Você deve ter na cabeça algo como um “impulso” ou a ideia de algo “elétrico” sendo transmitido, quando o assunto é neurônio. Num neurônio, a membrana plasmática é especialmente rica em proteínas de canal. Se não sabe o que é, vai lá na sessão de citologia. As proteínas de canal são importantes pois permitem a passagem de substâncias entre os meios interno e externo, lembra? Então, essas proteínas podem fazer esse transporte passivo mediante diversos tipos de estímulo. Pode ser estímulo eletroquímico (como é o caso dos canais do tipo “voltagem-dependente”) ou pode ser por estímulo de um ligante (canais ligante-dependente), pra ficar só nos dois tipos mais importantes. Já vamos explorar melhor como esses canais funcionam, tá? É que antes preciso te explicar uma coisa sobre as membranas celulares. Elas normalmente têm uma “d.d.p”. Esse conceito é lá da física, significa diferença de potencial. Isso é o mesmo que dizer que a composição eletroquímica do interior da célula é diferente da do exterior, gerando uma diferença de carga entre esses dois ambientes. O papel da membrana aqui não é o de equilibrar esses dois meios, mas sim de manter essa diferença. É muito comum ouvir que “a natureza sempre busca ao equilíbrio”, mas você está aprendendo aqui agora que, na verdade, existem certos “desequilíbrios” que são vitais para nós. Manter as concentrações desiguais de determinados íons como Na+, K+) possibilita a existência dessa d.d.p. e, no final, é o que faz ser possível a realização de diversas funções metabólicas celulares, como a contração muscular e a transmissão de impulsos nervosos. Como aqui a gente não dá ponto sem nó, quero te dizer exatamente qual é essa diferença de composição entre o meio interno e externo da célula que faz essa d.d.p existir. Basicamente, o meio interno é mais negativo e o meio externo é mais positivo. E o motivo disso, na verdade, são 3 motivos:
1) A maioria dos elementos dentro da célula estão na forma ionizada, incluindo as proteínas, que em sua maioria estão aniônicas, por conta do meio aquoso. Isto reforça a maior concentração de cargas negativas no interior da célula.
2) Ocorre uma assimetria lipídica. Como você sabe as membranas plasmáticas são compostas por uma bicamada de fosfolipídios. Então, há uma camada voltada para a região interna da célula e uma para a externa. A composição da camada interna e externa de fosfolipídios é diferente, sendo a interna mais rica em um tipo de fosfolipídio chamado fosfatidilserina, que é negativamente carregado. Então, isso faz com que a camada interna seja mais eletronegativa.
3) A Bomba de Sódio e Potássio, que fica inserida na membrana, realiza transporte ativo de 2 moléculas de Sódio (Na+) para cada 3 de Potássio (K+). Ou seja, saem 3 cátions para entrada de apenas 2 cátions; Assim, é de se esperar que o meio externo vá ficando mais positivo, certo? Estimamos que a diferença de potencial média gerada pela bomba seja de -4mV.
Somando-se essas três causas, a diferença de potencial (ddp) total é de -90mV. A essa ddp damos o nome de Potencial de Repouso. Ou seja, uma célula em repouso, sem realizar nenhum estímulo ou ação metabólica específica, tem uma diferença de potencial de -90mV, só por conta desses três motivos que eu citei acima.
Então agora que você já entendeu como uma membrana possui diferença de potencial, você é capaz de entender como funciona um canal voltagem-dependente. Quando a ddp é de -90mV (potencial de repouso), o canal fica lá, fechado, não deixa nada passar pra um lado nem para outro. Entretanto, quando a ddp atinge determinado valor, ele abre, deixando íons passarem. Entendeu? Algo parecido acontece com um canal ligante-dependente. Ele fica lá, tranquilo, fechadão. Quando alguma molécula específica se liga a ele, ele abre, deixando passar seja lá o que ele permita passar. Vale lembrar que os canais, seja de qual tipo forem, são altamente específicos, ok? Se é um canal de sódio, só passa sódio. Se é um canal de cálcio, só passa cálcio. Então não é por que ele abriu que entra tudo: cálcio, sódio, um fandangos, tua avó, o faustão. Nada disso. Canais são específicos, não se esqueça disso.
Então vamos ao que interessa: já dissemos que os neurônios podem ser células enormes, com axônios que chegam a metro de comprimento. Como diabos um neurônio transmite uma informação ao longo de tooooooodo comprimento de seu axônio? Justamente, por impulso elétrico. Mas como assim? Já chegamos à conclusão que a célula tem uma ddp quando está em repouso, certo?
1) O impulso é gerado quando o neurônio entra em contato com um neurotransmissor (pode ser a acetilcolina, por exemplo). Esse neurotransmissor é um ligante de um canal chamado “Canal para Sódio Acetilcolina-Dependente”. Calma, vou explicar: ao entrar em contato com esse ligante (esse é um canal ligante-dependente), o canal se abre e permite a entrada de sódio. Mas se o sódio entra, a diferença de potencial da membrana vai reduzir, certo? Por que ela era mais negativa na parte de dentro e agora está entrando sódio, que é um íon positivo. Então a ddp sai de -90mV e vai para -60mV. Aí que o bicho pega:
2) Agora que a ddp atingiu determinado limiar (vamos chamar o valor de -60mV de ‘limiar de excitação’), uma segunda proteína chamada “Canal para Sódio Voltagem-Dependente” vai abrir e permitir a entrada de um caminhãão de sódio na célula, levando a ddp de -60mV a +35mV. Esse momento chamamos de despolarização. Sabe porque? Por que antes a parte de fora era mais positiva que a de dentro e agora, com a ação desses dois canais, a parte de dentro da membrana está mais positiva. Então você despolarizou a membrana. Beleza. Logo depois de despolarizar esse canal Voltagem-dependente se fecha também.
3) Essa despolarização ativa um terceiro canal chamado “Canal para Potássio Voltagem-Dependente”, que vai expulsar à força (to querendo dizer aqui que o transporte é ativo) quase todo o potássio pra fora da célula, restabelecendo a ddp inicial. Esse momento é chamado de repolarização.
É claro que tudo isso acontece em um espaço de tempo ridículamente curto. Cerca de três milisegundos é suficiente para uma parte da membrana se despolarizar e repolarizar. É graças a essa rapidez que você não demora um sééculo pra tirar a mão de algo quente ou não demora cem anos pra somar 2 + 2. Todo esse processo que eu descrevi está resumido abaixo e demonstrado nos gráficos, imagens e vídeos ao lado.
Resumo da dinâmica dos canais
1 – Canal para Sódio Acetilcolina-Dependente
> Função: Fazer que entre Na+ até que se chegue à d.d.p correspondente ao Limiar de Excitação.
> Tipo de transporte: Passivo
> Tipo de Canal: Ligante-Dependente
> Íon transportado: Sódio
2 – Canal para Sódio Voltagem-Dependente
> Função: Fazer que entre Na+ de forma rápida até que se atinja o Potencial de Ação.
> Tipo de transporte: Passivo
> Tipo de Canal: Voltagem-Dependente (-60)
> Íon transportado: Sódio
3 – Canal para Potássio Voltagem-Dependente
> Função: Fazer que saia potássio da célula suficiente para restabelecer a condição elétrica.
> Tipo de transporte: Passivo
> Tipo de Canal: Voltagem-Dependente (-60)
> Íon transportado: Potássio