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A origem da vida é uma área de estudo dotada de muitas dúvidas e becos sem-saída. Mas, uma coisa que temos razões lógicas suficientes para crer é na origem múltipla da vida. Isso é, não faz muito sentido acreditar que toda a vida se iniciou através de uma única tentativa bem-sucedida. O mais provável é que a vida tenha começado várias vezes, em vários locais e épocas, falhado na maioria e prosperado algumas poucas. Algumas, não uma. É razoável crer nisso pois, se há as mesmas condições em vários locais para que a vida surja, o que separa a possibilidade do fato de realmente surgir é o mero acaso. A casualidade. Estou dizendo tudo isso, para fazer uma linha de raciocínio: se a vida surgiu mais de uma vez e em algumas ela prospera enquanto em outras a tentativa é falha, alguma coisa diferencia esses eventos. Talvez, somente talvez, um dos fatores determinante para algumas dessas tentativas terem falhado tenha sido a incapacidade de se reproduzir. Pense: os fósseis e os organismos ainda vivos são, na verdade, mensagens do passado de organismos que surgiram e conseguiram prosperar. E aqui, o ponto que quero chegar: prosperar está diretamente ligado à capacidade de se reproduzir. Afinal, o que é um indivíduo que não se reproduz? Se um organismo surge, mas não gera outros como ele, não conseguirá informar ao futuro que esteve vivo. A reprodução é a principal característica que une absolutamente todos os seres vivos justamente por ser um processo importantíssimo à própria vida. Ou será que não? Vamos conhecê-la um pouco melhor nessa seção e desafiar nossa própria concepção de vida!

Determinação do sexo em animais
Razão sexual e princípio de Fisher
Complexidade dos Gametas
Mudança de sexo em animais
Rep. Assexuada em Animais e Plantas
Fundamentos da Reprodução Sexuada
Autofecundação, 'sexo' sem variabilidade
Ciclos Reprodutivos
Monogamia
Homossexualidade

O que é reprodução e qual o seu sentido?

assexuada

A reprodução assexuada é definida como o processo de geração de descendentes a partir de um único progenitor, a qual se dá sem a fusão de gametas. Nesses casos, os descendentes são geneticamente idênticos ao progenitor. Pense numa bactéria que está se reproduzindo por cissiparidade (ou fissão binária), que é a forma mais simples de reprodução da Terra. Ela é uma bactéria, um organismo unicelular, então fazendo uma mitose: pronto, reproduziu. Em dois segundos você já tem duas bactérias em vez de uma.

Em dez minutos, você tem milhões delas. Essa ideia pode te apavorar, caso essas bactérias sejam Mycobacterium tuberculosis, por exemplo, a  causadora da tuberculose. Entretanto, essa velocidade tem um preço. O sacrifício da simplicidade e rapidez vem no âmbito genético. Toda a população tem exatamente o mesmo conjunto genético e isso é um fator que ajuda o antibiótico a ser tão efetivo. Pense no coquetel de medicações diferentes que teríamos que tomar se houvessem várias fontes de resistência e uma alta diversidade genética na população de bactérias causadoras de uma certa doença?

Você vai ouvir falar bastante de variabilidade genética nessa seção, começando agora: a única chance de organismos gerados por reprodução assexuada acumularem diferenças genéticas entre si é quando ocasionalmente ocorrem mutações ou erros genéticos em ou ou outro indivíduo. Por consequência, todas as células divididas a partir da mutante também carregam a exata mesma mutação e é gerada toda uma linhagem diferente, também idêntica entre si. Portanto, as únicas fontes de variabilidade genética na reprodução assexuada são mutações, erros na replicação e transferência horizontal de genes, que vamos falar mais a seguir. A reprodução assexuada seguramente foi a primeira forma de reprodução a existir na Terra e persiste até hoje como a única forma na qual milhares de espécies se reproduzem. Vamos conhecer mais alguns aspectos sobre ela?

Reprodução assexuada: simples e rápida

Como temos um modelo de reprodução onde uma bactéria se torna duas, essas duas se tornam quatro, oito e assim por diante, temos, na verdade, uma sequência numérica de potências de base 2. Ou seja, 2 elevado a n, sendo n o número de ciclos reprodutivos. Acompanhe a leitura com da imagem: começando com apenas uma bactéria, sem ter feito nenhum ciclo reprodutivo. Aí, n = 0. Assim, o número de bactérias é igual ao número inicial, de um indivíduo. Aí ela faz a primeira fissão binária. Agora n=1. Se 2¹ = 2, esse é o número de bactérias que teremos agora, que é justamente o número de bactérias resultantes de uma fissão binária: duas. Então, você é capaz de prever a quantidade de bactérias sabendo apenas a quantidade de ciclos reprodutivos. Por exemplo: começando com apenas uma, quantas bactérias teremos após 20 ciclos reprodutivos? 2 elevado a 20 = 1.048.576 bactérias.

crescimento bacteriano2.jpg

Também existe a possibilidade do cálculo começar com você tendo inoculado não apenas uma bactéria, mas uma quantidade maior, que é o mais usual. Nesse caso, como calcular a quantidade de gerações (n) e o Tempo de Geração (g)? O Tempo de geração é o intervalo de tempo necessário que uma célula precisa para se duplicar, ou seja, é a duração de um ciclo de fissão binária. É variável conforme cada espécie, indo desde 10 a 15 minutos até 3 horas. Ainda está sujeito a alterações devido a variações ambientais e genéticas. A fórmula para o cálculo do número de gerações (n) está ali, grifada em azul, mas para chegar naquela fórmula tem um sentido: você concorda que número final de bactérias vai ser igual ao número inicial multiplicado por aquela potência de base 2 que falamos logo acima (2^n)? Pois bem, como as bactérias tem uma lógica de crescimento exponencial, podemos colocar essa expressão toda em logaritmo. Aí fica: o número de gerações (n) é igual ao log da quantidade final de bactérias subtraído do log da quantidade inicial de bactérias. Tudo isso dividido por 0,301 (que é log de 2). Vamos supor que a contagem inicial de bactérias inoculadas revelou o valor de 10³ e a contagem após 13,3 horas (t) foi de 10^9. Assim, o número de gerações (n) fica aproximadamente 20 e o tempo de geração (g) é aproximadamente 40 minutos, como a imagem ao lado mostra.

Você pode estar se perguntando pra que serve uma conta como essa. Pois bem, essa conta tem muitas utilidades, como na indústria de alimentos e farmacêutica. Ver a taxa de crescimento bacteriano ajuda a prever a validade de produtos alimentares ou eficiência de antibióticos, por exemplo. Além do mais, ajuda biólogos a conhecerem as necessidades metabólicas de vários tipos de bactérias, já que o crescimento da população indica também a qualidade do meio ao qual elas estão expostas.

Modelo matemático da reprodução assexuada de bactérias por fissão binária

dv assex

Variabilidade genética em organismos exclusivamente assexuados

Essa é uma máxima. Espécies exclusivamente assexuadas perdem muito em variabilidade genética. Isso está certo dizer. O que não estaria certo dizer é que não existe nenhum mecanismo que possa inserir variabilidade nessas populações. Conhecemos quatro mecanismos que podem gerá-la: mutação gênica e três de transferência horizontal de genes. Sobre a mutação, já falamos bastante na seção de genética. O que quero explicar mais é sobre a transferência horizontal de genes, que talvez seja até uma novidade pra você. Bem, nós sabemos que os pais transferem material genético aos seus filhos, certo? Isso seria uma transferência vertical de genes. Vertical por que é do progenitor pro descendente, que acontece a todo momento. Entretanto, existem alguns mecanismos onde organismos sem relação parental podem transferir material genético um para o outro, por isso, horizontal. São eles: conjugação, transdução e transformação. Esses chamamos de eventos de transferência horizontal de genes.

Conjugação

No Japão, em 1959, foi divulgado um estudo que demonstrou que espécies diferentes de bactérias transferiram resistência a antibióticos entre si. O artigo já propunha a explicação de que as bactérias Escherichia coli e algumas do gênero Shigella, poderiam estar transferindo a resistência ao antibiótico umas para as outras através de um "mecanismo ainda não conhecido". Pois bem, após investigações sobre esse fenômeno descobriu-se que muitas bactérias possuem, além do seu material genético principal, alguns DNA circulares bem pequenos chamados plasmídeos. Ele não contém genes de ordem vital para a bactéria e, por conta disso, pode acumular muito mais mutações do que o DNA principal. Então, se surgir uma mutação que confira a ela resistência a um certo antibiótico ou condição adversa, é muito mais provável que seja no DNA plasmidial do que no DNA cromossomal. Sendo o plasmídio um grande acumulador desse e de outros tipos de mutações, uma vez que as bactérias possam compartilhar esses plasmídeos umas com as outras, podem acabar espalhando essa resistência para bactérias já vivas. Esse compartilhamento realmente existe e se chama conjugação. Elas transferem os plasmídeos através de um canal proteico chamado pili sexual. Apesar do nome, a conjugação não se trata de um evento de reprodução sexuada, mas de transferência horizontal de genes.

Parecido com o processo realizado por bactérias, alguns protozoários ciliados (segundo vídeo) realizam transferência de micronúcleo. Tem uma diferença importante aí, que é: ao passo que o plasmídeo é um DNA não cromossômico, o micronúcleo é o resultado de uma fragmentação do cromossomo, no qual gera a formação de um pequeno núcleo ao lado do núcleo original da célula (protozoários são eucariotos, tá?). Após sofrer uma mutação, no processo de mitose, o protozoário gera células filhas com dois núcleos, um normal e outro pequeno (micronúcleo) que porta os fragmentos dos cromossomos que sofreram a mutação.

Você talvez não conheça o grupo dos rotíferas. Se trata de animais (sim, animais) microscópicos aquáticos. No caso dos rotíferos bdeloideas (foto), esse grupo não se reproduz de forma sexuada há aproximadamente 100 milhões de anos, fazendo apenas partenogênese (vamos falar mais abaixo sobre isso). Isso é, além de tudo sobrevivem praticamente sem machos na espécie. Pensando nisso você poderia achar que a diversidade genética dentro dessa espécie é ridiculamente baixa, né? O que houve? Será que na contramão de todos os animais, esse grupo não vê a diversidade genética como vantajosa? Pelo contrário, o que acontece é que os rotíferos bdeloideas tem um mecanismo de geração de diversidade que não a reprodução sexuada, também um tipo de transferência horizontal de genes. Eles vivem em ambientes que podem secar por longos períodos de tempo, durante o qual podem entrar em estado de animação suspensa, tipo um adormecimento. Nesse estado, sua membrana celular pode quebrar em alguns locais permitindo a entrada de DNA de outros rotíferos, e mesmo de outras espécies. Evidências sugerem que esses DNAs absorvidos podes se incorporar no genoma do rotífero, aumentando a diversidade. Eles são um exemplo, portanto do evento de transformação, que consiste na capacidade de adquirir pedaços de DNA dispersos no meio e utiliza-los como se fossem seu DNA.

Transformação

Transdução

Quanto o processo de transdução é mediado pelo homem através da Engenharia Genética, chamamos de Transferência Horizontal Artificial (THA). Um exemplo famoso de THA é a Tecnologia do DNA Recombinante.

A transdução consiste na transferência horizontal de genes de um organismo para outro através da ação de vírus. Acontece que faz parte do próprio ciclo reprodutivo de alguns vírus, inserir o seu material genético no DNA da célula hospedeira. Com isso, ele têm aparatos especiais para realizá-lo, como enzimas de restrição, que cortam o DNA para que ele possa inserir o seu próprio. No momento que vai retirar o seu DNA, ou seja, fazer o processo inverso, pode ser que seja retirado um pedaço do DNA bacteriano junto e, quando esse vírus for infectar outra bactéria, transportar o DNA da anterior para uma nova.

Efeitos ecológicos da Transferência Horizontal de Genes e mais exemplos

Quero trazer mais exemplos já documentados pela literatura de Transferência Horizontal de Genes (THG), visto que é algo realmente fascinante como que espécies de parasita-hospedeiro, eucariotos-eucariotos, bactéria-eucarioto, bactéria-fungo e muitas outras combinações tão diferentes geneticamente podem não só trocar fragmentos de DNA como incorporá-los e utilizá-los na sua própria vida.

Se quiser ler o artigo original na qual eu tiro essas ideias e exemplos, só clicar aqui! Tá em inglês, mas a linguagem é bem fácil de entender. Esse artigo fui publicado em 2010 na Nature, uma das maiores revistas científicas do mundo.

Isso, claro, só é possível graças ao fato do DNA de todos os seres vivos ser composto pelo mesmo conjunto de nucleotídeos (Adenina, Timina, Citosina e Guanina). Esse, aliás, é um dos argumentos que reforça a ideia Darwiniana de origem comum dos seres vivos (de que todos viemos do mesmo ancestral-comum). Se você parar pra pensar, o que é a Endossimbiose senão um evento de Transferência Horizontal de Genes na maior escala possível? Se não lembra, a endossimbiose é o englobamento e a subsequente integração genética de organismos inteiros que deram origem à mitocôndria e ao cloroplasto. Hoje, o que vemos em relação às mitocôndrias e cloroplastos é um nível muito alto de integração genética, de modo que todos os genomas mitocondriais e plastidiais examinados codificam apenas uma pequena fração das proteínas da organela. Isso significa, na prática, dizer que uma mitocôndria ou um cloroplasto, após milhões de anos de relação endossimbionte, não conseguem mais sobreviver por conta própria, fora de um célula. Vale lembrar que antes de chamarmos de mitocôndrias ou cloroplastos, essas organelas eram bactérias de vida livre, mais provavelmente proteobactéria e uma cianobactéria, respectivamente. Essa integração se deu, em grande medida, pela transferência maciça de genes desses endossimbiontes para a célula "hospedeira". Por ser um fator muito importante na ecologia de procariotos, como explicamos no quadro acima, por muito tempo o estudo de THG em eucariotos ficou de lado. Mas nos últimos anos muitas descobertas sobre como esse fenômeno impacta o grupo dos eucariotos vieram à tona, nos mostrando que o buraco é bem mais embaixo.

Você já ouviu falar na Wolbachia? É um gênero de bactérias que infectam mosquitos e outros artrópodes. A infecção bacteriana adquirida pelo mosquito faz com que ele reduza a transmissão de doenças como febre amarela, Zika Virus, Dengue e Chickungunya. A FIOCRUZ cultivou mosquitos infectados com Wolbachia e realizou a soltura de milhões de espécimes no Rio de Janeiro. Em alguns estudos no exterior foi encontrada uma cópia completa do genoma de Wolbachia no genoma de uma mosca da fruta, apesar de somente 2% dos genes transferidos terem sido transcritos. 

Por exemplo, alguns organismos que se tornaram ecologicamente especializados são ricos em genes transferidos horizontalmente, e os genes que permitem tais adaptações parecem estar entre os mais comumente adquiridos. Parasitas anaeróbicos que dependem da fermentação tendem a conter muitos genes procarióticos relacionados à fermentação ou a outros aspectos do metabolismo anaeróbico e, em alguns casos, o mesmo gene foi adquirido de diferentes bactérias em eucariotos anaeróbicos. Isso sugere que as diferentes linhagens se adaptaram ao ambiente anaeróbico emprestando genes de bactérias que tinham essa finalidade no metabolismo bacteriano.

A adaptação ao parasitismo também pode favorecer a aquisição de novos genes por THG. As vantagens ecológicas que o THG pode conferir durante um período de adaptação, como se tornar anaeróbico ou parasitário, são óbvias (e isso não se restringe aos genes bacterianos), mas isso não implica que o THG esteja associado apenas a adaptações extremas. Foi relatado que o genoma de Dictyostelium discoideum, por exemplo, possui 18 casos potenciais de genes bacterianos, muitos deles relacionados à vida no solo (por exemplo, enzimas para degradar as paredes celulares bacterianas e genes de resistência a toxinas).

