando frutos mesmo sem outra planta num raio que o polinizador percorra. Simplesmente, variabilidade genética para aquela planta não é uma prioridade naquele momento.

Para muitos animais, encontrar um parceiro para reprodução sexuada pode ser desafiador. Adaptações que surgiram durante a evolução de algumas espécies respondem a esse desafio de um novo jeito – burlando a distinção entre machos e fêmeas. Uma dessas adaptações surgiu entre animais sésseis (que ficam lá, paradões), como as cracas; animais formadores de toca, como os moluscos; e alguns parasitos, incluindo as tênias. Esses animais têm chances bastante limitadas de encontrar um par. A solitária, então, coitada, foi apelidada dessa forma por nunca, formar um casalzinho. A solução evolucionária nesse caso é o hermafroditismo, em que cada indivíduo apresenta ambos os sistemas reprodutivos, de macho e de fêmea (o termo “hermafrodita” une os nomes Hermes e Afrodite, um deus e uma deusa gregos). O curioso é que os hermafroditas podem ou não ter a capacidade de se autofecundar. Vamos olhar dois casos: 

Hermafroditas insuficientes - Os caracóis, moluscos terrestres, produzem tanto óvulos quanto espermatozoides, mas não têm a capacidade de se autofecundar. Ainda sim necessitam encontrar um parceiro para acasalar. Nesse momento, tanto um coloca espermatozóides no aparelho feminino do outro, quanto o outro coloca espermatozóides no aparelho feminino do um. Sai todo mundo grávide. A mesma coisa acontece com a minhoca, como você pode ver pela imagem ao lado. Nesse caso, é gerada tanta variabilidade genética quanto num sexo entre machos e fêmeas quaisquer. Nessa caso específico, variabilidade genética é tranquilo, mas de qualquer forma, eles têm que encontrar um parceiro para acasalar, o que envolve um gasto de energia.

Hermafroditas suficientes - O melhor exemplo é a tênia. Se você lembrar, um dos apelidos da tênia é "solitária", por que só existe uma no seu intestino. E aí você pode pensar: ué, se ela é solitária, como se reproduz?

Calma, amig@, ela é a prova que há esperança pra você ainda. Você só precisa de duas coisas: ser hermafrodita e conseguir se autofecundar. Então, ela pode até ser solteira, mas solitária NUNCA! Ela mesma 'se engravida'. Se você contrair teníase, vai defecar os ovinhos que ela produziu sozinha! O hermafroditismo é uma importante estratégia reprodutiva, pois no caso dos suficientes, eles podem fecundar a si próprios, não dependendo de busca ativa por nenhum parceiro; no caso dos insuficientes, mesmo que tenham que buscar parceiro, ele não precisa ser de um sexo específico. Pode ser literalmente qualquer outro membro da sua espécie, sem necessidade de ser macho ou fêmea (até por que isso não existe quando estamos falando de hermafroditas).

Por que a reprodução sexuada é tão cara?

E por cara eu to me referindo a custo mesmo. Só que nesse caso não to falando de dinheiro, mas de energia, uma moeda preciosíssima na natureza. Pensa só: para a reprodução assexuada, o custo energético envolve ou apenas uma mitose, no caso de organismos unicelulares, ou de algumas mitoses, ou seja, uma proliferação celular localizada, como é o caso da regeneração, brotamento e propagação vegetativa de organismos pluricelulares. O custo de se reproduzir assexuadamente é o custo de dividir uma ou algumas células do organismo. É o custo energético da mitose. E mais: o organismo pode fazer quando bem entender, não tem que ter um parceiro pra realizar. Entretanto, como já vimos, apesar de rápida e energeticamente econômica, essa forma de gerar novos indivíduos acaba não gerando variabilidade genética para a população, o que torna as taxas de evolução da espécie mais lentas (sim, nem todos os organismos evoluem na mesma velocidade). A reprodução sexuada, ao surgir, gerou uma forma de combinar e produzir variação nunca antes vista na natureza. Entretanto, de cara, a palavra 'combinar' já nos remete à necessidade da presença de dois indivíduos, do sexo oposto, mutuamente férteis e atraídos. Então, muitas modificações relacionadas ao sexo foram sendo selecionadas nos animais. Modificações estas que tornavam a reprodução sexuada cada vez mais, um mecanismo efetivo de reprodução. to me referindo a órgãos específicos para produção de gametas, especializações nos gametas, seleção sexual nos machos, rituais de atração da fêmea, rituais de acasalamento, pra ficar em poucos exemplos.

