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Por que dividir em funções vitais?
Todos os seres vivos necessitam realizar suas funções vitais de alguma forma. Até mesmo uma bactéria, unicelular aeróbica, respira, digere e excreta nutrientes, etc. Com tamanhos, complexidades e ambientes tão diferentes, é de se esperar que existam distintas estratégias, adaptadas ao ambiente que vivem. Aqui, vamos conhecer algumas, para que nos lembremos sempre que diversos mecanismos evolutivos estão por trás dessas estruturas e processos metabólicos tão incríveis.
Sistemas Nervosos: perceber e responder estímulos
Para trazer uma visão comparada do sistema nervoso temos que remontar à muito tempo, até quando ele não existia de fato. Pense aí rapidinho quais são as funções de um sistema nervoso. Basicamente processar estímulos do mundo externo e do mundo interno. Ele traduz experiências em sensações que você conhece bem, como a dor, medo ou conforto. Entretanto, a capacidade de perceber e sentir o ambiente tem sua origem à bilhões de anos, algo que remete à vida procariota. Sim, as interações entre bactérias são complexas e elas tem uma capacidade de perceber o ambiente que é muito subestimada. Coitadas. Perceber o ambiente é muito necessário visto que ele muda muito, a todo momento. Veja: a concentração de substâncias, pH, incidência de luz, para ficar em poucos exemplos, se modificam diariamente nos ecossistemas terrestres e marinhos. Os sistemas nervosos, dos mais simples aos mais complexos, oferecem, na verdade, uma interpretação para esses estímulos, uma concentração do processamento de informações em certos níveis (o que chamamos de cefalização) e uma maior rapidez na percepção e resposta à esses estímulos. Como consequência de interações cerebrais cada vez mais complexas, temos o raciocínio lógico, abstrato, imaginação e sentimentos. A partir dos sentimentos, que são guiados por uma força homeostática, criam-se culturas e invenções intelectuais como moralidade, justiça, religião, arte, filosofia e ciência. Para isso acontecer, muitos caminhos evolutivos se abriram e alguns foram, de fato, percorridos. Vamos investigar a evolução dos sistemas nervosos, a partir quando eles eram inexistentes.
Uma colônia da bactéria Pseudomonas aeruginosa
Só um detalhe: no reino animal temos alguns filos de invertebrados (esponjas, moluscos, artrópodes, etc) e apenas um filo de vertebrados (cordados). Os animais vertebrados são evolutivamente bem mais recentes e também são minoria. 97% das espécies animais é de invertebrados. então, dada a importância desse grupo, vamos passar por alguns deles para escrever essa história!

A homeostase é o princípio que guia a vida
Tem um livro que gosto muito, chamado “A Estranha Ordem das Coisas”, de António Damásio. Para continuar entendendo bem as referências que faço, sugiro que você leia o post sobre Homeostase, lá no blog. Segundo o livro, as bactérias apresentam uma dinâmica social curiosa, onde são capares de cooperar com os seus pares, expulsar membros não-colaborativos e serem territorialistas também. Elas conseguem identificar, por sinalizações químicas da parede celular, quem são aqueles organismos “aparentados” ou aqueles que são estranhos. Quando um grupo de bactérias deseja se defender de alguma ameaça ou condição adversa (sim, elas podem atuar conjuntamente, de forma cooperativa), caso percebam que alguns indivíduos desertaram do esforço de defesa, elas o rejeitam, impedindo que o organismo acesse recursos alimentares. Claro que o autor não estabelece uma relação de causa-efeito entre a dinâmica social bacteriana e humana, mas ele esclarece algo importante: os comportamentos que elas desenvolveram agem obedecendo os mesmos imperativos homeostáticos que nós obedecemos. Ou seja, a verdadeira “linha invisível” que conecta todas as formas de vida é a homeostase. O que quero dizer é que elas sobrevivem há mais de 3 bilhões de anos num esquema “automático”, isto é, sem inteligência guiada por um cérebro, mas que funciona sob os mesmos princípios que o próprio cérebro, bem mais sofisticado e especializado. Então, podemos dizer sem constrangimentos, que a nossa mente e suas criações fizeram muitos empréstimos do passado remoto da Terra.