Em um caso interessante, 11 genes de fungos filamentosos foram encontrados em oomicetos (algas), e como muitos deles têm funções importantes obtenção de nutrientes dissolvidos por osmose, isso levou à conclusão de que o THG participou da adaptação à patogênese das plantas nos dois grupos.

O padrão ouro para identificar THG com confiança é a incongruência filogenética - isso ocorre se houver um forte conflito entre as filogenias do gene e do organismo. Entretanto, o número de genes bacterianos em qualquer genoma nuclear provavelmente será o somatório complexa de múltiplos fatores que afetam a probabilidade de aquisição de genes bacterianos, sua fixação e persistência. 

Dictyostelium discoideum é um protozoário amebóide que vive no solo

Reprodução assexuada em animais e plantas

A bananeira é uma planta que se reproduz muito de forma assexuada. Cada bananeira que você está vendo na foto é na verdade somente a folha (mesmo o que você acha que é caule, na verdade é folha). Cada uma delas é exatamente idêntica à sua vizinha pois são, na verdade, todas folhas da mesma planta, que estão ligadas por um único caule subterrâneo chamado rizoma.

Como já citei, a reprodução assexuada foi a primeira a surgir na história da vida na Terra. Então, todos os primeiros organismos se multiplicavam gerando cópias idênticas de si próprios. A reprodução sexuada é algo que só surge em organismos pluricelulares, bem depois na história evolutiva. Por centenas de milhões de anos vivemos o reino da unicelularidade na Terra e, por consequência, da assexualidade.

Ao contrário do que muita gente pensa, a evolução não trabalha substituindo estratégias e estruturas anteriores por novas, eliminando as antigas. Aliás, pra algo que surgiu, desaparecer, leva muito tempo e na maioria das vezes nunca desaparece. Ou seja, o fato de surgir a reprodução sexuada, com gametas, hormônios, gônadas e todas as estratégias comportamentais pra encontrar um parceiro, não elimina a possibilidade da reprodução assexuada continuar existindo não só nos organismos que já a faziam, mas de se manter em novos organismos que surgirem. 

Portanto, existe uma gama imensa de animais e plantas que, além de realizarem reprodução sexuada, que é a mais comum nesses grupos, têm na reprodução assexuada uma estratégia para continuar sobrevivendo em tempos onde achar um parceiro estiver muito difícil ou que seja necessário se multiplicar rapidamente para fugir de determinada condição adversa. Ter os dois tipos de reprodução é muito interessante pois o organismo pode ter as vantagens de ambas: rapidez e pouco uso de energia quando faz uma e variabilidade genética quando faz a outra. Vou falar agora sobre como e em que tipo de situações animais e plantas lançam mão de reprodução assexuada e qual vantagem isso possui para ele ou ela, segue aí:

Esporulação

Esta estratégia pode ser utilizada por fungos, algas e plantas. Esporos são células especializadas que carregam uma cópia do DNA do organismo. São muito competentes para resistir à condições adversas e/ou para se dispersar por longas distâncias, já que esporos são microscópicos, logo leves, podendo ser carregados pelos ventos. A produção de esporos, em briófitas (aquelas plantas que conhecemos como musgos) faz parte do seu ciclo de vida, que tem uma fase sexuada e uma fase assexuada. Como elas são poiquilohídricas, ou seja, não controlam a perda de água, ressecam com muita facilidade (mas não necessariamente morrem, tá?). Essa característica fisiológica da poiquilohidria faz com que ela lance mão de estratégias específicas, como: viver mais constantemente perto de lugares úmidos, ser tolerante à dessecação e também completar o ciclo de vida antes da estação seca, gerando esporos resistentes à essa condição.

Esporo de uma briófita (Fontinalis squamosa) germinando. Microscopia Eletrônica. Foto por Glime. Retirado de Bryophyte Ecology.

Esse fofíssimo aí é o Dragão-de-komodo.

Partenogênese

Partenogênese é um tipo de reprodução assexuada onde as fêmeas produzem filhotes a partir de óvulos não fertilizados. É observado em rotíferas (falamos deles lá em cima), pulgões, algumas abelhas, formigas, vespas e até mesmo em alguns vertebrados, como alguns lagartos e peixes. Já foi observado em dragão-de-komodo e em uma espécie de tubarão-martelo também, cujas fêmeas foram isoladas de machos e mesmo assim conseguiram produzir descendentes. Para explicar o mecanismo, vou utilizar o exemplo mais clássico, que são as abelhas. Isso não quer dizer que todos os mecanismos partenogênicos sejam idênticos, tá? Você vai precisar saber o que é diplóide e haplóide pra entender bem. Se não lembra, dá uma passada lá na seção de genética ou dá um google aí!

No caso das abelhas, todas as fêmeas são diploides, oriundas de reprodução sexuada. Você deve saber que as abelhas se organizam em sociedades e que isso implica em uma estratificação social. O interessante que talvez você não saiba é que todas as abelhas são fêmeas, exceto o zangão. Todas as operárias são fêmeas e a Rainha também é fêmea. O Zangão é o único macho da colmeia. Ele só cruza com a Rainha e o resultado desse cruzamento é 100% fêmeas. Isso ocorre pois o espermatozóide do zangão é haplóide e o óvulo da abelha rainha também é haplóide. Na fertilização se forma um zigoto diplóide, que será uma fêmea já que, repetindo, todas as fêmeas são diplóides (n + n = 2n). Aí você pode ter algumas perguntas em mente, que já vou adiantar. Como a abelha rainha, que é diplóide, gera óvulos haploides? Por meiose, meu caro. Como o zangão, que é haplóide, gera espermatozóides haplóides? Por mitose, meu caro. O que diferencia a rainha das operárias, se ambas são fêmeas? A alimentação. Enquanto as operárias são alimentadas com mel normal, a rainha é alimentada com geleia real, que tem uma dose de proteína e açúcares muito maior, por isso ela cresce mais e consegue desenvolver seu aparelho reprodutivo. As operárias são estéreis. A rainha, fértil. O que ocorre quando um zangão morre? Quando um zangão morre que entra a partenogênese. Se não tiver ninguém pra fecundar o óvulo da abelha rainha, ele vai se desenvolver mesmo assim, só com metade da quantidade de cromossomos (haplóide) e, assim, formar um novo macho. A grande questão para entender aqui é que, em abelhas, a determinação do sexo (se é macho ou fêmea) é a ploidia. Ou seja, se for hapóide, é macho; se for diplóide, é fêmea;

Brotamento

Também conhecida como gemulação, tem o exemplo mais famoso da Hidra, o animal que mais parece planta, na minha opinião! Mas essa nem é uma das coisas mais interessantes sobre ela, aqui em baixo tem um quadro azul que fala um pouco sobre e também fiz uma postagem no Blog sobre isso. Esse processo basicamente consiste na geração de um broto, que é uma massa de células localizada, que se divide por mitose e gera uma pequena hidra, que em dado momento se separa da mãe e cresce de forma independente. Ele começa com um aumento localizado de uma proteína conhecida como ativador da cabeça (sigla HA, em inglês, de Head Activator). Após a ligação a receptores encontrados na superfície de algumas células localizadas, que são pluripotentes, o HA induz uma série de mudanças químicas que ativa os genes responsáveis ​​pela diferenciação terminal das células nervosas, que por sua vez são responsáveis ​​pelo processo de brotamento na hidra.

Propagação Vegetativa

Cada árvore neste círculo de sequoias cresceu a partir de uma única árvore parental, cujo tronco se encontra no meio desse círculo. Isso por que as sequóias conseguem gerar novos indivíduos a partir de órgãos vegetativos que forem plantados. Já ouviu falar em "plantas que pegam de estaca"? Significa que você pode plantar um galho da planta que ali crescerá uma planta independente, mas geneticamente idêntica à mãe, de onde o galho foi retirado. É assim com a erva cidreira, muitas cítricas. Ocorre um processo de desdiferenciação das células do caule, que podem se rediferenciar em células de raíz para obter nutrientes e fixar a estaca ao solo. A planta nova tem a mesma idade da planta-mãe.

Fragmentação

A fragmentação é um tipo de reprodução sexuada comum em esponjas, hidras, planárias, anêmonas, minhocas e equinodermos (estrelas-do-mar). Consiste na regeneração de membros ou partes do corpo amputadas, gerando dois novos indivíduo, um a partir de cada um dos fragmentos separados. Fica evidente que um processo desses está em curso quando vemos uma cena como a capturada pela foto ao lado. Nela, um dos braços recém-separado de uma estrela-do-mar já adulta (braço maior) está dando origem aos outros braços (braços menores). O mesmo pode acontecer com planárias. Elas, tem uma capacidade regenerativa ainda mais surpreendente: conseguem gerar um organismo inteiro a partir de um fragmento equivalente a 1/220 do tamanho do seu corpo. Se você achou isso incrível, saiba que as esponjas conseguem que reconstruir um corpo funcional a partir de células dissociadas.

Gênero Aspidoscelis e as espécies onde não existem machos

Algumas espécies de lagartos do gênero Aspidoscelis são exclusivamente assexuadas e o mais impressionante: nelas não existem machos. Assim mesmo, esses lagartos apresentam comportamento de corte e acasalamento muito similar àqueles de espécie sexuadas de Aspidoscelis. Durante a estação de acasalamento, uma fêmea de cada par imita um macho. Os membros de um par alternam seus papéis duas ou três vezes durante a estação. Quando o nível de estradiol (estrogênio) está elevado, um indivíduo adota o comportamento de fêmea; quando o nível do hormônio progesterona está elevado, o mesmo indivíduo adota comportamento de macho. Uma fêmea ovulará mais provavelmente se for montada no momento crítico de seu ciclo hormonal; lagartos isolados colocam menos ovos do que os que passam pelos rituais sexuais. Essas descobertas corroboram a hipótese de que esses lagartos partenogênicos evoluíram de espécies tendo dois sexos e ainda requerem certo estímulo sexual para o máximo sucesso reprodutivo.

Pode haver relação evolutiva entre a reprodução assexuada e a Regeneração?

Claro, se você corta uma planária no meio, você vai gerar duas novas planárias inteiras assim que elas terminarem de se regenerar. Isso pode ser considerada uma forma de reprodução assexuada. Mas a pergunta tenta ir mais a fundo que isso. Se pararmos pra pensar, a única diferença entre reprodução assexuada e regeneração parece estar em seus estímulos. Por exemplo, o tipo de proteínas liberadas e o tipo de sinalização química podem ser os mesmos, diferenciando somente o agente que iniciou o processo. Isso indica que as cascatas moleculares que geralmente associamos à regeneração podem ter aparecido antes de tudo como uma maneira de propagar a espécie (reprodução assexuada), e que tais cascatas podem ter sido cooptadas por muitos organismos para lidar com lesões ou qualquer outro tipo de evento catastrófico. A capacidade de desencadear a reprodução assexuada após a amputação tem vantagens adaptativas óbvias e não é difícil entender como essa propriedade poderia ter sido selecionada. Além disso, não precisa viajar demais para pensar em uma explicação sobre como um recurso preexistente, como a reprodução assexuada, poderia ter sido cooptada para um novo recurso, como a regeneração. Então, qualquer que seja a ordem de aparecimento, é interessante de perceber que as vezes o estímulo necessário para a regeneração (lesão) ative as mesmas moléculas mensageiras usadas para mediar a reprodução assexuada. Na hidra, tanto os estágios iniciais da reprodução assexuada (brotação) quanto a regeneração são mediados pelas mesmas proteínas de sinalização. Durante a reprodução assexuada, ocorre um aumento localizado dessa proteína, conhecido como ativador da cabeça (sigla HA em inglês, de Head Activator). Após a ligação a receptores encontrados na superfície das células intersticiais pluripotenciais, o HA induz uma série de mudanças químicas que ativa os genes responsáveis ​​pela diferenciação terminal das células nervosas, que por sua vez são responsáveis ​​pelo processo de brotamento na hidra. Finalmente, o broto emergente acabará se diferenciando e produzindo um organismo novo e completo. Tranquilo de entender, né? A questão é que da mesma forma, sabe-se que a amputação da hidra resulta na liberação de altos níveis do peptídeo HA, que então desencadeia a formação de um broto. No caso, um broto de regeneração que se diferenciará nas partes do corpo ausentes. Em outras palavras, a lesão infligida (amputação) é capaz de ativar a mesma cascata genética normalmente usada para iniciar a reprodução assexuada. Interessante, né?

Se quiser ler o artigo original na qual eu tiro essas ideias, só clicar aqui! Tá em inglês!

Rep Sex

Reprodução sexuada

Como você já sabe ou deve imaginar, a reprodução sexuada é dependente de dois progenitores que, doando uma cópia do seu material genético, formam um indivíduo diferente de qualquer outro que existe, existirá ou já existiu. Charles Darwin já nos havia dado essa noção quando propôs a ideia da descendência com modificação. Para o autor, todos os descendentes, apesar de herdar características dos progenitores, possuiria algumas características novas, que surgem apenas na sua geração. Para a reprodução sexuada, portanto, devemos ter necessariamente dois sexos distintos que, dentro das suas fisiologias, sejam capazes de produzir gametas. Então aqui surgem duas novidades em relação aos indivíduos exclusivamente assexuados: gêneros (macho e fêmea) e gametas. E claro, pelos gametas serem células especializadas, originadas por meiose, a reprodução sexuada só é possível em organismos pluricelulares.

Quando olhamos por uma lupa, a reprodução sexuada pode parecer desvantajosa, já que:
(1) Demanda que o organismo tenha células, tecidos e órgãos especializados na função reprodutiva, o que necessita muita energia;
(2) Demanda busca ativa por parceiro do sexo oposto, já que só é possível na presença do outro (exceto em casos de hermafroditismo);

(3) Normalmente organismos sexuados não se reproduzem durante o ano todo e sim em ciclos, ou seja, não se pode produzir descendentes a qualquer momento;

(4) O tempo de geração de um descendente é maior e há um investimento de energia na gestação e/ou geração de ovos e/ou cuidado com a prole (cuidado parental);

(5) Numa população de 10 indivíduos, 5 machos e 5 fêmeas, para manter a densidade populacional estável, cada fêmea deve gerar dois filhos. Num mecanismo de reprodução assexuada como a fissão binária, por exemplo, se cada organismo gerar dois outros organismos, a população cresce em ritmo exponencial, como vimos lá em cima.

O sexo, portanto, gera uma deficiência reprodutiva em quesito de número e também é muito custoso no quesito energia e tempo. Por que então o sexo é mantido mesmo em espécies animais que podem reproduzir-se assexuadamente? Por que ele está presente nos organismos de maior sucesso evolutivo? A principal razão, sem dúvida, e talvez a mais importante seja a variabilidade genética, que é gerada por três mecanismos exclusivos da reprodução sexuada:

1) Variabilidade de gametas gerado na Meiose. Praticamente todo gameta é gerado por meiose. A meiose, diferentemente da mitose, é uma divisão celular que distribui conteúdos celulares diferentes para cada uma das 4 células-filhas. Com isso, ao formar 4 gametas numa meiose, formam-se 2 tipos de gametas diferentes entre si. Para mais detalhes, leia a seção de Divisão Celular. Quando, na reprodução assexuada são gerados novos indivíduos, o principal processo de divisão celular presente é o de mitose, que gera 2 células-filhas idênticas à célula-mãe. Ou seja, a variabilidade da reprodução sexuada começa no próprio mecanismo de divisão celular que gera os gametas.

2) Possibilidade de crossing over na Meiose. A Meiose ainda pode ser palco de um fenômeno chamado crossing-over ou recombinação, que consiste na troca de um ou mais fragmentos entre cromossomos homólogos. Para mais detalhes, leia a seção de Divisão Celular. Isso pode fazer com que, ao formar 4 gametas numa meiose, em vez de formarem-se dois 2 tipos de gametas (meiose comum) diferentes entre si, como relatei no primeiro item, formem-se quatro tipos de gametas diferentes entre si. Ou seja, quando ocorre crossing-over, um evento de meiose gera 4 células-filhas onde todas elas são geneticamente diferentes umas das outras. O crossing over não ocorre em todos os eventos de meiose, mas ele só ocorre na meiose, nunca na mitose.