Olha o vídeo ao lado. Primeira coisa que eu quero que você repare é na duração dele. Esse é um vídeo recortado de um momento que durou muito mais que isso. Esse foi o tempo que esse pássaro, em específico, levou só para preparar um ambiente para atrair uma fêmea e mostrar suas cores, que naquela espécie estão ligadas à capacidade de ser um bom partido, geneticamente falando. A escolha de um bom macho para acasalar tem parâmetros diferentes para fêmeas de espécies diferentes. Aí, eu quero que você pense, ainda levando essa espécie de pássaro em consideração, na energia despendida para produzir estruturas anatômicas relacionadas ao sexo, utilizadas por ele para seduzir e fertilizar a fêmea.

Pense também na energia necessária para produzir milhões de gametas que não têm função alguma para o corpo daquele animal senão a reprodutiva. Pense na energia que ele gasta pra ficar vivo, pois no caso dessa espécie, ser um bom partido também significa chamar bastante atenção de predadores com essas cores chamativas (paradoxo do pavão, que explico na parte de seleção sexual, lá na seção de evolução). Olha quanta energia que é dispendida para conseguir passar seu material genético adiante. Agora que já sabemos as razões pelas quais a reprodução sexuada é tão cara, fica a dúvida: por que ela persiste? A resposta reforça o que já vinhamos falando nessa seção: o custo é compensado pela variabilidade genética, que é um dos motores da evolução, pelo menos em partes.

A variabilidade genética é um fim em si mesma?

Não é possível que um único fator, como a variabilidade genética, compense o custo imensamente grande da reprodução sexuada. Além disso, pra que serve essa variabilidade, afinal? Você dificilmente conseguirá pensar em uma outra vantagem da reprodução sexuada além da variabilidade genética, mas isso não é um problema só seu: a questão de por que o sexo evoluiu é muito antiga e permanece sem solução definitiva para a maioria da comunidade científica. Aqui eu vou te trazer algumas razões que foram levantadas como suposições e que são relativamente aceitas. Entretanto, não são consensuais, então, deixamos como uma questão em aberto: por que existe sexo?

  1. Limpeza genômica - Vamos pensar no mecanismo de reprodução assexuada. Em caso de mutações prejudiciais ou erros na hora de dividir a célula, todas as células filhas carregarão exatamente o mesmo erro e se formará uma linhagem que possui aquele erro. Ou seja, todos os descendentes que nascerem daquela linhagem terão esse erro. Uma das teorias para o mantimento da reprodução sexuada como uma característica vantajosa é de que, na hora de formar descendentes através da combinação de metade do material genético de cada genitor, a metade aleatoriamente selecionada para formar um dos gametas poderá não conter aquela mutação ou aquele erro de replicação. Ou seja, somente na reprodução sexuada, existe a possibilidade de um genitor que possua erros genéticos, doenças genéticas ou mutações deletérias não passar isso para o filho. Na reprodução assexuada isso é impossível. Então o modo sexuado e a sua recombinação promovem a possibilidade de 'limpeza genômica' nos descendentes.

  2. Resiliência - A diversidade genética que uma população possui ajuda na sua recuperação caso ocorra um desastre natural, por exemplo. Resiliência é a capacidade de, após um distúrbio, recuperar os parâmetros populacionais que existiam antes dele. A diversidade é essencial para isso, embora o efeito de deriva genética possa atuar ali, prejudicando essa capacidade. Um artigo de professores da UFF justificam isso através de modelos matemáticos comparando a resiliência em reprodução sexuada e assexuada.

  3. Desafios coevolutivos - Um dos maiores desafios à estabilidade populacional são as doenças. Provocadas por parasitos, vírus, bactérias, fungos, protozoários, animais e daí em diante. As mortes por doenças, principalmente a contagiosas, diminuem muito as populações de seres vivos e a capacidade de responder a elas depende muitas vezes da idade, estado de saúde do indivíduo, mas também existe um componente genético. A variabilidade genética dá aos organismos a possibilidade de responder à doenças de mais formas e também de resistir, enquanto população, à presença de uma doença. Isso, pois quando falamos de variabilidade genética podemos falar sobre um indivíduo único ou de uma população (que é o que chamamos de pool gênico). Então, os desafios que as doenças causadas por outros seres vivos e vírus nos causam fazem a variabilidade genética ser um precioso aliado para superá-los, principalmente por que a velocidade de modificação desses agentes etiológicos é, por vezes, assustadoramente alta.