Os primeiros animais
Pense num animal. Agora em outro. Outro. Outro. Mesmo se eu repetir esse pedido cem vezes você não vai pensar numa esponja. Entretanto, as esponjas fazem parte do mesmo reino que você: Reino Metazoa, também conhecido como Reino Animalia. São 8 mil espécies diferentes de esponjas, sendo 98% marinhas e os outros 2% de água doce. Elas são conhecidas por não terem tecidos especializados, isso faz com que não tenham quaisquer órgãos ou sistemas, incluindo muscular, sensoriais e nervosos. Entretanto, isso não anula que elas possam ter células especializadas (a diferença é que essas células não se organizam na forma de um tecido especializado). Elas têm a capacidade, por exemplo, de distinguir quais células são do seu organismo e quais são de outros organismos (o que chamamos de histocompatibilidade). Há um tempo atrás acreditava-se que os animais invertebrados não possuíam capacidade de distinguir entre si (self) e o outro (nonself), mas isso foi observado, nos anos 80, em ouriços, estrelas do mar, insetos, crustáceos, anelídeos, moluscos, cnidários e até em esponjas. Hildemann e Johnson, em 1979, fizeram testes com a esponja Callyspongia difusa e perceberam que têm um mecanismo de “reconhecimento imune” altamente sensível, capaz de distinguir quais células são de outras espécies e desenvolver reações a elas. O mais impressionante é que são capazes de possuir uma espécie de memória imunológica, ou seja, quando ela entra em contato uma segunda vez com o mesmo tipo celular estranho ao qual foi exposta antes, a reação é ainda mais rápida que da primeira vez. As esponjas também conseguem, mesmo sem um sistema nervoso, coordenar a ação em diferentes áreas do seu corpo, para realizar locomoção e regular o fluxo de água no seu compartimento central, o que é feito principalmente por sinalizadores químicos enviados através do seu sistema aquífero (vídeo ao lado). Desde Aristóteles já eram mencionadas movimentações no corpo das esponjas. Ou seja, o fato de não ter tecidos especializados não quer dizer que elas não emitam sinalizações, se movimentem ou percebam o ambiente, só faz com que essas ações não sejam tão rápidas ou precisas.
Por não possuírem sistema locomotor algum, nem tecidos organizados, os movimentos das esponjas são muito lentos e diminutos, como você pode ver no vídeo acelerado.
As esponjas são filtradoras. Por conta disso absorvem a água por poros localizados na sua parede, bombeando-a para o espaço interno chamado ósculo. Nesse processo que ela se alimenta, como você deve saber. Mas o que você talvez não saiba é que ela utiliza essa corrente de água que produz no ósculo para enviar sinalizações (hormônios, por exemplo) para outras áreas do corpo. como ela não tem sistema de circulação interno, usa o fluxo de água oscular para comunicar quimicamente.



Os Cnidários, os primeiros animais com sistema nervoso
Como vocês viram, as esponjas (Filo Porifera) não possuem tecidos organizados, então não têm um sistema nervoso. Não tem nenhum sistema organizado, na verdade. Já os cnidários, grupo representado pelas águas vivas, corais e anêmonas, já possuem células organizadas em tecidos verdadeiros, especializados. São, portanto, os animais mais simples a possuírem sistemas! Seu sistema nervoso não é centralizado, como em organismos que surgiram mais tarde, como os platelmintos, minhocas, insetos, mamíferos, etc. Um sistema nervoso (SN) centralizado significa ter uma região do corpo que concentra a maior parte das funções nervosas e/ou coordenam e processam os estímulos nervosos que estão espalhados pelo corpo. Essa região é normalmente chamada de cabeça. Animais sem sistema nervoso centralizado, como os cnidários, não possuem, então, uma diferenciação clara no corpo do que é cabeça e o que não é. Atenção aqui na distinção que eu vou fazer agora: os cnidários possuem nervos e músculos autênticos, possuindo então um sistema nervoso; entretanto, esse sistema não é centralizado, o que faz que não possuam uma região destacada como “cabeça”. Só olhar nas fotos ao lado e vai entender o que digo! Chamamos o sistema nervoso dos cnidários, portanto, de difuso. Isso implica no que vocês podem ver no vídeo ao lado e que eu explico a seguir. Na maioria dos cnidários, neurônios interconectados formam uma rede nervosa difusa, ou seja, bem espalhada pelo corpo. Nesse grupo, os impulsos nervosos gerados na rede de neurônios de condução lenta podem ser espalhados em ambas as direções (“de lá pra cá e de cá pra lá”) ao mesmo tempo, ou seja, se irradiam em uma ou mais direções, fazendo com que a estimulação de uma célula sensorial em uma região específica se propague por todo o corpo do animal. Ou seja, é uma transmissão de sinais um pouco mal direcionada, que não dá a exata localização do estímulo. Já a rede nervosa de condução rápida, que normalmente fica por baixo do epitélio desses animais, tem uma transmissão mais rápida e direcionada dos sinais nervosos, justamente por ter uma espessura muito maior das fibras nervosas. Alguns estudos indicam que a espessura maior das fibras dessa rede de condução rápida é resultado da fusão de fibras menores durante o desenvolvimento embrionário desses animais. Esse é um lindo quadro pintado pela Evolução Biológica, né? Muitas vezes "novas" características surgem por uma simples mudança ou rearranjo de estruturas que já existem. Ao lado, poderão ver vídeos que exemplificam a interação dos estímulos nervosos dos cnidários com os seus tecidos musculares, gerando movimentação, seja para se alimentar ou para fugir.