Repare que, na meiose, há dois cromossomos que estão com asterisco. Esses são os que sofreram crossing over.

3) Recombinação Gênica no ato da fecundação. Agora pense em gametas maternos produzidos por meiose e gametas paternos paternos produzidos por meiose. Agora pense em quantas combinações diferentes podemos fazer para uni-los. A capacidade de produzir prole diferente entre si é tanta, pelo advento da recombinação, que podemos afirmar com bastante tranquilidade que o seu material genético, por exemplo, nunca ocorreu e nem nunca ocorrerá na história humana. Você é único e não existe absolutamente ninguém com a mesma composição genética que você. Nem seus irmãos. Nem se você tiver um irmão gêmeo.

Autofecundação e hermafroditismo: tem espermatozóide e óvulo, mas não tem variabilidade genética

A reprodução sexuada é muito ligada à variabilidade genética e a assexuada, o oposto. Entretanto, a biologia é rica em exceções e isso é um pouco cansativo, mas também é muito lindo.  Lá em cima falamos de mecanismos não-sexuais que geram variabilidade genética. Aqui, vamos falar de quando atividades sexuadas não geram tanta ou nenhuma variabilidade. O primeiro caso que vai nos ajudar a ilustrar isso é a autofecundação, que não é tão raro de ocorrer em plantas, por exemplo. Conceitualmente, autofecundação consiste no ato do espermatozóide de um espécime fecundar o óvulo do mesmo espécime. Tipo, é a planta se autofecundando. Quando estudamos o trabalho de Mendel, na seção de genética, vimos que a autofecundação foi uma técnica utilizada por ele para gerar estudar as expressões das características. Só que aqui vamos ver como isso ocorre de forma natural. Observe a flor ao lado. Ela possui, na mesma flor, aparelho sexual masculino (as seis estruturas coloridas num vermelho-escuro) e o feminino (estrutura central, de cor amarela). Chamamos essa flor de hermafrodita.

As flores hermafroditas possuem alguns mecanismos para evitar a autofecundação, que não é tão vantajosa por conta da variabilidade genética. Uma delas é a alternância de maturação, onde na época do ano que a parte masculina (androceu) estiver madura, a feminina (gineceu) está imatura e o oposto também ocorre. Outra estratégia é o posicionamento do androceu em relação ao gineceu. Nessa primeira flor, ao passar um polinizador como a abelha ou o vento, por exemplo, grãos de pólen liberados no androceu podem cair no gineceu e a flor se autofecundar de forma 'acidental'. Entretanto, nessa segunda flor isso é impossível, já que o gineceu está acima do androceu. Essa diferença de posicionamento, por mais simples que possa parecer, diminui em muito as taxas de autofecundação numa flor. 

Embora desvantajosa na maioria das vezes, a autofecundação tem a sua importância ecológica. Pense numa queimada que devastou uma parte importante de uma comunidade biológica. O número de espécimes de determinada espécie caiu vertiginosamente. A autofecundação pode ser uma saída para continuar gerando frutos mesmo sem outra planta num raio que o polinizador percorra. Simplesmente, variabilidade genética para aquela planta não é uma prioridade naquele momento.

Para muitos animais, encontrar um parceiro para reprodução sexuada pode ser desafiador. Adaptações que surgiram durante a evolução de algumas espécies respondem a esse desafio de um novo jeito – burlando a distinção entre machos e fêmeas. Uma dessas adaptações surgiu entre animais sésseis (que ficam lá, paradões), como as cracas; animais formadores de toca, como os moluscos; e alguns parasitos, incluindo as tênias. Esses animais têm chances bastante limitadas de encontrar um par. A solitária, então, coitada, foi apelidada dessa forma por nunca, formar um casalzinho. A solução evolucionária nesse caso é o hermafroditismo, em que cada indivíduo apresenta ambos os sistemas reprodutivos, de macho e de fêmea (o termo “hermafrodita” une os nomes Hermes e Afrodite, um deus e uma deusa gregos). O curioso é que os hermafroditas podem ou não ter a capacidade de se autofecundar. Vamos olhar dois casos: 

Hermafroditas insuficientes - Os caracóis, moluscos terrestres, produzem tanto óvulos quanto espermatozoides, mas não têm a capacidade de se autofecundar. Ainda sim necessitam encontrar um parceiro para acasalar. Nesse momento, tanto um coloca espermatozóides no aparelho feminino do outro, quanto o outro coloca espermatozóides no aparelho feminino do um. Sai todo mundo grávide. A mesma coisa acontece com a minhoca, como você pode ver pela imagem ao lado. Nesse caso, é gerada tanta variabilidade genética quanto num sexo entre machos e fêmeas quaisquer. Nessa caso específico, variabilidade genética é tranquilo, mas de qualquer forma, eles têm que encontrar um parceiro para acasalar, o que envolve um gasto de energia.

Hermafroditas suficientes - O melhor exemplo é a tênia. Se você lembrar, um dos apelidos da tênia é "solitária", por que só existe uma no seu intestino. E aí você pode pensar: ué, se ela é solitária, como se reproduz?

Calma, amig@, ela é a prova que há esperança pra você ainda. Você só precisa de duas coisas: ser hermafrodita e conseguir se autofecundar. Então, ela pode até ser solteira, mas solitária NUNCA! Ela mesma 'se engravida'. Se você contrair teníase, vai defecar os ovinhos que ela produziu sozinha! O hermafroditismo é uma importante estratégia reprodutiva, pois no caso dos suficientes, eles podem fecundar a si próprios, não dependendo de busca ativa por nenhum parceiro; no caso dos insuficientes, mesmo que tenham que buscar parceiro, ele não precisa ser de um sexo específico. Pode ser literalmente qualquer outro membro da sua espécie, sem necessidade de ser macho ou fêmea (até por que isso não existe quando estamos falando de hermafroditas).

Por que a reprodução sexuada é tão cara?

E por cara eu to me referindo a custo mesmo. Só que nesse caso não to falando de dinheiro, mas de energia, uma moeda preciosíssima na natureza. Pensa só: para a reprodução assexuada, o custo energético envolve ou apenas uma mitose, no caso de organismos unicelulares, ou de algumas mitoses, ou seja, uma proliferação celular localizada, como é o caso da regeneração, brotamento e propagação vegetativa de organismos pluricelulares. O custo de se reproduzir assexuadamente é o custo de dividir uma ou algumas células do organismo. É o custo energético da mitose. E mais: o organismo pode fazer quando bem entender, não tem que ter um parceiro pra realizar. Entretanto, como já vimos, apesar de rápida e energeticamente econômica, essa forma de gerar novos indivíduos acaba não gerando variabilidade genética para a população, o que torna as taxas de evolução da espécie mais lentas (sim, nem todos os organismos evoluem na mesma velocidade). A reprodução sexuada, ao surgir, gerou uma forma de combinar e produzir variação nunca antes vista na natureza. Entretanto, de cara, a palavra 'combinar' já nos remete à necessidade da presença de dois indivíduos, do sexo oposto, mutuamente férteis e atraídos. Então, muitas modificações relacionadas ao sexo foram sendo selecionadas nos animais. Modificações estas que tornavam a reprodução sexuada cada vez mais, um mecanismo efetivo de reprodução. to me referindo a órgãos específicos para produção de gametas, especializações nos gametas, seleção sexual nos machos, rituais de atração da fêmea, rituais de acasalamento, pra ficar em poucos exemplos.

Olha o vídeo ao lado. Primeira coisa que eu quero que você repare é na duração dele. Esse é um vídeo recortado de um momento que durou muito mais que isso. Esse foi o tempo que esse pássaro, em específico, levou só para preparar um ambiente para atrair uma fêmea e mostrar suas cores, que naquela espécie estão ligadas à capacidade de ser um bom partido, geneticamente falando. A escolha de um bom macho para acasalar tem parâmetros diferentes para fêmeas de espécies diferentes. Aí, eu quero que você pense, ainda levando essa espécie de pássaro em consideração, na energia despendida para produzir estruturas anatômicas relacionadas ao sexo, utilizadas por ele para seduzir e fertilizar a fêmea.

Pense também na energia necessária para produzir milhões de gametas que não têm função alguma para o corpo daquele animal senão a reprodutiva. Pense na energia que ele gasta pra ficar vivo, pois no caso dessa espécie, ser um bom partido também significa chamar bastante atenção de predadores com essas cores chamativas (paradoxo do pavão, que explico na parte de seleção sexual, lá na seção de evolução). Olha quanta energia que é dispendida para conseguir passar seu material genético adiante. Agora que já sabemos as razões pelas quais a reprodução sexuada é tão cara, fica a dúvida: por que ela persiste? A resposta reforça o que já vinhamos falando nessa seção: o custo é compensado pela variabilidade genética, que é um dos motores da evolução, pelo menos em partes.

A variabilidade genética é um fim em si mesma?

Não é possível que um único fator, como a variabilidade genética, compense o custo imensamente grande da reprodução sexuada. Além disso, pra que serve essa variabilidade, afinal? Você dificilmente conseguirá pensar em uma outra vantagem da reprodução sexuada além da variabilidade genética, mas isso não é um problema só seu: a questão de por que o sexo evoluiu é muito antiga e permanece sem solução definitiva para a maioria da comunidade científica. Aqui eu vou te trazer algumas razões que foram levantadas como suposições e que são relativamente aceitas. Entretanto, não são consensuais, então, deixamos como uma questão em aberto: por que existe sexo?

  1. Limpeza genômica - Vamos pensar no mecanismo de reprodução assexuada. Em caso de mutações prejudiciais ou erros na hora de dividir a célula, todas as células filhas carregarão exatamente o mesmo erro e se formará uma linhagem que possui aquele erro. Ou seja, todos os descendentes que nascerem daquela linhagem terão esse erro. Uma das teorias para o mantimento da reprodução sexuada como uma característica vantajosa é de que, na hora de formar descendentes através da combinação de metade do material genético de cada genitor, a metade aleatoriamente selecionada para formar um dos gametas poderá não conter aquela mutação ou aquele erro de replicação. Ou seja, somente na reprodução sexuada, existe a possibilidade de um genitor que possua erros genéticos, doenças genéticas ou mutações deletérias não passar isso para o filho. Na reprodução assexuada isso é impossível. Então o modo sexuado e a sua recombinação promovem a possibilidade de 'limpeza genômica' nos descendentes.

  2. Resiliência - A diversidade genética que uma população possui ajuda na sua recuperação caso ocorra um desastre natural, por exemplo. Resiliência é a capacidade de, após um distúrbio, recuperar os parâmetros populacionais que existiam antes dele. A diversidade é essencial para isso, embora o efeito de deriva genética possa atuar ali, prejudicando essa capacidade. Um artigo de professores da UFF justificam isso através de modelos matemáticos comparando a resiliência em reprodução sexuada e assexuada.

  3. Desafios coevolutivos - Um dos maiores desafios à estabilidade populacional são as doenças. Provocadas por parasitos, vírus, bactérias, fungos, protozoários, animais e daí em diante. As mortes por doenças, principalmente a contagiosas, diminuem muito as populações de seres vivos e a capacidade de responder a elas depende muitas vezes da idade, estado de saúde do indivíduo, mas também existe um componente genético. A variabilidade genética dá aos organismos a possibilidade de responder à doenças de mais formas e também de resistir, enquanto população, à presença de uma doença. Isso, pois quando falamos de variabilidade genética podemos falar sobre um indivíduo único ou de uma população (que é o que chamamos de pool gênico). Então, os desafios que as doenças causadas por outros seres vivos e vírus nos causam fazem a variabilidade genética ser um precioso aliado para superá-los, principalmente por que a velocidade de modificação desses agentes etiológicos é, por vezes, assustadoramente alta.

Rituais de acasalamento: cores, danças e sons

Rituais de acasalamento são momentos fascinantes da vida animal, onde os machos realizam algumas peripécias para chamar atenção e conquistar uma parceira para o acasalamento. Para chegar a ter uma chance de mostrar seus dotes para as fêmeas, as vezes os machos entram em verdadeiras batalhas com outros machos para conseguir o domínio territorial. Mais do que explicar sobre alguns desses rituais, eu trouxe vídeos. Vou deixar esses animais falarem por si.

Resuminho pra não se confundir...

  • Reprodução é a geração de novos indivíduos a partir de um progenitor (assexuada) ou de dois progenitores (sexuada).

  • Existem organismos que realizam somente reprodução assexuada (bactérias, alguns fungos, etc), outros que realizam os dois tipos (ex: muitas plantas, alguns fungos, abelhas, etc) e outros que realizam somente reprodução sexuada (ex: cães, primatas, baleias, etc).

  • Independente do tipo de reprodução que realizam, todos os grupos de seres vivos já foram documentados em eventos de Transmissão Horizontal de Genes, que consiste na incorporação de material genético de outro organismo, no seu próprio material genético.

  • A Transmissão Horizontal de Genes não é considerado um evento de reprodução, apenas um mecanismo que agrega diversidade genética.

  • A variabilidade genética é uma característica mais presente nas estratégias de reprodução sexuada, já que esta conta com recombinação de gametas. Entretanto, alguns organismos sexuados têm a capacidade de se autofecundar, o que prejudica o quesito 'variabilidade genética', mas tem outras vantagens também.

determinação do sexo

Compreensões passadas sobre a determinação do sexo

Briquet, em 1955, escreve em seu livro "Crendices Biológicas à Luz da Genética" que mais de 500 hipóteses que já foram aventadas sobre a determinação do sexo. Isto é, compreensões de povos e culturas mais antigas sobre o que determinava o sexo de um filho. Aristóteles, por exemplo, acreditava que apenas o macho era responsável pelo sexo, que impunha na fêmea a formação de um novo ser. A fêmea era entendida como um receptáculo, um molde. O óvulo, pra ele, era uma célula que nutria o embrião. Aristóteles também acreditava que alguns eventos externos podiam agir sobre a determinação do sexo. Por exemplo: se o dento soprasse para o sul, o resultado seria uma filha, se soprasse vento norte, um filho. O curioso é perceber como que as herança dos papéis de gênero socialmente construídos se manifestam nesses pensamentos, nessa compreensão sobre a biologia dos organismos e o mundo natural, né? Outras ideias aventadas à épocas mais antigas era de tudo que aquece o sangue (clima quente, álcool, carne) agiria para formar um macho e que caso o ato sexual fosse realizado na lua crescente, o filho seria macho. Para Anaxágoras, o homem possuía dois tipos de sêmens alojados nos testículos. Se o óvulo fosse fecundado pelo sêmen do testículo direito, nasceria um macho; se fecundado por sêmen do testículo esquerdo, nasceria uma fêmea. Hipócrates também acreditava nisso, e ainda acrescentava que os líquidos seminais se diferenciavam em potencia. Adivinha quem eles acreditavam ser o líquido seminal mais forte? Sim, o do testículo direito. Aquele que originava o macho. O macho é sinônimo de força desde tempos muito antigos e, é claro, que isso afeta a compreensão sobre a constituição biológica dos sexos. 'Se ele demonstra ser mais forte, deve ter algo na sua biologia que o faz assim'.

O que faz um organismo macho ou fêmea? Claramente existe um conjunto de estruturas que designam biologicamente um macho e uma fêmea, como genitália e características sexuais secundárias (mama, pelos, tamanho do corpo, etc). Isso, óbvio, é mediado por substâncias como hormônios e enzimas que, no fim das contas, são produzidos por ordem dos genes, que estão nos cromossomos. Eita. O que quero dizer é que as características sexuais dos organismos sexuados são designadas geneticamente, principalmente nos cromossomos sexuais (mas não só, os outros cromossomos também participam, tá?). Aqui vamos conhecer mecanismos diversos de determinação do sexo pra que você veja que existe uma variedade bem grande deles e que até mesmo em humanos, nem sempre machos são XY e fêmeas XX. Além disso, macho e fêmea nem sempre são os únicos 'sexos'. Ficou curiosa(o)? Dá uma olhada, são 5 tipos:

Conhecimento também serve pra você não passar vergonha na internet!

"É menino ou menina, doutora?" 
Mecanismos de determinação do sexo em animais

(A) No caso da partenogênese realizada pelas abelhas (Apis mellifera) o mecanismo de determinação do sexo é a ploidia. Se estamos falando de um indivíduo haplóide, se trata de um macho. Se estamos falando de um indivíduo diploide, se trata de uma fêmea. Isso depende, como expliquei acima, da condição da fêmea em fertilizar seus óvulos ou não.

(B) No caso de algumas espécies de tartarugas, o mecanismo depende da temperatura que os ovos vão ficar quando elas os enterrarem na praia. Se trata de um mecanismo ambiental de determinação do sexo. Se a temperatura do ambiente estiver acima de 30ºC, se desenvolverão tartarugas fêmeas, se estiver abaixo de 30ºC, os filhotes serão machos. Vamos explorar mais mecanismos ambientais de determinação do sexo no próximo quadro, falando sobre organismos que mudam de sexo ao longo da vida!

(C) A gente pode ter a determinação do sexo através de cromossomos sexuais simples, que é quando um dos pares de cromossomos de um indivíduo designa a condição de macho ou fêmea. No caso de esquistossomos e na maioria dos répteis, aves e lepidópteros (família das borboletas e mariposas), os machos são ZZ e a fêmeas ZW. No caso de dípteros (família das moscas), mamíferos e na maioria das plantas que apresentam cromossomos sexuais, as fêmeas são XX e os machos XY. Perceba que inverteu, né? No mecanismo ZW de determinação, os machos são homogaméticos (têm os dois cromossomos sexuais iguais) e, no mecanismo XY as fêmeas que são homogaméticas. Como a biologia não é uma ciência exata, nem sempre é um par de cromossomos que designa o sexo. Por vezes, a quantidade de cromossomos sexuais é o que influencia. Por exemplo: Em algumas aranhas e na maioria dos insetos, especialmente, odonatas (família das libélulas), ortópteros, hemípteros e heterópteros, as fêmeas possuem dois cromossomos X (XX) e os machos apenas um (X0). Já em algumas espécies de mariposas e alguns outros insetos é o contrário, os machos possuem dois cromossomos X (XX) e as fêmeas apenas um (X0). Nesses casos não existe cromossomo Y.

(D) A gente pode ter também a determinação do sexo através de cromossomos sexuais múltiplos, que é quando mais de dois cromossomos designam o sexo do animal. Em aranhas, por exemplo, enquanto fêmeas possuem dois pares de cromossomos X (XXXX), machos possuem um par (XX). Outros exemplos estão no quadro ao lado.

(E) Também existe determinação do sexo por balanço gênico, que é um pouco complexo de entender. Você vai precisar lembrar o que são cromossomos sexuais e autossomos. Por exemplo: nós temos 23 pares de cromossomos, certo? Desses 23, 22 são autossomos e 1 par é sexual (que é o bendito do XY ou XX). Pois nas moscas-da-fruta o sexo é definido pela razão do número de cromossomos sexuais pelo número de autossomos. Vamos supor que o organismo tenha 1 cromossomo sexual e dois autossomos. 1/2 dá 0,5, o que configura um macho normal. Mas se ele tiver um autossomo a mais, já fica 1/3, o que o faz um metamacho. Doideira demais!

Usei como fonte para esse texto, o site https://scientificwomen.net/

Nettie Maria Stevens (1861-1912) foi uma das primeiras geneticistas estadunidenses. Em 1905, um artigo da cientista rendeu um prêmio de 1.000 dólares pelo melhor artigo científico escrito por uma mulher. Sim, tinha uma categoria. Em 1906, ela descobriu que os besouros machos produzem dois tipos de esperma, um com um cromossomo grande e outro com um cromossomo pequeno. Quando o espermatozóide com o cromossomo grande fertilizou óvulos, eles produziram uma prole feminina, e quando o espermatozoide com o cromossomo pequeno fertilizou os óvulos, eles produziram uma prole masculina. Esse padrão foi observado em outros animais, incluindo humanos, e ficou conhecido como sistema de determinação de sexo XY.  Usando observações de cromossomos de insetos, ela descobriu que, em algumas espécies, os cromossomos são diferentes entre os sexos. A descoberta foi a primeira vez que diferenças observáveis ​​de cromossomos podem estar ligadas a uma diferença observável em atributos físicos (isto é, se um indivíduo é homem ou mulher). Ela identificou o cromossomo Y na larva da farinha, um genero de besouros chamados de Tenebrio. Ela deduziu que a base cromossômica do sexo dependia da presença ou ausência do cromossomo Y. Ela expandiu com sucesso os campos da genética, citologia e embriologia.

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Nettie Stevens e a determinação XY

Thomas Hunt Morgan tem o crédito de descobrir os cromossomos sexuais, embora nessa época ele discutisse com Edmund Wilson e Nettie Stevens por discordar de suas conclusões e a interpretação de Nettie. O reconhecimento de Morgan veio em parte por seu trabalho com linhas sexuais de um gene de moscas de frutas e acabou agraciado com o Prêmio Nobel em 1933. Nettie não foi reconhecida por sua descoberta nem mesmo na época em que publicou seu trabalho. Enquanto Morgan e Wilson eram convidados a palestrar sobre suas teorias a respeito da determinação do sexo, em 1906, Nettie não recebeu convite algum. Wilson não identificou o cromossomo Y, nem o X e nem deduziu que ele é o responsável pela determinação do sexo, enquanto Nettie observou os dois cromossomos, concluiu e publicou sua pesquisa. Antes de ler os artigos de Nettie, inclusive, ele acreditava que fatores ambientais tinham papel na determinação do sexo

Razão sexual e Princípio de Fisher (1930)

No seu livro "Descendente do Homem" Charles Darwin  reconhece a proporção entre os sexos como um parâmetro importante, que é controlado pela seleção natural também. Você talvez esteja estranhando a existência desse post pois, se a genética prevê os mesmos 50% de chance de nascimento para cada sexo, a proporção esperada na população é sempre de metade machos e metade fêmeas, certo? Entretanto, em algumas espécies há um predomínio significante de machos ou de fêmeas sobre o sexo oposto, como é o caso de abelhas e muitos outros. Essa é mais uma prova de que a dinâmica de uma população não depende somente da determinação genética, mas de um conjunto de fatores ambientais e forças evolutivas.

Fisher (1930) propôs que uma razão sexual simétrica (1:1) poderia ser atingida por seleção que favorecesse aquele sexo menos frequente. Pra você entender melhor, imagine que numa população o nascimento de machos seja menos frequente que o de fêmeas, tipo a cada dez nascimentos, são 9 fêmeas e 1 macho. Nesse caso, os machos tem uma maior participação na prole seguinte do que as fêmeas, proporcionalmente falando. Sabe por que? Por que as nove fêmeas, para acasalarem, vão fazê-lo com esse macho. Então, se cada uma tiver 2 filhotes, teremos 18 novos integrantes na população onde todos têm os genes do macho, mas só 2 tem os genes de cada uma das fêmeas. 

Vamos olhar agora pra essa prole de 18 que foi gerada. Dela, ainda preservando a proporção da população, são 16 fêmeas para 2 machos. Se alguma modificação surge nesses machos que faça a tendência de nascimentos se inverter, tipo, a partir de agora a cada 10 nascimentos, nascem 9 machos para uma fêmea, teremos essa como uma mutação altamente desejável pra população, já que aumentar o número de machos pode garantir mais acasalamentos ou qualquer outro fator positivo que for. O fato é que a relação entre machos e fêmeas se inverterá e, com o passar de algumas gerações terá um número de machos muito maior do que o de fêmeas. Com isso, essa mutação deixa de ser desejável e passa ser seletivamente indesejada. Se alguma mutação surgir para inverter essa ordem, ela será altamente desejável e a proporção se inverterá de novo. Claro que esse é um exemplo exagerado, mas serve pra ilustrar o mecanismo proposto por Fisher, ainda muito aceito no meio científico. Sua conclusão é que essa gangorra fica acontecendo até que uma mutação que influencie uma relação 1:1 entre machos e fêmeas surja, já que à medida que a proporção sexual se aproxima de 1:1, a vantagem associada com a produção preferencial de qualquer um dos dois sexos acaba. A razão sexual simétrica é uma Estratégia Evolucionariamente Estável.

O argumento de Fisher também pode ser resumido no seguinte postulado: "Em qualquer população que se reproduz sexualmente, metade dos genes vem de cada sexo, independentemente de sua raridade. Se o sistema de determinação do sexo gerar proporções desiguais, o sexo raro será efetivamente mais fértil como resultado de uma maior contribuição per capita para a próxima geração. Consequentemente, os indivíduos que investem seu esforço produtivo no sexo raro serão mais representados no pool genético das próximas gerações. Se esse investimento for uma característica hereditária, os alelos que o causam se espalharão na população até a obtenção de um número igual de homens e mulheres. Nesse ponto, é indiferente investir em filhos ou filhas".

O argumento anterior assume um custo igual de filhas e filhos. Se isso não acontecer, como se por exemplo, as filhotes fêmeas demandarem o dobro de cuidado por alguma razão, é necessário apenas substituir "número igual de homens e mulheres" por "investimento igual em homens e mulheres". Por exemplo, se as mulheres custam o dobro do que os homens, o desequilíbrio previsto é de dois machos para uma mulher, já que o custo do macho é 2x menor.

Esse princípio serve para explicar a universalidade da relação 1:1 entre machos e fêmeas de uma população, embora nem toda prole que nasça seja constituída de 50% machos e 50% fêmeas. Entretanto, existem algumas exceções à regra, como é o caso das abelhas, vespas e formigas. No caso delas, os desvios desta proporção são freqüentemente atribuídos a fatores ecológicos, fisiológicos e comportamentais.

Ecologia e fisiologia da mudança de sexo

No mundo dos animais não-humanos a mudança de sexo é uma estratégia evolutiva importante que tem vários efeitos ecológicos pra espécie, no sentido de sobrevivência. É importante saber que nem sempre mudar de sexo tem a ver com ser hermafrodita. Animais que mudam de sexo podem até ser hermafroditas, mas só possuem um aparelho (ou o feminino ou o masculino) funcionando de cada vez. Essa mudança pode acontecer uma vez única ou mais de uma vez na vida do animal, como nas ostras e vieiras. Vamos trabalhar com exemplos.

Nas garoupas, verifica-se um tipo de hermafroditismo, mas apenas um dos tipos se encontra ativo num determinado momento. Normalmente, o animal atinge a maturidade sexual com um determinado sexo e, no processo de crescimento, as gônadas convertem-se no outro sexo e tornam-se ativas mais tarde. No Semicossyphus reticulatus, um peixe asiático conhecido como Kobudai, todas as fêmeas que atingem certa idade e tamanho tendem a se tornar machos. Assistam o vídeo ao lado para conhecer mais detalhes!

Por vezes a mudança de sexo pode ser utilizada por algumas espécies para equilibrar a taxa de machos e fêmeas na população ou para preencher vagas ociosas na liderança do grupo.

Cena que Coral (mãe de Nemo) morre.

No caso do Peixe-palhaço (nosso querido Nemo), a liderança é matriarcal, ou seja, está sempre nas mãos de uma fêmea dominante. No caso de sua morte, para manter a estrutura matriarcal, um dos machos (normalmente o dominante) muda seu sexo para o feminino. Ele aumenta de tamanho (as fêmeas são maiores) e passa a se reproduzir como uma fêmea. Então, o ciclo continua à medida que o macho não dominante do grupo, se transforma em um macho dominante. Ocorre que os peixes-palhaços são hermafroditas sequenciais, ou seja, alternadamente conseguem mudar de sexo, mas nunca conseguem ser dos dois sexos ao mesmo tempo. Portanto, se ocorresse na vida real o que aconteceu no filme “Procurando Nemo” (2003), quando a matriarca da família foi morta, o percurso natural que o pai (Marlyn) deveria seguir era transformar-se em uma fêmea, e a seguir, copular com o seu filhote (Nemo). Acho que a criançada não ia curtir muito.

As 'estrelas' do sexo: os gametas

Para toda mensagem importante devemos escalar mensageiros competentes. E se há algo de mais importante para um ser vivo do que o seu código genético, eu desconheço. Os gametas são as células que saem do seu corpo levando seu material genético e com a capacidade de, combinado com outro gameta do sexo oposto, gerar um indivíduo que é uma mescla genética de vocês dois, uma combinação única e inédita de genes, que nunca foi visto na Terra. Olha que grande isso. Então, havemos de esperar que os gametas sejam células incrivelmente especializadas e absurdamente complexas, certo? Certo! Vou pegar os gametas humanos como referência para mostrar a ponta do ice berg pra vocês. Vamos começar pelo espermatozoide. Já falamos na seção de Divisões Celulares sobre espermatogênese e gametogênese, mas não falamos sobre o gameta em si, nem sobre como é o processo de especialização/diferenciação. Os espermatozóides, na fase de maturação, dispensam a maior parte das suas organelas, restando apenas aquelas que tem relação direta com a função de "entregar a mensagem genética mais rápido possível ao óvulo". As organelas que ficam são: 

(A) Mitocôndrias, que se acumulam perto da cauda e produzem muita energia para sua movimentação

(B) Núcleo, que envolve e protege o seu material genético (apesar de se condensar e ficar bem pequeno)

(C) Complexo de Golgi, que formará a vesícula acrossômica. A vesícula acrossômica localiza-se em uma região do espermatozóide chamada de acrossomo, o topo do topo, onde se produzem diversas enzimas que realizam a reação acrossômica (que torna possível a passagem do espermatozóide pela zona pelúcida do ovócito).

O mais provável que esta eliminação de organelas, fruto de uma especialização celular para a função de fecundar, se dê para agregar leveza e agilidade à célula reprodutiva do macho. É importante frisar, ainda, que os centríolos também permanecem, sendo isso determinante para a conclusão da meiose II do ovócito, como vimos em Divisões Celulares.

Outro processo que faz parte do desenvolvimento dos espermatozoides é o processo de CAPACITAÇÃO, mas este só ocorre no útero e tubas uterinas da mulher, após a ejaculação. Nele, ocorre a remoção de glicoproteínas seminais e proteínas do plasma seminal da membrana celular dos espermatozoides, expondo os sinalizadores que ficam na membrana do espermatozóides e auxiliam no reconhecimento dele pelo óvulo. O processo dura em torno de sete horas e, além das alterações metabólicas, ocorre a hiperativação da motilidade (ou seja, a cauda bate muito mais  freneticamente) e ativação da acrosina (aquela bolsa de enzimas que falei ali em cima). Então, em resumo: a espermatogênese ocorre nos testículos, a maturação nos epidídimos (somando-se um total de aproximadamente dois meses) e a capacitação já no sistema reprodutor feminino (útero e tubas uterinas), após a ejaculação.

Já os ovócitos, gameta feminino, são células especializadas para receber o espermatozóide e iniciar o desenvolvimento. Seu núcleo é haplóide, assim como o do espermatozóide. Imediatamente anterior à membrana plasmática do ovócito existe uma fina camada de um citoplasma mais denso chamado córtex. Nesta região existe uma alta concentração de moléculas globulares de actina. Na fertilização, estas células se polimerizam para formar microfilamentos de actina necessários à divisão celular, conforme já falei na parte de citologia. São úteis também para estender a superfície do óvulo, ajudando a entrada dos espermatozóides para dentro da célula.

O óvulo trabalha sem espaço para erros em duas questões: a primeira é evitar a poliespermia, que é quando o ovócito é fecundado por mais de um espermatozóide; a segunda, garantir a ligação espécie-específica, que consiste em só deixar entrar um espermatozóide que pertença a um macho da mesma espécie que a fêmea. Esse é um dos fatores, inclusive, que dificulta a existência de organismos híbridos na natureza.