Platelmintos, os primeiros sistemas nervosos centralizados
A novidade evolutiva dos Platelmintos é o sistema nervoso centralizado. Olhando a foto ao lado você percebe que existe uma diferença entre o que é cabeça e o que não é. Ué, como assim você não vê diferença? Veja a imagem do esquema interno do sistema nervoso dos platelmintos, então, para ter certeza.. Pois a maioria deles têm sim algo que podemos chamar de cabeça e algo que podemos entender como um cérebro primitivo. Esse cérebro é conectado a um ou mais pares de cordões nervosos que percorrem desde a região anterior (da cabeça) até a região posterior (do “rabo”). O sistema nervoso dos platelmintos é, então, chamado de ganglionar, já que esses cordões que percorrem seu corpo longitudinalmente concentram "nódulos" de neurônios de tempos em tempos. Esses "nódulos" vamos sempre chamar de gânglios, beleza? Agora, falando já de órgãos do sentido bem incipientes, algumas classes de platelmintos apresentam um ou mais pares de ocelos na região da cabeça, que são órgãos da visão primitivos, sensíveis à luminosidade e que guiam a movimentação desses animais. Ocelos não são olhos. São ocelos.
Os Platelmintos também possuem células com sensibilidade para substancias químicas, mudanças de pressão e estímulos mecânicos. Ao que parece, existe uma relação de causa e efeito entre sistemas nervosos mais complexos e formas diferentes de explorar o meio. Como você deve lembrar, as esponjas são organismos praticamente imóveis. Isso por que o sistema nervoso está relacionado não só com a complexidade do organismo como um todo, mas também por ele coordenar muitos dos processos metabólicos. Então o desenvolvimento de um sistema nervoso capaz de coordenar movimentos e respostas para os estímulos do meio está envolvido com o desenvolvimento de um sistema de locomoção mais elaborado, bem como a reprodução, alimentação, já que os órgãos do sentido auxiliam todas essas funções. Um sistema bem semelhante a este que estudamos é encontrado no grupo dos Nematelmintos.


Nos moluscos, que é um grupo muito diverso, existem animais com Sistemas Nervosos (SN) muito simples e outros com o SN extremamente elaborados. Alguns moluscos nem cordões nervosos têm; já outros, como os cefalópodes (grupo das lulas e polvos) têm a capacidade de mudar de cor e elaborar estratégias incríveis de predação. Veja alguns vídeos que eu separei ao lado, para dar a dimensão disso! De uma forma geral, dentro de qualquer grupo animal, a organização do sistema nervoso está correlacionada com o estilo de vida daquele grupo. Exemplo, moluscos que são sésseis, ou seja, que ficam paradões lá na areia, têm órgãos de sentido bem simples e não têm (ou têm pouca) cefalização. Agora, polvos e lulas têm olhos grandes que formam imagens, cérebro com milhões de neurônios e são capazes de executar tarefas complexas, como mimetismo e elaborar armadilhas.

Designes de Sistemas Nervosos


Há cerca de 500 milhões de anos ocorreu um processo na história geológica muito importante, chamado Explosão Cambriana. Nesse período uma quantidade muito diversa de organismos vivos surgiu, o que é confirmado pelos fósseis datados dessa época. Junto com as novas espécies, surgiram sistemas especializados de neurônios, permitindo uma resposta mais rápida e direcionada para os estímulos ambientais: Sistemas Nervosos cada vez mais sofisticados. Os neurônios (células básicas de um sistema nervoso) agrupados formam o que chamamos de nervos, ou fibras nervosas. Essas fibras conduzem informações sobre o mundo à volta do organismo, como intensidade e direção da luz, substâncias químicas, estímulos mecânicos (toque, impactos etc) e físicos (calor, movimento, etc). Os sistemas nervosos foram, ao longo da evolução, se especializando e diferenciando de modo a serem mais efetivos e precisos. Como comentamos, a cefalização é um importante passo nesse sentido, já que concentram neurônios sensoriais e interneurônios na região que passamos a chamar de cabeça. Mas a cefalização é uma consequência de um tipo de arranjo corporal específico: simetrias bilaterais. Em termos gerais, somente animais com simetria bilateral têm cabeça. Pense num animal como a água viva, como a estrela do mar, como uma anêmona (foto). Esses que citei são animais de simetria radial, ou seja, você consegue dividir o plano corporal deles em diversas seções transversais, como uma pizza. Pense em animais como os platelmintos, cavalos, polvos e seres humanos. Esses são exemplos de animais de simetria bilateral, ou seja, aqueles que o corpo pode ser dividido em duas partes mais ou menos iguais. É só você fazer aquela velha brincadeira de pegar um espelho e colocar no meio da sua cara. A bilateralidade tem muito a ver com o processo de cefalização e sofisticação dos sistemas nervosos ao longo da evolução. Pense: dividindo sua face ao meio, você tem um olho em cada lado, um ouvido em cada lado, uma narina em cada lado. Certo? Essa duplicação dos órgãos do sentido, no seu elaboradíssimo sistema nervoso, te dão a capacidade de triangular a posição de objetos à sua frente. Falo triangular no sentido de ter a exata dimensão, com noções muito exatas de profundidade e distância, de onde estão os objetos em determinado ambiente. Pense no valor disso para localizar fontes de alimentos e possíveis perigos. Muita, né? Então dá pra entender por que características assim foram positivamente selecionadas pelo processo evolutivo!