Para evitar a poliespermia, o óvulo acumula, na região do córtex, grânulos corticais, que contém enzimas e mucopolissacarídeo. Há um outro local onde o ovócito trabalha para anular a poliespermia, que é no envoltório vitelínico que existe do lado de fora da membrana da célula, a Zona Pelúcida. Existem, ali, glicoproteínas, pontes proteicas, fibras e outras estruturas que, ao receberem a sinalização química de que o óvulo foi fecundado, bloqueiam a passagem de quaisquer outros espermatozóides. Essa região também ajuda na ligação espécie-específica, que depende principalmente de um reconhecimento químico entre sinalizadores na membrana do espermatozóide e sinalizadores na membrana do ovócito.
Em resumo, os ovócitos são altamente especializados, podendo governar ações celulares de atração do espermatozoide por fatores quimiostáticos, reconhecimento espécie-específico e impedimento da poliespermia. Estes fatores se tornam ainda mais cruciais se pensarmos em animais que possuem fecundação externa (diversos invertebrados marinhos e diversos peixes ósseos, anfíbios, etc), já que ambos os sexos liberam seus gametas na água e a união destes fatores se torna vital para a fertilização ser bem sucedida

Antes de chegar no óvulo um espermatozóide precisa passar por muita coisa. Repare na quantidade de material em volta do óvulo propriamente dito. 

Fertilização: o encontro dos gametas

A fertilização, também chamada de fecundação, é o nome dado ao encontro do gameta feminino com o masculino de uma espécie. Esse encontro pode se dar dentro ou fora do corpo de uma fêmea. Nas espécies com fertilização externa, tanto a fêmea quanto o macho liberam os ovos no meio ambiente, onde ocorre o encontro. Outras espécies apresentam fertilização interna: o esperma é depositado dentro ou próximo do trato reprodutivo da fêmea, e a fertilização ocorre dentro desse sistema. Aqui, há algumas coisas importantes para abordar:

  • A fertilização externa quase sempre demanda um meio aquático ou semi-aquático para ocorrer. Tanto para que os gametas não desidratem quanto para que o espermatozóide tenha capacidade de 'nadar' até o óvulo. Então, o mais comum, pela lógica inversa, é que animais que realizam fecundação externa sejam aqueles vivem dentro ou perto de corpos d'água, como muitos peixes, anfíbios e invertebrados marinhos. 

  • Como consequência do primeiro ponto, a fertilização interna surgiu como uma das dezenas de adaptações que os animais sofreram na conquista da terra firme. Ao inserir os gametas dentro do trato reprodutivo da fêmea, o macho tem maior garantia de que a fertilização vai ocorrer de fato, e que seus gametas estarão protegidos no melhor lugar possível contra desidratação e predadores: dentro do corpo de outro ser vivo. Sim, gametas e embriões nos estados iniciais de desenvolvimento são o prato principal na dieta de algumas espécies.

  • Por conta disso, em geral, a fertilização interna é associada à uma produção de gametas menor do que a fertilização externa, (por apresentar resultados maiores na sobrevivência de zigotos). Ou seja, é necessária uma quantidade muito menor de gametas para garantir a fertilização, se estamos falando da interna. Por isso, diminuições no número de gametas foram positivamente selecionadas em animais que realizam esse tipo.

  • Além de energeticamente mais econômica, como já citei, a fertilização interna também é associada com mais frequência a mecanismos que produzem maior proteção dos embriões e cuidado parental dos filhotes. Podemos comparar os ovos de animais com fertilização externa com aqueles de fertilização interna, por exemplo. Ovos de aves possuem uma casca rígida, que protege o embrião da desidratação, choques mecânicos e predadores. 'Ovos' de peixe ou de anfíbios são nada mais do que uma capa gelatinosa que envolve o embrião, e carece de membrana. Em relação ao cuidado parental (pais cuidando dos filhotes), a tendência é que animais de fertilização interna a pratiquem mais do que aqueles de fertilização externa. Pense: se na fertilização interna o embrião não apenas é gerado mas como se desenvolve a partir dos nutrientes cedidos pela mãe ou se desenvolvem longe da mãe, mas a partir de nutrientes por ela colocados em um ovo, é de se entender que existe aí um grande investimento energético na geração desse filhote por parte das fêmeas, certo? Por isso, cuidar dos filhotes até que eles garantam independência para disputar sua própria sobrevivência, é uma forma de valorizar o seu investimento. E, claro, que isso é mais facilmente viabilizado pelo fato de animais com F. interna terem prole menos numerosas, ou seja, menos filhotes, Mas claro que existem exceções: alguns animais com fertilização externa possuem estratégias de cuidado parental muito interessantes. Trouxe ao lado vídeos que mostram esse cuidado em peixes-palhaço e anfíbios.

  • A quinta e não menos importante observação, é que, quando pensamos fertilização externa, temos que entender também algumas estratégias adaptativas para evitar que ocorram duas coisas: a fertilização entre espermatozóides e óvulos de espécies diferentes e a fecundação de um óvulo por dois ou mais espermatozóides (poliespermia). Para evitar a fertilização entre espécies diferentes e a hibridação, podemos pensar em pelo menos duas barreiras: a primeira, os receptores na membrana do óvulo e do espermatozóide, que variam entre as espécies. O espermatozóide só consegue penetrar se houver reconhecimento citoquímico com o óvulo. Animais de fecundação externa, como peixes e anfíbios, necessitam de mecanismos facilitadores para o reconhecimento dos gametas a distância, como por exemplo a liberação de pistas químicas que atraem os espermatozoides aos ovócitos da mesma espécie.
    A segunda, o número de cromossomos entre as espécies varia. A quantidade de material genético diferente faz com que alguns cromossomos não tenham par homólogo, o que faz com que, mesmo que ocorra fecundação por espécies diferentes, o embrião não consiga se desenvolver.  Pra evitar a poliespermia, ocorrem duas reações: uma rápida, iniciada pela entrada de sódio na célula que configura uma mudança elétrica na membrana plasmática do ovócito, e outra mais lenta denominada reação cortical, uma reação de liberação dos grânulos corticais presentes no citoplasma do ovócito que altera as propriedades físicas da zona pelúcida, deixando-a impermeável.

Resuminho

Como se trata de um resumo, esse quadro tem algumas generalizações

Ovos que não servem à reprodução ou ovos que até serviriam, mas viraram almoço

Algumas espécies, como os sapinhos do vídeo acima, colocam ovos que não servem para reprodução diretamente, ou seja, para gerar descendentes. É o caso de algumas formigas e abelhas, cujos ovos produzidos por operárias podem servir de alimento para rainha (algumas vezes para as operárias), ou originar machos. Existem alguns casos mais peculiares ainda, como em alguns casos onde o primeiro embrião a eclodir dentro do corpo da fêmea pode se alimentar de outros ovos e até diretamente de outras larvas; isso é chamado de canibalismo intra-uterino ou adelfofagia. Um exemplo é a Salamandra preta (Salamandra atra, na foto ao lado), que produz apenas dois filhotes (um por oviduto) que atingem desenvolvimento total, mas na verdade ela gera mais, só que apenas um prospera através de canibalismo intra-uterino, ou seja, se alimentando dos seus brothers e sisters. É geralmente assumido que essa adaptação promove a sobrevivência dessas espécies, que são expostas ao frio e à escassez de água

Sapos costumam ser ovulíparos. Ou seja, têm fecundação externa. Observe como são frágeis os ovinhos. É que eles só tem uma membrana protetora e não uma casca rígida.

Para ler o artigo original do Thierry Lodé (2012), clique aqui.

Todas as aves são ovíparas. Além delas, alguns peixes e répteis também o são.

Os ovovivíparos retém os ovos dentro do corpo e só põem quando eles eclodem

Rinoceronte é um exemplo de organismo vivíparo

Équidna (acima) e Ornitorrinco (abaixo) são mamíferos primitivos. Por incrível que pareça, o que agrupa os mamíferos não é a viviparidade, mas a presença de glândulas mamárias. Ou seja, eles até botam ovos, mas amamentam suas crias.

Onde os embriões se desenvolvem e o

que os nutre até o nascimento?

A divisão entre animais de três tipos de desenvolvimento embrionário (vivíparos, ovíparos e ovovivíparos) têm sido utilizada tanto cientifica quanto didaticamente nas últimas décadas. Entretanto, Thierry Lodé (2012) apresenta uma nova forma de compreender essa divisão, argumentando que essa classificação engloba num mesmo grupo, estratégias extremamente distintas. Na classificação que vinha sendo amplamente adotada, uma galinha que têm fecundação interna e depois coloca um ovo é agrupada junto com uma garoupa que têm fecundação externa e o 'ovo', na verdade, é uma fina membrana protetora. Portanto, para superar essa classificação que pode ser confusa para muitos, o autor propõe cinco divisões, que aqui vamos apresentar em quatro: ovulíparos, ovíparos, ovovivíparos e vivíparos. Essas divisões foram pensadas com base no estágio de desenvolvimento do zigoto e em sua inter-relação com os pais. Esses diferentes modos de reprodução representam uma sequência, com a ovuliparidade sendo a forma mais primitiva e a viviparidade o modo mais recentemente derivado na evolução biológica dos animais. Vamos ver de forma bem resumida do que se trata cada uma delas:

(i) Ovuliparidade: caracterizada pela fecundação externa, ou seja, animais que soltam seus gametas no meio e a fertilização ocorre fora do trato reprodutivo da fêmea. Isso normalmente leva ao desenvolvimento de embriões com uma fina membrana protetora. A ovuliparidade é o modo mais primitivo de reprodução. São exemplos os peixes e sapos.

(ii) Oviparidade: característica de espécies com a fertilização interna. A oviparidade é tipicamente o que conhecemos como 'o animal que bota ovo'. Neles, os ovos são gerados com uma casca mais rígida e gema abundante. Após a ovoposição, o desenvolvimento embrionário continuará fora do corpo da fêmea, sem nenhuma interação nutritiva direta entre a mãe e o filhote. No entanto, os pais podem desenvolver interações específicas com a ninhada (por exemplo, incubação). A oviparidade pode ser única (cada ovo colocado individualmente) ou múltipla (alguns ovos são retidos brevemente e depois gerados juntamente com os mais recentes), mas para ser considerado ovíparo um animal tem que fazer a postura do(s) ovo(s) e este(s) deve(m) se desenvolver fora do corpo da mãe. Caso cê não saiba, um ovo é composto pelo embrião e por um conjunto de substâncias nutritivas para garantir todo o desenvolvimento saudável daquele embrião até um indivíduo totalmente formado.

(iii) Ovo-viviparidade: animais que tem retenção prolongada de ovos fertilizados durante o desenvolvimento embrionário, mas sem troca direta de nutrientes entre os pais e o embrião. Ou seja, é aquele onde os animais têm fertilização interna, o embrião é gerado, um ovo se forma à sua volta, mas não é posto. A fêmea retém ele no trato reprodutivo até a iminência do seu nascimento. O embrião vai se desenvolver com os nutrientes reservados dentro do ovo, sem interação nutritiva com a mãe.

(iv) Viviparidade: Aqui não existe ovo. O filhote é totalmente dependente dos compostos disponibilizados pela mãe, que nutre o filho a partir de uma estrutura especializada chamada placenta. Ou seja, o desenvolvimento embrionário é estimulado exclusivamente por entradas de nutrientes da corrente sanguínea do progenitor. As correntes sanguíneas da mãe e do embrião são separadas por uma barreira física, mas uma placenta ou estruturas semelhantes à placenta permitem a troca de nutrientes e resíduos. Os mamíferos, os fetos em desenvolvimento são conectados a um órgão membranoso especial com um suprimento sanguíneo rico, a placenta que reveste o útero em mulheres grávidas e fornece alimento ao feto. Têm vivíparos que não possuem necessariamente uma placenta, mas alimentam a prole com teci

Muita gente acha que só os mamíferos são vivíparos, mas tanto nem todos os mamíferos são vivíparos (como o caso dos monotremados), como também já foi relatada a ocorrência de viviparidade em peixes, insetos, anfíbios e répteis. Portanto, a percepção dos biólogos é que a viviparidade pode ter evoluído como uma resposta evolutiva à condição climática fria em animais que foram capazes de manter a temperatura corporal estável. Ou seja, em regiões frias, para os animais que conseguiam manter o corpo mais quente que o meio, pode ter sido vantajoso manter os filhotes dentro do corpo durante o desenvolvimento embrionário.

No caso dos insetos, o que pode ter despertado alguma curiosidade, algumas espécies demostram viviparidade e a nutrição da prole é fornecida por secreções glandulares especializadas, como nos dípteros (moscas glossinidae, mosquitos) ou lepidópteros (mariposas). No caso de peixes, um bom exemplo são os tubarões, que podem ser ovíparos, ovovivíparos ou mais raramente vivíparos. No caso de sapos Nectophrynoides occidentalis, Gastrotheca marsupiata e Gastrotheca ovifera, as brânquias dos girinos têm expansões foliáceas, o que permite o transporte de fluido nutritivo dos tecidos maternos ricamente vascularizados. Podemos, portanto, classificar esses sapos como vivíparos, já que a ingestão de nutrientes aparece através da corrente sanguínea dos pais. Entretanto, a maioria dos sapos ainda são ovulíparos.

Aqui em baixo eu coloquei um quadro de resumo sobre esses tipos de desenvolvimento embrionário. E o que Thierry Lodé propõe é uma relação evolutiva entre esses tipos de desenvolvimento. Os mamíferos são os mais proeminentes vivíparos, sim, mas o seu grupo mais primitivo (os monotremados, que compreendem os ornitorrincos e équidnas) se reproduzem através de ovos. Os ornitorrincos são ovíparos e as équidnas são ovovivíparas. Deve-se notar que a retenção prolongada de ovos nos ovidutos evoluiu simultaneamente com uma redução no conteúdo de gema de ovo; esse processo influenciado pela progesterona levou à formação de conexões vasculares entre a mãe e o embrião e ao desenvolvimento de estruturas semelhantes a placenta na viviparidade hemotrófica.

Aqui eu deixei a quinta classe que é descrita pelo Thierry Lodé, pra possíveis curiosidades, mas pra efeitos de estudo, considera os dois tipos de viviparidade como uma só.

Ciclos Reprodutivos do mundo animal

A ideia de ciclos é muito importante na natureza. Faz parte dela. Temos ciclos lunares, ciclos de estações e até o dia e a noite são cíclicos. Ciclo é um conjunto de condições que se repetem periodicamente. E, claro, a repetição de condições ambientais específicas de forma cíclica faz com que isso se torne também uma força de seleção natural e, por consequência, muitos animais e vegetais têm suas atividades também reguladas em ciclos. Um exemplo é o ciclo reprodutivo. Alguns deles são mensais, outros anuais, outros regulados pelas estações do ano. Esses ciclos são controlados por flutuações muito sensíveis nos níveis de hormônios, cuja secreção se dá por estímulo de condições específicas de certas épocas. A ideia de ciclos reprodutivos é muito útil na vida animal pois, como vimos antes, reproduzir-se demanda muita energia. Uma grande parte dessa energia, sem dúvidas, é dispendida para a busca ativa de indivíduos do sexo oposto. Quando temos ciclos reprodutivos, os animais daquela espécie só ficam mais 'disponíveis', entendendo que chegou a hora certa de reproduzir-se, quando fontes de energia suficientes estão mais abundantes e quando as condições ambientais favorecem a sobrevivência da prole. Por exemplo, as ovelhas (fêmeas) têm um ciclo reprodutivo que dura 15-17 dias. A ovulação, liberação de óvulos maduros, ocorre na metade de cada ciclo. Para as ovelhas, os ciclos reprodutivos ocorrem geralmente durante o outono e o início do inverno, e a duração de cada gestação é de cinco meses. Assim, muitos cordeiros nascem no início da primavera, quando suas chances de sobrevivência são melhores. Agora pense: se algumas espécies são tão susceptíveis à condições ambientais específicas, que sejam mais propícias para a reprodução, as mudanças climáticas podem gerar um prejuízo incalculável nesse sentido também. Pesquisadores dinamarqueses demonstraram precisamente um efeito sobre os caribus (Rangifer tarandus), renas selvagens, na Groelândia. Na primavera, o caribu migra a terrenos de parto para comer plantas em brotamento, dar à luz e cuidar de seus novos bezerros. Antes de 1993, a chegada dos caribus aos terrenos de parto coincidia com o curto período em que as plantas estavam nutritivas e digestivas. Desde 1993, entretanto, a média de temperatura da primavera nos terrenos de parto aumentou mais de 4°C, e as plantas agora brotam duas semanas antes. A migração dos caribus depende da duração do dia e não da temperatura; por isso, existe um desencontro entre o período de crescimento de novas plantas e o nascimento de bezerros. Sem a nutrição adequada para as fêmeas cuidadoras, a prole produzida por caribus a cada ano reduziu 75% em apenas 14 anos.

Sabemos que as fases da lua têm uma relação direta com fatores geofísicos, como a dinâmica de marés que é têm influência da força gravitacional entre Lua e Terra, além da diferença do grau de claridade das noites. Uma noite de lua cheia chega a ser 100x mais clara que uma noite com lua nova. Por conta disso, alguns animais têm ciclos reprodutivos relacionados aos ciclos lunares. Poliquetas são um bom exemplo. Uma espécie encontrada no mar do Caribe, Odontosyllis luminosa, é conhecida por promover vistosos espetáculos luminosos. Durante algumas noites após a lua cheia da maioria dos meses, fêmeas sobem à superfície liberando massas de ovos que emitem luz de cor esverdeada, estímulo percebido pelos machos, que também sobem para liberar seus gametas, emitindo pulsos de luz de mesma coloração. O estímulo luminoso, nesse caso, é um fator importante na sincronização do enxameamento.

O ciclo lunar também afeta ciclos reprodutivos de animais terrestres, como é o caso do Impala (Aepyceros melampus), um antílope. Nessa espécie, a lua cheia faz com que os machos rujam e isso desencadeia a ovulação em fêmeas da população. Isso faz com que o ciclo reprodutivo de todos os impalas sejam sincronizados. Os exemplos são muitos, incluindo as jovens tartarugas marinhas, que ao sair do ovo, são guiadas para o mar através da luminosidade da lua refletida no oceano.

A sincronização de ciclos reprodutivos, seja a partir dos ciclos lunares, seja pelas estações do ano ou condições ambientais cíclicas quaisquer, é especialmente útil para animais com reprodução sexuada externa, ou seja, quando a fêmea e o macho liberam gametas na água e a fertilização ocorre fora do corpo da fêmea. Quando falo disso algumas pessoas pensam que o macho sai soltando espermatozóide mar afora. Mas isso não ocorre, claro. Ela já é muito custosa em energia, imagina se ele tivesse que fecundar o atlântico todo pra ter um filhote? Então, é interessante que essa liberação de gametas ocorra em eventos reprodutivos sincronizados, na presença tanto do macho quanto da fêmea. No caso das garoupas, esse evento síncrono foi perfeitamente documentado pela BBC no vídeo ao lado. Realmente incrível de observar.

Ciclos reprodutivos também são encontrados entre os animais que podem se reproduzir tanto sexualmente quanto assexuadamente. Considere, por exemplo, a pulga d’água (gênero Daphnia). Uma fêmea de Daphnia pode produzir dois tipos de ovos. Um tipo de ovo requer fertilização para desenvolver-se, mas o outro tipo não requer e desenvolve-se inteiramente por partenogênese. Já explicamos esse fenômeno lá em cima, exemplificado pelas abelhas. Nessa espécie, a reprodução assexuada ocorre quando as condições ambientais são favoráveis, enquanto a reprodução sexuada ocorre quando o ambiente está estressado. Assim, a alternância entre reprodução sexuada e assexuada está fortemente associada à estação.

Pulga d'água

Caribu

Impala

Observa um determinado momento, quando a fêmea sobe, em movimento espiral, com o macho, você consegue ver saindo uma coisa meio esbranquiçada de um orifício próximo à barriga. É justamente a partir dali que a fêmea está eliminando os óvulos.

Estações do ano e reprodução em plantas com flores

Esse conteúdo foi inspirado e contém trechos do Artigo do Bergamaschi, que você pode ler aqui!

Com as plantas sabem que é dia ou que é noite? Simples, pela presença de luz, certo? Mas como elas sabem a diferença de um dia de verão para um dia de inverno? Então, existe uma coisa muito legal de estudar, que eu vou apresentar aqui, que é o fotoperiodismo. O comprimento de um dia é conhecido como fotoperíodo e as respostas do desenvolvimento das plantas ao fotoperíodo, são chamadas fotoperiodismo. Na década de 1920, alguns estudiosos da área, como Garner, Allard e Tincker, publicaram artigos na Science e Nature descrevendo como plantas respondiam a estímulos luminosos e sincronizavam a formação de flores, frutos e sementes à intensidade e duração da luz. Mais tarde descobriram também que o fotoperíodo tem influência sobre o crescimento vegetativo, a formação de bulbos e tubérculos, o processo de ramificação, a forma das folhas, a abscisão e queda de folhas, a formação de pigmentos, pubescência, desenvolvimento radicular, dormência e morte de plantas. Ou seja: tudo. A presença/ausência de luz é o principal estímulo para uma planta perceber o ambiente ao seu entorno, é o que determina praticamente todos os seus ciclos. 

Quando estudamos os movimentos da Terra, vemos que as estações do ano são configuradas pela distância da Terra para o Sol e pela declinação do eixo do nosso planeta em relação ao sol. Algo importante que varia em relação às estações do ano é a duração dos dias e das noites. Nos dois equinócios (de outono e de primavera) o dia tem 12h em todas as latitudes, pois a declinação da Terra é 0º. Nos dois solstícios (inverno e verão) a duração do dia atinge seus valores extremos, sendo máximo no verão e mínimo no inverno. Por exemplo, no solstício de verão do Hemisfério Sul (21 de dezembro), o dia varia de 12h no Equador a 24h a partir do Círculo Polar Antártico. Ao contrário, no solstício de inverno do Hemisfério Sul (21/06) o fotoperíodo vai de 12h no Equador 0h a partir do Círculo Polar Antártico. Ou seja, o inverno na Antártica é uma noite eterna e o verão, um dia eterno. Resumidamente, na faixa do Equador (latitude de 0°) o fotoperíodo tem 12h durante todo o ano. Nas demais regiões, a duração do dia aumenta no verão, à medida em que aumenta a latitude, e diminui no inverno pela mesma razão. Vou pegar um exemplo pra você visualizar melhor: Para a latitude de 30°, por exemplo, onde está Porto Alegre, aproximadamente, o dia dura 10 horas no inverno e 14 horas no verão. Para quem está na linha do equador, como quem mora no norte do Pará, o dia dura 12h o ano todo.

Você já deve ter percebido que algumas frutas são 'de época tal'. Pitanga e jaca dão mais no verão, carambola e uva são mais no inverno; na primavera, acerola e jaca; outras dão o ano todo, como coco e banana. Isso acontece pois, como os estudos apontavam, a entrada em florescimento e frutificação se dá apenas quando o comprimento do dia está dentro de certos limites, fazendo com que essas fases sejam alcançadas apenas em certas épocas do ano. Por isso, as plantas foram classificadas em dias longos (PDL), plantas de dias curtos (PDC), plantas de fotoperiodismo intermediário e outras que respondem à todas as frequências (neutras). E um fato curioso é que, na ausência do comprimento de dia favorável para induzir a expressão dos processos reprodutivos, certas espécies podem continuar em crescimento vegetativo, de forma mais ou menos indefinida, levando ao fenômeno do gigantismo.

Só que, vejam, estávamos destacando bastante a importância da duração do dia para formação de uma resposta reprodutiva ou vegetativa nas plantas, mas pesquisas feitas na década de 70 transformaram a nossa ideia da importância da noite para esses processos. Ou seja, diversos trabalhos de pesquisa demonstraram que, na verdade, a duração do período escuro do dia (nictoperíodo) é a responsável por desencadear o processo de indução ao florescimento em plantas sensíveis. Você pode estar se perguntando: 'qual a diferença? Afinal, um dia curto é uma noite longa e vice-versa'. Como saber se é o dia ou a noite responsável por esses processos?

Plantas de dias longos (PDL) e de dias curtos (PDC) foram, inicialmente, submetidas a condições diferentes de fotoperíodo e a indução ao florescimento seguiu a lógica esperada, ou seja, PDC floresceram em dias curtos/noites longas, enquanto PDL floresceram em dias longos/noites curtas. São as duas primeiras amostras da imagem ao lado.

Posteriormente, uma noite longa foi dividida em 'duas noites', que na verdade era uma noite interrompida brevemente por um momento de luz. Essa interrupção numa noite longa fez com que plantas de dias curtos não florescessem mais, e induziu plantas de dias longos a florescerem. Mas o oposto não foi verdadeiro: quando o dia longo foi interrompido e transformado em 'dois dias curtos', nada ocorreu em relação à indução normal das PDC e PDL. Por fim, a alternância de dia curto com noite curta causou florescimento das plantas de dias longos (e noites curtas), enquanto que dia longo seguido por noite longa fez florescer plantas de dias curtos (noites longas). Ou seja, o que parece é que a duração da noite 'quem manda', não do dia. Apesar de sabermos disso, mantivemos a nomenclatura PDC e PDL, que na verdade deveria ter sido substituída por PNL e PNC, respectivamente.

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Ciclo reprodutivo da mulher humana

O ciclo menstrual da mulher humana, assim como de outras fêmeas, é controlado rigorosamente pelas concentrações de hormônios. No nosso caso, o ciclo padrão dura 28 dias, mas pode saudavelmente variar entre 24 e 32 dias. Portanto, é comum que a mulher não menstrue no mesmo dia do mês em todos os meses. A nossa menstruação, em si, pode variar de 3 a 7 dias, com um fluxo mais fraco no início e no final e mais forte na metade do período. Passar todos os dias com fluxo muito forte ou muito fraco não é normal! Procure seu/sua ginecologista, se for seu caso!

Primeiro, é importante conhecer um pouco melhor os hormônios, onde são produzidos e as suas funções. Os principais são: LH, FSH, Progesterona e Estradiol. Você pode ver isso através do quadro ao lado. Para entender um pouco da dinâmica hormonal que acontece todos os meses, de forma cíclica, no corpo das mulheres, acompanhe na imagem ao lado e no texto que segue:

(1) O ciclo ovariano começa quando a adenohipófise é estimulada a produzir e secretar pequenas quantidades de FSH e LH.

(2) O hormônio folículo-estimulante (como o nome indica) estimula o crescimento de um dos folículos ovarianos (3) e as células do folículo em crescimento começam a produzir estradiol (também conhecido como estrogênio) (4). Nessa parte do ciclo, onde o folículo cresce e um ovócito amadurece, ocorre uma liberação lenta do estradiol. Vale mencionar que muitos folículos começam a crescer a cada ciclo, mas, normalmente, apenas um amadurece; os outros se desintegram. Os baixos níveis de estradiol mantém inibida a secreção dos hormônios hipofisários (aqueles produzidos pela hipófise), ou seja, os níveis de FSH e de LH ficam relativamente baixos. Mas, como você pode observar pelos gráficos ao lado, indicados pelo número 6, quando a secreção do estradiol pelo folículo em crescimento começa a acelerar, os níveis de FSH e de LH aumentam rapidamente. Por quê? Enquanto o baixo nível de estradiol inibe a secreção de gonadotrofinas hipofisárias, a elevada concentração tem o efeito oposto: estimula a secreção de gonadotrofina levando o hipotálamo a elevar a liberação de GnRH. Uma concentração elevada de estradiol também eleva a sensibilidade ao GnRH das células liberadoras de LH na hipófise, resultando na elevação dos níveis de LH.

(7) O folículo em maturação, contendo uma cavidade preenchida por líquido, aumenta formando uma protuberância na superfície do ovário. A fase folicular acaba com a ovulação, cerca de um dia após daquele pico de LH. A ovulação ocorre em resposta a ambos os estímulos, ao FSH e ao pico dos níveis de LH, mediante o rompimento do folículo e da parede adjacente do ovário, o que permite a liberação do ovócito secundário em direção às tubas uterinas. No momento, ou próximo ao momento da ovulação, as mulheres, algumas vezes, sentem uma dor característica na parte inferior do abdome, no mesmo lado do ovário em que o oócito foi liberado. A fase lútea do ciclo ovariano segue a ovulação.

(8) O hormônio luteinizante estimula o tecido folicular deixado no ovário a transforma-se em corpo lúteo, uma estrutura glandular. Sob estimulação contínua pelo LH, o corpo lúteo secreta progesterona e estradiol, que em combinação exerce retroalimentação negativa no hipotálamo e na hipófise. Essa retroalimentação reduz a secreção de LH e FSH a níveis realmente baixos, evitando que um novo óvulo seja maturado quando a gravidez possa já estar em andamento. Se a gravidez não ocorre, os baixos níveis de gonadotrofina no final da fase lútea fazem o corpo lúteo desintegrar- se, desencadeando um declínio acentuado na concentração de estradiol e de progesterona. A diminuição dos níveis dos hormônios esteroides ovarianos libera o hipotálamo e a hipófise dos efeitos da retroalimentação negativa. A hipófise pode, então, começar a secretar FSH suficiente para estimular o crescimento de um novo folículo no ovário, iniciando o próximo ciclo ovariano.

Antes da ovulação, os hormônios esteroides ovarianos estimulam o útero a preparar-se para receber o embrião. A secreção de estradiol em quantidades crescentes pelo folículo em crescimento sinaliza o espessamento do endométrio. Dessa forma, a fase folicular do ciclo ovariano é coordenada com a fase proliferativa do ciclo uterino. Após a ovulação, (9) o estradiol e a progesterona secretados pelo corpo lúteo estimulam a manutenção e o posterior desenvolvimento do revestimento uterino, incluindo alargamento das artérias e crescimento das glândulas do endométrio. Essas glândulas secretam um líquido nutriente que pode manter um embrião precoce antes mesmo de ele implantar-se no revestimento uterino. Assim, a fase lútea do ciclo ovariano é coordenada com a fase secretora do ciclo uterino. Se um embrião não tiver se implantado no endométrio até o final da fase secretora, o corpo lúteo desintegra-se. A rápida queda (10) nos níveis dos hormônios ovarianos leva à constrição das artérias do endométrio. Privado de circulação, o revestimento uterino desintegra-se em sua maior parte, eliminando sangue junto com tecido endometrial e líquido. O resultado é a menstruação – a fase de fluxo menstrual do ciclo uterino. Durante essa fase, que geralmente dura poucos dias, um novo grupo de folículos ovarianos começa a crescer. Por convenção, o primeiro dia de fluxo menstrual é designado o dia 1 do novo ciclo uterino (e ovariano).

Após aproximadamente 500 ciclos, a mulher entra na menopausa, o fim da ovulação e da menstruação. Em geral, a menopausa ocorre entre os 46 e 54 anos. Durante esse intervalo, os ovários perdem sensibilidade ao FSH e ao LH, resultando no declínio da produção de estradiol. A menopausa é um fenômeno incomum. Na maioria das outras espécies, fêmeas e machos podem reproduzir--se por toda a vida. Existe uma explicação evolucionária para a menopausa? Uma hipótese intrigante propõe que durante o início da evolução humana, entrar na menopausa depois de ter vários filhos permitiria à mãe cuidar melhor de seus filhos e netos, aumentando, assim, as chances de sobrevivência dos indivíduos que compartilhassem muitos de seus genes.

Monogamia é 'natural'?

Normalmente uma forma efetiva de justificar que algo é “natural” é mostrar que existe ocorrência de determinado comportamento fora da espécie humana, certo? Apesar de eu ter ressalvas a essa ideia, vou utilizar a parte útil dela e aderir a ela nos dois próximos tópicos. Existe um mamífero muito parecido com um rato, chamado arganaz-do-campo. Ele é monogâmico, ou seja, passa o seu ciclo sexual inteiro e as vezes, toda a sua vida, com a mesma fêmea. Outros tipos de arganaz (o arganaz-do-campo é uma dentre doze espécies de arganaz) são poligâmicos. Por que, então, esse não o é?

Nesse camundongo, a monogamia tem a ver tanto com uma questão genética quanto com uma questão hormonal (não que esses dois fatores não estejam profundamente ligados, eles estão). Estar do lado da mesma fêmea significa a ativação de um circuito de “recompensa” hormonal, um feedback positivo relacionado ao hormônio vasopressina. Ou seja, quando o macho copula, ocorre a liberação desse hormônio, que estimula uma região específica do cérebro deles que é relacionada com o reforço de comportamentos, dando um “ok”,  ou seja, reforçando esse comportamento. Também foi observado que o gene “avpr1a” (esse é o nome dele mesmo) é observado nessa espécie e não é observada em nenhuma outra espécie de arganaz. Esse gene carrega as instruções sobre como construir o receptor de vasopressina da região do cérebro que reforça o comportamento de ‘formar vínculos duradouros’ com as suas parceiras sexuais. Pensando nisso, o pesquisador Larry Young e sua equipe inseriram artificialmente o gene avpr1a em arganazes poligâmicos, percebendo que os machos geneticamente modificados, agora ricos em receptores, de fato formaram vínculos especialmente fortes com suas fêmeas parceiras, mesmo antes de copular com elas. Aparentemente, aumentando o número de células cerebrais com a forma ativa de um gene particular, esse grupo de pesquisadores foi capaz de impulsionar a tendência de machos roedores a manterem o vínculo a um parceiro social, concluindo, então, que o gene avpr1a contribui para o comportamento monogâmico do macho de arganaz-do-campo na natureza.

Agora que você pode estar convencido(a) sobre o fato de existir base genética para comportamentos monogâmicos, podemos discutir em que situações supostamente uma característica como essa pode ser positivamente selecionada pelos mecanismos evolutivos. Vamos pensar em uma população de ratos onde há poucos indivíduos (baixa densidade populacional). Nesse caso, a busca por uma parceria pode ser muito cansativa e não valer a pena, energeticamente. Assim, fixar-se com um(a) mesmo(a) parceiro(a) de forma contínua pode significar uma economia de energia. Outro fator que pode colaborar para a persistência da monogamia em algumas espécies é que formando casais, pode haver algo que não é tão comum na natureza: cuidado paternal. No caso dos peixes-palhaço (o Nemo, sabe?), que também são monogâmicos, o macho é que zela pelos "ovinhos" que a fêmea põe, durante todo o desenvolvimento dos filhotinhos (que é aproximadamente de 10 dias). Veja no vídeo ao lado um pouco da ecologia dessa espécie e da questão do cuidado paterno. Você também vai poder observar a conformação matriarcal que comentamos ali na parte de mudança de sexo!

Outro exemplo bem curioso é o dos albatrozes-errantes, uma ave que vive em regiões bem frias do planeta e viaja distâncias longuíssimas para conseguir alimentar seus filhotes. Por conta disso, dividir a tarefa com o outro genitor parece algo bem interessante, né? Você também poderá ver um pouco da ecologia desse animal no vídeo ao lado.

Como vemos, existem alguns exemplos de espécies monogâmicas o que faz com que esse comportamento seja obviamente... natural. Isso é presente em diversas espécies e tem algumas razões evolutivas para existir. Mas talvez o que tenha atraído você a essa seção tenha sido a vontade de descobrir se a espécie humana é, biologicamente, monogâmica. Vou me furtar de responder essa pergunta por agora, já que nos seres humanos as relações afetivas são influenciadas por MUITOS fatores extra-biológicos, como as interações sociais e sentimentos como "amor" e "ciúme", que muitas vezes extrapolam o campo biológico. E claro, nem os mecanismos biológicos da sexualidade humana são totalmente claros para nós. O que posso dizer é que as conformações familiares humanas que vemos tem origem bem pretérita, no início da evolução da nossa espécie. Conforme nossa espécie foi conquistando novos territórios, os comportamentos, ferramentas e estruturas familiares foram se tornando mais complexas também. Através da estrutura de bandos que a humanidade se desenvolveu e se dispersou por todo o planeta e um fato que provavelmente favoreceu as conformações e relações familiares mais estruturadas foi de os bebês serem cada vez mais dependentes dos adultos para todas as suas necessidades vitais. Na medida que o cérebro humano foi se tornando maior, como exploramos em Sistema Nervoso Comparado, a cabeça também aumentou de tamanho. Ao mesmo tempo, a estrutura óssea da pelve das mulheres que evoluiu para se tornar mais estreita e horizontal, adaptando-se às exigências do andar ereto, tornou o canal de parto um verdadeiro funil evolutivo. 

Esse é o arganaz-do-campo

Perceba como uma mudança de postura, da curvada para a totalmente bípede muda o tamanho e o formato do osso da pélvis (o famoso osso da "bacia"). Por conta disso, nas fêmeas humanas, o canal vaginal também sofreu modificações, fazendo com que bebês humanos tivessem que sair prematuramente, demandando cuidados por muito mais tempo. Pense num cão. Algumas horas depois de nascer ele já anda, come seus chinelos, late, ouve bem, enxerga bem e mama sozinho. Para um ser humano começar a andar teremos que cuidar dele, alimentá-lo e limpá-lo por mais de um ano (em média).

Na espécie humana, o parto é mais difícil, demorado e arriscado do que em outras espécies de primatas, porque a passagem da criança se dá por um anel ósseo estreitado pela evolução. Acredita-se que o conflito entre a tendência evolutiva para aumento da cabeça, e para redução do anel pélvico, teria levado ao nascimento de bebês cada vez mais precoces, imaturos, do ponto de vista neuromotor. Com isso, conformações familiares mais estreitas podem ter ganhado espaço. Então, não que eu esteja afirmando que a nossa espécie seja biologicamente monogâmica, até por que não tenho menor interesse em comprar essa briga. Mas existem algumas evidências que suportam a ideia de que as famílias mais fechadas possam ser uma consequência de um fator evolutivo decorrente da postura ereta em humanos.

Homossexualiadde

Sobre homossexualidade nos animais

  • BAGEMIHL, B. Biological exuberance: animal homosexuality and natural diversity. Londres: Profile Books, 1999.

Sobre as bases biológicas para a homossexualidade

Sobre o histórico da compreensão da homossexualidade

http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/viewFile/1646/1569

 

Sobre diferenças cerebrais entre homosexuais e heterossexuais

  • ALLEN, Laura: GORSKI, Roger. Sexual orientation and the size of the anterior commissure in the human brain. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 89, n. 15, P.7199-7202, 1992.

  • CHADDA, Rakesh: SHARMA, Mona; KUMAR, Anand. Male Behaviors III: Brain polymorphism and sexual orientation. In: KUMAR, Anand: SHARMA, Mona(Org ) Basics of human andrology Singapura: Springer, 2017.

  • HU, Shaohua et al. Patterns of brain activation during visually evoked sexual arousal differ between homossexual and heterosexual men. American Journal of Neuroradiology, v 29, n 10, p. 1890-1896, 2008.

  • LEVAY, Simon. A difference in hypothalamic structure between heterosexual and homosexual men. Science, v 253, n.5023, p. 1034-1037, 1991

  • PAUL, Thomas et al. Brain response to visual sexual stimuli in heterosexual and homosexual males. Human Brain Mapping, v29, n.6, p.726-735, 2008

  • POEPPL, Timm et al. A neural circuit encoding sexual preference in humans. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, v. 68, p. 530-536, 2016.

  • SAFRON, Adam et al. Neural correlates of sexual orientation in heterosexual, bisexual, and homosexual men. Scientific Reports, v.7, n.41314, 2017.

  • SAVIC, Ivanka: BERGLUND, Hans: LINDSTROM, Per Brain response to putative pheromones in homossexual men. Proceedings of the National Academy of Sciences, v 102,n 20, P. 7356-7361, 2005

  • SAVIC, Ivanka: LINDSTROM, Per pet and mri show differences in cerebral asymmetry and functional connectivity between homo and heterosexual subjects. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 105, n. 27, p. 9403-9408, 2008

Homossexualidade: três pontos finais

Homossexualidade em animais não-humanos

Aqui eu tenho dois objetivos: o primeiro é mostrar a diversidade de espécies com comportamentos homossexuais, destacando a presença desse comportamento no reino animal. Esse objetivo é importante para compreendermos como a homossexualidade não é uma “aberração comportamental” e é amplamente documentada em diversas espécies animais (diferente da homofobia). Mas gente, sendo bem honesta, mesmo que fosse um comportamento documentado em uma única espécie, a Biologia não compreende comportamento algum como aberração. Se a gente vê com naturalidade uma aranha comer o próprio macho que acabou de acasalar com ela e um leão recém-chegado à liderança da matilha comer todos os filhotes machos do grupo, nada nos soa tão surreal que não possa ser compreendido e, no fim das contas, naturalizado (já que, afinal, não passa de algo... natural). Essa ‘demonização’ provém muito mais de uma construção moral judaico-cristã do que da condição natural da vida das espécies. Meu segundo objetivo é mergulhar um pouco nos estudos que investigam as bases biológicas da homossexualidade em seres humanos, que é a espécie animal mais estudada do planeta. Tem pano pra manga aí, senta que lá vem.

Vamos começar com o nosso primeiro objetivo: o biólogo Bruce Bagemihl (1999) publicou um livro que foi um marco nos estudos de comportamentos homossexuais nos animais não-humanos. Se chama “Biological Exuberance – Animal Homosexuality and Natural Diversity” (Exuberância Biológica – Homossexualidade Animal e diversidade natural), onde apresenta uma vasta gama de comprovações em relação a comportamentos homossexuais entre animais não-humanos, em mais de 450 ‘tipos de animais’ pelo mundo todo. Infelizmente só temos essa maravilhosa publicação em inglês, mas se você quiser acessá-la mesmo assim, só clicar aqui.

Logo no início do livro já ganhamos uma correção: atividade sexual homossexual é apenas um dos aspectos dessa expressão, nos animais (estamos incluídos em “animais”). A homossexualidade compreende uma gama de atividades, ou seja, não é um fenômeno monolítico e, muito menos, exclusivamente sexual. O autor dá vastos exemplos de comportamentos homossexuais vinculados ao sexo, mas também ao cortejo, afeto, união de pares e paternidade. Vamos lá: o comportamento de cortejo, onde os animais realizam danças, movimentos e vocalizações para anunciar sua presença e atrair parceiros sexuais, é uma característica comum também das interações homossexuais entre animais, ocorrendo em quase 40% dos mamíferos e pássaros nos quais a atividade homossexual foi observada.

Em mamíferos, temos como exemplos o Trachypithecus johnii, Macaca nigra e Phascolarctos cinereus, nosso famoso coala. Entre pássaros, destacamos o Galah (Eolophus roseicapilla), Pega-de-bico-preto (Pica hudsonia), beija-flores e muitos outros. Foi observada troca de presentes entre pássaros do gênero Thamnophilidae, gaivotas (Leucophaeus atricilla), Pukeko (Porphyrio melanotus) e Pássaro-azul-oriental (Sialia sialis). Na maioria das espécies, os mesmos comportamentos de cortejo são usados nas interações homossexuais e heterossexuais. Alguns exibem, nas relações homossexuais, apenas uma ou duas das posturas e movimentos típicos de cortejo, enquanto outros passam por toda a elaborada sequência. Mais interessante ainda são aquelas criaturas que têm um padrão de cortejo especial, encontrado apenas em interações homossexuais, como os avestruzes machos que executam uma "dança da pirueta" única quando cortejam outros machos. primatas, o beijo (em contextos homossexuais e heterossexuais) pode ter uma semelhança surpreendente com o nosso beijo: macacos-esquilo e chimpanzés comuns, mantêm contato boca a boca, já os bonobos machos se beijam “apaixonadamente” de boca aberta com considerável estimulação da língua mútua. Numerosas espécies de macacos e macacos também “abraçam” ou abraçam parceiros do mesmo sexo em contextos homossexuais.

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Conforme dissemos, o conjunto de interações homossexuais é muito mais amplo do que apenas o sexo em si. Muitos animais do mesmo sexo tocam-se de maneiras que não são abertamente sexuais (ou seja, não envolvem o contato direto dos órgãos genitais), mas que, no entanto, têm claras implicações sexuais ou eróticas. Essas, nós conhecemos como atividades afetivas, que são presentes em quase um quarto dos animais onde já foi relatada alguma atividade homossexual. Embora muitos desses comportamentos (catar, abraçar, brincar de briga) possam ocorrer em outros contextos, sua natureza erótica em um contexto do mesmo sexo é geralmente óbvia: os dois animais podem estar visivelmente excitados sexualmente, o comportamento pode preceder ou seguir diretamente a cópula ou a atividade afetuosa pode ocorrer em um vínculo de casal do mesmo sexo.

Por exemplo: leões machos “esfregam a cabeça” e rolam um com o outro antes de fazerem sexo. Carneiros-da-Montanha machos esfregam os chifres e o rosto em outros machos, às vezes ficando sexualmente excitados, sem falar dos primatas, como macacos do velho mundo e babuínos, que frequentemente se acariciam e cuidam uns dos outros em contextos sexuais e não sexuais. Ainda não falamos dos “beijos” e “abraços”, que já foram observados em elefantes africanos, macacos Rhesus, peixes-boi, morsas marmotas e zebras. Em todos eles, toques na boca, nariz e focinho são observados durante encontros homossexuais. Em primatas, o beijo (em contextos homossexuais e heterossexuais) pode ter uma semelhança surpreendente com o nosso beijo: macacos-esquilo e chimpanzés comuns, mantêm contato boca a boca, já os bonobos machos se beijam “apaixonadamente” de boca aberta com considerável estimulação da língua mútua. Numerosas espécies de macacos também “abraçam” ou abraçam parceiros do mesmo sexo em contextos sexuais.

Outro tipo de atividade encontrada durante as interações homossexuais é a masturbação, em que um animal estimula seus próprios órgãos genitais ou de seu parceiro com um dedo, mão, pé, nadadeira ou algum outro apêndice. Isso é visto em babuínos da savana, golfinhos-nariz-de-garrafa e peixes-boi, onde eventualmente alguns machos esfregam suas nadadeiras na genitália de outros machos. Além disso, Macacos Rhesus e Macacos Pretos de Crista, Gorilas fêmeas, Morcegos-Vampiros machos, Macacos Proboscis fêmeas e Morsas machos às vezes se masturbam quando montam, cortejam ou interagem sexualmente com outro animal do mesmo sexo. Outra forma de masturbação mútua nessas espécies envolve dois machos apoiando-se um no outro e acariciando os órgãos genitais um do outro entre as pernas.

Também já foram observadas espécies que formam casais entre espécimes do mesmo sexo. A união desses pares é bem variada, mas de uma forma geral podem ser reconhecidas como “parceiros sexuais”, onde existem atividades sexuais ou de cortejo, ou “companheiros”, que estão ligados um ao outro, mas não necessariamente existem atividades sexuais. Mais de um terço dos mamíferos e pássaros em que ocorre a atividade homossexual têm pelo menos um desses tipos de vínculo homossexual. Nessa primeira classificação, de “parceiros sexuais”, observam-se diretamente e claramente comportamentos de cortejo, sexo e/ou parentais e o gasto de uma quantidade significativa de tempo um com o outro. Em mais de 70 espécies de pássaros isso já foi relatado. Nos mamíferos, essa “parceria sexual” é ainda mais diversa, podendo ser monogâmicas, não-monogâmicas ou até uma ‘amizade-colorida’, com encontros eventuais. Olha que interessante: entre pares de gaivotas fêmeas e em alguns outros pássaros, uma ou ambas as fêmeas às vezes acasalam com um macho (enquanto ainda mantêm seu vínculo com as fêmeas) e, portanto, são capazes de fertilizar seus ovos e se tornarem pais.

Tentei, aqui, expor um pouco da variedade de comportamentos homossexuais, sejam eles sexuais ou não, e dar alguns exemplos. Entretanto, temos sempre que ter em mente que, quando se trata de biologia, sempre tem muito mais coisa que a gente não sabe do que coisas que a gente sabe. Por exemplo, nós assumimos, por uma questão lógica indutiva, que todos os mamíferos e aves possuem acasalamento heterossexual. Te parece óbvio também, né? Então, mas e se eu te falar que, em muitas das espécies desse grupo, um acasalamento heterossexual nunca foi visto por ninguém? Isso muda a sua opinião? Pois é verdade. Veja, dum estudo de dez anos com chitas, nenhum acasalamento heterossexual foi visto ao longo de mais de  5.000 horas de observação. Nessa espécie, desde que a conhecemos, só observamos a cópula cinco vezes. Se o acasalamento reprodutivo, que é algo comum à todas as aves e mamíferos, por vezes é tão raro de ser visto, imaginemos o quão mais difícil deve ser observar e relatar comportamentos homossexuais, que são mais incomuns. Então, isso nos dá uma ideia da quantidade de espécies com tal comportamento que ainda não conhecemos ou onde ainda não conseguimos observá-lo, por falta de tempo e estudo.

Você pode agora ter se convencido que os comportamentos homossexuais realmente são presentes na natureza, principalmente relacionados à mamíferos e aves, mas ainda não entendeu exatamente por que esse é um comportamento que persiste evolutivamente. Ele fornece vantagens evolutivas? Qual é o “valor evolutivo” da homossexualidade? Em 1959, George Hutchinson publicou o que seria a primeira teoria do valor evolutivo da homossexualidade. Seu argumento era que a homossexualidade parece ser uma constante biológica, pois ela aparece geração após geração (em humanos e animais) a uma taxa que excede em muito a dos “erros biológicos”. Então, é muito mais provável que ela desempenhe alguma função útil do que seja um comportamento ‘aberrante’ e, além disso, deve ter uma base genética, predizia o autor. Em 1975, Edward O. Wilson, autor de “Sociobiologia”, também usou a mesma lógica a partir da seleção natural. A verdade é que muitas tentativas de explicações foram levantadas desde a década de 70, como por exemplo, de que a homossexualidade seria um mecanismo de autorregulação populacional, já que é uma atividade sexual não-reprodutiva, ou a ideia de que a homossexualidade poderia ser vantajosa por fazer com que membros de uma determinada sociedade animal mobilizassem mais indivíduos para o cuidado com os mais jovens. Dessa forma, por não se reproduzirem, os espécimes que tivessem preferências homossexuais poderiam ajudar a cuidar dos filhotes dos seus parentes. Essas duas explicações partem do mesmo pressuposto: indivíduos homossexuais não se reproduzem. Isso, entretanto, é patentemente falso, vou explicar por que: Em relação à primeira explicação, temos que, assim como a homossexualidade, a bissexualidade também é comum no reino animal: em mais da metade das espécies de mamíferos e pássaros nas quais ocorre a homossexualidade, pelo menos alguns indivíduos são bissexuais. Além disso, a reprodução real por animais que têm práticas homossexuais foi verificada em mais de 65 espécies. E a verdade é que a maioria das populações animais pode suportar (e suporta) um grande número de indivíduos não-reprodutores sem sofrer uma diminuição em seu número. Em muitas espécies a maioria dos indivíduos não se reproduz sem quaisquer efeitos adversos na população como um todo. Tipo, nos elefantes-marinhos, apenas 4% dos machos têm a chance de se reproduzir. Os outros 96%? Só consomem recursos e não contribuem com nada, tipo aquele teu tio que só chega com a barriga na ceia de natal, sabe? Outro exemplo são os Rato-Toupeira de Damaraland, onde até 98% dos indivíduos nunca se reproduz, embora a população continue a crescer. Além disso, animais são capazes de regular a população de maneiras bem mais eficientes e econômicas do que a homossexualidade, como a emigração, estresse hormonal inibidor da reprodução, diminuição da fertilidade, atraso na maturação sexual, infanticídio e canibalismo.

Sobre a segunda explicação, podemos dizer que até existem espécies que possuem sistemas de organização social com membros que não se reproduzem para ajudar na criação dos mais jovens. Tipo, em aves, 222 espécies têm esse tipo de organização. Entretanto, a homossexualidade ocorre em apenas 8 delas. Ou seja, se esses dois fatores estivessem fortemente correlacionados, esse número seria bem maior, né? Já foi levantada também a hipótese da homossexualidade ser um fator genético desvantajoso, mas que pudesse estar ligado a outro fator genético muito vantajoso. Mais ou menos como acontece com a anemia falciforme, que ocasiona uma má-formação das hemácias, mas também confere uma substancial resistência à malária. O ponto, nessa hipótese, é que apesar da homossexualidade reduzir a taxa reprodutiva dos indivíduos, ela pode estar relacionada com um traço extremamente vantajoso que contribua para outros fatores relacionados a sobrevivência desse animal.

A verdade é que muitas das hipóteses levantadas sobre as bases biológicas e valor evolutivo possuem problemas e algumas são altamente improváveis. Estudos recentes reforçam a evidência direta de um componente genético. Em várias espécies de insetos, por exemplo, grupos de pesquisa isolaram recentemente marcadores genéticos para a homossexualidade (e há descobertas paralelas de ligações genéticas com a homossexualidade em humanos, mas isso vamos falar mais a frente). No entanto, também está claro que os fatores comportamentais e individuais são pelo menos tão importantes quanto os genéticos, especialmente em mamíferos, que têm formas muito complexas de organização social e interações comportamentais altamente flexíveis. A expressão da homossexualidade geralmente varia amplamente entre diferentes contextos sociais, grupos de idade, atividades, indivíduos e até mesmo populações e áreas geográficas, de maneiras que transcendem qualquer "controle" genético possível.

Pra fechar esse ponto, com muito mais dúvidas do que tínhamos quando começamos (e isso é ótimo), temos que pensar que a evolução biológica têm mecanismos que possibilitam a persistência de certas características, mesmo que 'desvantajosas'. Isso, se assumirmos que a homossexualidade realmente seja um problema sob o ponto de vista da sexualidade animal. A principal razão pela qual a homossexualidade animal é considerada problemática por muitos cientistas e "anormal" por muitos não-cientistas - e, portanto, precisa de "explicação" - é que ela não leva à reprodução, e a reprodução é considerada o princípio e o fim de tudo da existência biológica. No entanto, a vida animal e a sexualidade não se organizam exclusivamente em torno da procriação. Assim como existe uma multiplicidade de tipos de homossexualidade no mundo animal, também existem inúmeras maneiras de machos e fêmeas interagirem (sexualmente ou de outra forma) entre si e apenas algumas envolvem reprodução. Existem relações heterossexuais não-reprodutivas, como observado em indivíduos sem procriação, segregação, hostilidade entre homens e mulheres, arranjos parentais "alternativos" e laços de pares e práticas sexuais não-procriativas. Alguma forma de heterossexualidade não-reprodutiva foi observada em quase todas as espécies animais, excedendo em muito a incidência da homossexualidade. Então, talvez pensar sobre essas práticas sexuais não-procriativas (dentre elas, a homossexualidade) seja muito útil pra gente repensar um pouco o papel ecológico e evolutivo do sexo, sexualidade e reprodução em formas de vida mais derivadas, com conformações sociais mais complexas.

Homossexualidade em animais humanos

Sabemos que a homossexualidade (como entendemos hoje) é bem documentada desde os tempos mais pretéritos e culturas humanas passadas. O parêntesis da frase anterior se justifica por que, por exemplo, para os gregos, esse conceito de homossexualidade e heterossexualidade nem existia, o que existiam eram práticas sexuais. Inclusive aquelas que se davam entre dois homens eram consideradas um aprendizado, até por conta da forma como aquela sociedade via a figura do homem. Para o povo ateniense, as relações entre dois homens, mesmo que envolvessem certo nível de erotismo, não tinham como finalidade algo sexual, mas sim o desenvolvimento intelectual do jovem eromeno. Ou seja, todas as ideias e termos que temos a respeito da sexualidade são sustentados pela cultura judaico-cristã que os criou. Durante toda nossa história documentamos a homossexualidade, numa proporção que varia sempre entre 4 e 10% da população. No Brasil, 9% dos brasileiros (sendo 14% dos homens e 5% das mulheres) declararam já haver se envolvido em relações homossexuais (Datafolha Instituto de Pesquisas, 1998). Temos razões para acreditar que, se refeita hoje, a pesquisa mostraria números maiores, já que o debate acerca desse tema tem avançado bastante, facilitando a identificação e naturalização dessa prática. Olhando um pouco o histórico da visão científica e social da homossexualidade, o homossexual no começo do século XIX era um perverso, um monstro, uma anomalia. De acordo com Ariès (1985), tanto a igreja quanto a ciência buscavam identificar a “deformidade física” que fazia do homossexual um homem-mulher.

A homossexualidade era reconhecida no início como uma anomalia do instinto sexual causada pela degeneração ou atraso evolutivo. O indivíduo não era culpabilizado por essa “deformidade”, porém, ele era isolado e vigiado como se fosse uma mulher, pois se acreditava que o homossexual, assim como a mulher, eram seres pecaminosos que poderiam seduzir outras pessoas para o “mau caminho”. Segundo Nunan (2003), os homossexuais passam a ser enquadrados como delinquentes, juntamente com prostitutas, homicidas, doentes mentais, criminosos etc. Ou seja, a conduta homossexual passa a representar uma subversão moral da sociedade burguesa. De sodomitas à pederastas, os homens gays tiveram diversos estereótipos construídos e, assim como à época eram conhecidos como homens-invertidos, até hoje perdura a ideia de que “ou você é gay, ou você é homem”.

Quando o termo homossexual foi criado, a tentativa era a de trazer a questão para a área médica, onde ela passou a ser entendida como doença e é onde começam a pipocar as tentativas de cura, através de abstinências, hipnoses e cirurgias. A homossexualidade feminina não era sequer discutida até então, se você já reparou pelo texto. Isso reflete bem a posição de insignificância e inferioridade que a mulher tinha nas sociedades que nos colonizaram.

Conforme já exploramos um pouco na parte dos comportamentos homossexuais em não-humanos, a homossexualidade, do ponto de vista evolutivo se mostra como um aparente ‘paradoxo’, pelo seguinte fato: se ela é exclusiva, ou seja, se os indivíduos homossexuais não se relacionam de forma alguma com indivíduos do sexo oposto, a chance de deixarem descendentes diminui e, se você não passa sua carga genética adiante, o “gene gay” (sic) não prospera e a tendência é que isso desapareça. Entretanto, ela continua presente há milênios. O paradoxo está aí. Bem, aí você deve estar pensando em alguma das alternativas a seguir: (1) Darwin estava errado e evolução não existe e/ou (2) não existe “gene gay” e o malafaia estava certo o tempo todo e a homossexualidade é uma escolha. Mas como eu disse, é um aparente paradoxo e, mais que isso, um raciocínio que é construído pra te fazer concordar com ele. Só que existem ressalvas que invalidam ele. A sexualidade (principalmente humana) não é uma chavinha (Heterossexual/Homossexual) que em uns nasce pra lá e em outros nasce pra cá ou que a pessoa vira no meio da vida. A preferência sexual (e preferência não é escolha, tá? Tem diferença!) dos seres humanos é vista mais como um degradê entre esses dois extremos. Como todo degradê, existem pessoas que habitam os extremos, sim, mas a maioria ocupa algo entre os dois. A rejeição à ideia de se relacionar com alguém do mesmo sexo é muito mais proveniente da moralidade de alguns grupos do que própria da sexualidade humana no sentido biopsicossocial. Alfred Kinsey elaborou uma escala de orientações sexuais, que você pode ver abaixo

A escala Kinsey descreve que as pessoas podem ter seis variações de sexualidade que dão desde o 0 (estritamente heterosexual) até o 6 (estritamente homossexual)

A homossexualidade têm sido percebida de formas diferentes por diferentes culturas e nações. A proibição e condenação cultural leva muitas pessoas a inibirem seus comportamentos e ocultarem sua sexualidade em relações heterossexuais 'para manter as aparências'. 

Sendo assim, se existir uma tendência genética que determine a preferência sexual das pessoas, pessoas que habitam o meio do degradê teriam essa ‘carga genética’ e poderiam gerar descendentes, pois se relacionam sexualmente com o sexo oposto também. Vale eu já explicar que, para a genética, gosto ou preferência não significam escolhas, mas expressões do nosso material genético que podem variar, mudando a forma como a gente lida com alguns estímulos.

Através do advento da ressonância magnética, conseguimos ver, com a pessoa acordadíssima e plena, quais áreas do cérebro são ativadas quando determinados estímulos são oferecidos. Com isso, diversos estudos (relacionados nas fontes, no final desse quadro) perceberam que as respostas cerebrais eram mais ligadas à preferência sexual do que ao sexo biológico. Ou seja, existiam semelhanças cerebrais entre homens heterossexuais e mulheres homossexuais, bem como entre mulheres heterossexuais e homens homossexuais. E foram observadas semelhanças até mesmo em regiões que não são ligadas à sexualidade. O artigo “A neural circuit encoding sexual preference in humans”, de 2016, que consistiu basicamente  numa compilação estatística de estudos anteriores sobre o tema, demonstrou que há uma certa unanimidade ao afirmar que há diferenças estruturais entre o fluxo sanguíneo e áreas do cérebro em pessoas homossexuais e heterossexuais.

Sabe-se que a formação da genitália do feto ocorre entre o segundo e terceiro mês de gestação. É quando as mamães normalmente vão ao médico descobrir o sexo. Já a conformidade cerebral do gênero ocorre bem depois, na segunda metade da gravidez, lá para os 5 meses de gestação. Se sabe que a orientação sexual ou identidade de gênero ocorrem naturalmente, devido a doses hormonais na segunda metade da gestação, o que implica em algumas diferenças na formação cerebral daquele feto. Ou seja, é meio já fora de questão dentro da comunidade científica, o tratamento da homossexualidade como doença, disfunção ou comportamento socialmente determinado. Até por que, se fosse meramente um comportamento, filhos ou filhas de casais heterossexuais nunca seriam LGBT+, a não ser que convivessem com outra pessoa LGBT+. Tampouco é adequado classificar a homossexualidade como uma determinação puramente genética, pois seria de se esperar que filhos de pessoas LGBT+ tivessem uma tendência maior de nascer LGBT+, o que também não é necessariamente verdade. Ainda está tudo em estudo, em análise, mas o panorama que se desenha mais provável para a origem da homossexualidade em humanos é baseado em elementos gestacionais, fazendo com que esse evento seja inato, mas não hereditário. Ou seja, nasce-se homossexual ou heterossexual, mas isso não significa uma tendência para que seus filhos também o sejam. 

Se você acha que esse conhecimento já está suficientemente divulgado e que a maioria das ideias que justificam o preconceito contra os homossexuais são ideias antigas, pare e repare: os avanços em relação à essa luta são MUITO recentes. Somente em 1971, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) retirou do Manual Diagnóstico e Estatístico o diagnóstico “homossexualismo”, de modo que este deixou de ser considerado uma doença. Somente em 1973 surge o termo “homofobia”, caracterizando condutas de medo e intolerância perante homossexuais. Ainda temos muito a avançar nos direitos das pessoas LGBT+ e, sem dúvidas, o conhecimento científico é importante aliado.

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